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MINHAS PESQUISAS : FLUIDO NERVOSO

Senhora Reynaud, sonâmbula – Revista Espírita, março de 1859
Sonâmbula, falecida em Annonay, há mais ou menos um ano; sua lucidez era, sobretudo, notável para as questões médicas, embora iletrada em seu estado natural.
Um de nossos correspondentes, que a conhecera em vida, pensando que se poderia obter dela notícias úteis, endereçou-nos algumas perguntas que nos pediu fazer-lhe, se julgássemos oportuno interrogá-la, o que fizemos na sessão da Sociedade do dia 28 de janeiro de 1859. Às questões de nosso correspondente, acrescentamos todas as que nos pareceram ter algum interesse.

1. Evocação. - R. Estou aqui; o que quereis de mim?
2. Tendes uma lembrança exata de vossa existência corpórea? - R. Sim, muito precisa.
3. Poderíeis pintar-nos vossa situação atual? - R. É a mesma de todos os Espíritos que habitam nossa Terra: geralmente possuem a intuição do bem, e todavia não podem obter a felicidade perfeita, reservada unicamente à maior perfeição.
4. Quando vivíeis, éreis sonâmbula lúcida; poderíeis dizer se a vossa lucidez, então, era análoga a que tendes agora como Espírito? - R. Não: diferia em que não tinha a prontidão e a justeza que meu Espírito possui hoje.
5. A lucidez sonambúlica é uma antecipação da vida espírita, quer dizer, um isolamento do Espírito, com relação à matéria? - R. E uma das fases da vida terrestre; mas a vida terrestre é a mesma que a vida celeste.
6. Que entendeis dizendo que a vida terrestre é a mesma que a vida celeste? - R. Que a cadeia de existências está formada por anéis seguidos e contínuos: nenhuma interrupção lhe vem deter o curso. Pode-se dizer, pois, que a vida terrestre é a continuação da vida celeste precedente e o prelúdio da vida celeste futura e, assim, sem interrupção, por todas as encarnações que um Espírito pode ter que sofrer: o que faz com que não haja, entre essas duas existências, uma separação tão absoluta como o credes.
Nota. Durante a vida terrestre, o Espírito, ou a alma, pode agir independentemente da matéria, e o homem goza, em certos momentos, da vida espírita, seja durante o sono, seja mesmo no estado de vigília. As faculdades do Espírito se exercendo apesar da presença do corpo, há entre a vida terrestre e a vida de além-túmulo uma correlação constante, o que fez a senhora Reynaud dizer que é a mesma: a resposta seguinte definiu claramente seu pensamento.
7. Por que, então, todo o mundo não é sonâmbulo? - R. Ignorais ainda, pois, que todos vós o sois, mesmo sem sono e muito despertos, em graus diferentes?
8. Concebemos que todos o somos, mais ou menos, durante o sono, uma vez que o estado de sonho é uma espécie de sonambulismo imperfeito; mas, que entendeis dizendo que o somos mesmo no estado de vigília? - R. Não tendes as intuições, das quais não vos apercebeis, e que não são outra coisa que uma faculdade do Espírito? O poeta é um médium, um sonâmbulo.
9. Vossa faculdade sonambúlica contribuiu para o vosso desenvolvimento como Espírito depois da morte? - R. Pouco.
10. No momento da morte, estivestes muito tempo na perturbação? - R. Não; eu me reconheci logo: estava cercada de amigos.
11. Atribuís à vossa lucidez sonambúlica o vosso pronto desligamento? - R. Sim, um pouco. Conheci antes a sorte dos agonizantes; mas isso não me teria servido para nada, se não possuísse uma alma capaz de encontrar uma vida melhor por melhores faculdades.
12. Pode-se ser bom sonâmbulo sem possuir um Espírito de uma ordem elevada? - R. Sim. As faculdades estão sempre em relação: somente vos enganais crendo que tais faculdades pedem boas disposições; não, o que credes bom, freqüentemente, é mau: desenvolveria isso, se me compreendêsseis.
Há sonâmbulos que conhecem a fundo o futuro, que contam fatos que chegam e dos quais não têm nenhum conhecimento no seu estado normal; há outros que sabem pintar perfeitamente os caracteres daqueles que os interrogam, indicar exatamente um número de anos, uma soma em dinheiro, etc.: isso não pede nenhuma superioridade real; é simplesmente um exercício da faculdade que o Espírito possui e que se manifesta no sonâmbulo adormecido. O que requer uma superioridade real é o uso que dela se pode fazer para o bem; é a consciência do bem e do mal; é conhecer Deus melhor do que os homens o conhecem; é poder dar conselhos próprios para fazer progredir no caminho do bem e da felicidade.
13. O uso que um sonâmbulo faz de sua faculdade influi sobre o seu estado de Espírito depois da morte? - R. Sim, muito, como o uso bom ou mau de todas as faculdades que Deus nos concedeu.
14. Poderíeis nos explicar como tínheis conhecimentos médicos, sem fazer nenhum estudo? - R. Sempre faculdade espiritual: outros Espíritos me aconselhavam; eu era médium: é o estado de todos os sonâmbulos.
15. Os medicamentos que um sonâmbulo prescreve, são sempre indicados por um Espírito, ou o são também por instinto, como entre os animais que vão procurar a erva que lhes é salutar? - R. Indicam-lhe se pede conselhos, no caso em que sua experiência não basta. Conhece-os pelas suas qualidades.
16. O fluido magnético é o agente da lucidez sonambúlica como a luz para nós? - R. Não, é o agente do sono.
17. O fluido magnético é o agente da visão, no estado de Espírito? - R. Não.
18. Vede-nos aqui tão claramente como se estivésseis viva, com o vosso corpo? - R. Melhor, agora: o que vejo a mais é o homem interior.
19. Ver-nos-íeis do mesmo modo se estivéssemos na obscuridade? - R. Igualmente bem.
20. Vede-nos tão bem, melhor ou menos bem do que veríeis em vida, mas em sonambulismo? - R. Melhor ainda.
21. Qual é o agente ou a intermediário de que vos servis para ver-nos? - R. Meu Espírito. Não tenho nem olho, nem pupila, nem retina, nem cílios, e, todavia, eu vos vejo melhor do que qualquer de vós vê seu vizinho: é pelo olho que vedes, mas é o vosso Espírito quem vê.
22. Tendes consciência da obscuridade? - R. Sei que ela existe para vós; para mim ela não existe.
Nota. Isso confirma o que sempre dissemos, que a faculdade de ver é uma propriedade inerente à própria natureza do Espírito e que reside em todo o seu ser; no corpo ela está localizada.
23. A dupla vista pode ser comparada ao estado sonambúlico? - R. Sim: a faculdade que não vem do corpo.
24. O fluido magnético emana do sistema nervoso ou está espalhado na massa atmosférica? - R. Do sistema nervoso; mas o sistema nervoso o aure na atmosfera, foco principal. A atmosfera não o possui por si mesma, ele vem de seres que povoam o Universo: não é o nada que o produz, ao contrário, é a acumulação da vida e da eletricidade que essa multidão de existências libera.
25. O fluido nervoso é um fluido próprio ou seria o resultado de uma combinação de todos os outros fluidos imponderáveis que penetram no corpo, tais como o calor, a luz, a eletricidade? - R. Sim e não: não conheceis bastante esses fenômenos para deles falar assim; vossas palavras não exprimem o que quereis dizer.
26. De onde vem o adormecimento produzido pela ação magnética? - R. A agitação produzida pela sobrecarga de fluido que obstrui o magnetizado.
27. A força magnética, no magnetizador, depende de sua constituição física? - R. Sim, mas sempre de seu caráter: em uma palavra, dele mesmo.
28. Quais são as qualidades morais que, num sonâmbulo, podem ajudar o desenvolvimento de suas faculdades? - R. As boas: perguntastes o que pode ajudar.
29. Quais são os defeitos que mais o prejudicam? - R. A má fé.
30. Quais são as qualidades mais essenciais no magnetizador? - R. O coração; as boas intenções sempre firmes; o desinteresse.
31. Quais são os defeitos que mais o prejudicam? - R. Os maus pendores, ou antes, o desejo de prejudicar.
32. Quando viva, víeis os Espíritos em vosso estado sonambúlico? - R. Sim.
33. Por que todos os sonâmbulos não os vêem? - R. Todos os vêem por momentos, e em diferentes graus de claridade.
34. De onde vem, para certas pessoas não sonâmbulas, a faculdade de ver os Espíritos no estado de vigília? - R. Isso é dado por Deus, como a outros a inteligência ou a bondade.
35. Essa faculdade procede de uma organização física especial? - R. Não.
36. Essa faculdade pode se perder? - R. Sim, como pode ser adquirida.
37. Quais são as causas que podem fazê-la perder? - R. As más intenções, dissemos. Por condição primeira, é preciso procurar propor-se, realmente, fazer dela um bom uso; uma vez definido isso, julgai se mereceis esse favor, porque ela não é dada inutilmente. O que prejudica àqueles que a possuem, é que, quase sempre, misturam-lhe essa infeliz paixão humana que conheceis tão bem (o orgulho), mesmo com o desejo de conseguir os melhores resultados; glorifica-se com o que não é senão obra de Deus, e, freqüentemente, se quer dela tirar proveito. - Adeus.
38. Para onde ides, em nos deixando? - R. Às minhas ocupações.
39. Poderíeis dizer-nos quais são as vossas ocupações? - R. Tenho-as como vós; trato primeiro de me instruir e, por isso, misturo-me às sociedades melhores do que eu; como lazer faço o bem, e minha vida se passa na esperança de alcançar maior felicidade. Não temos nenhuma necessidade material a satisfazer e, por conseguinte, toda a nossa atividade se dirige para o nosso progresso moral.


Dissertações espíritas – Revista Espírita, agosto de 1861
...
Dos transportes e de outros fenômenos tangíveis. (Sociedade Espírita de Paris. Médium Sr. d'Ambel.)
Para obter fenômenos desta ordem, necessariamente, é preciso ter consigo médiuns que eu chamaria sensitivos, quer dizer, dotados no mais alto grau das faculdades mediúnicas de expansão e de penetrabilidade; porque o sistema nervoso desses médiuns, facilmente excitável, lhes permite, por meio de certas vibrações, projetar ao redor deles, com profusão, seu fluido animalizado.
As naturezas impressionáveis, as pessoas cujos nervos vibram ao menor sentimento, à menor sensação, que a influência moral ou física, interna ou externa, sensibiliza, são pessoas muito aptas a se tornarem excelentes médiuns para os efeitos físicos de tangibilidade e de transporte. Com efeito, seu sistema nervoso, quase inteiramente desprovido do envoltório refratário, que isola esse sistema na maioria dos outros encarnados, torna-os próprios para o desenvolvimento desses diversos fenômenos. Em conseqüência, com um sujeito dessa natureza, e cujas outras faculdades não sejam hostis à medianimização, obter-se-á mais facilmente os fenômenos de tangibilidade, as pancadas nas paredes e nos móveis, os movimentos inteligentes, e mesmo a suspensão do espaço da matéria inerte mais pesada; a fortiori, obter-se-ão esses resultados se, no lugar de um médium, os tiver à mão vários igualmente bem dotados.
Mas da produção desses fenômenos à obtenção daquele dos transportes, há todo um mundo; porque, nesse caso, não só o trabalho do Espírito é mais complexo, mais difícil, mas muito mais, o Espírito não pode operar senão por meio de um único aparelho mediúnico, quer dizer, que vários médiuns não podem concorrer, simultaneamente, para a produção do mesmo fenômeno. Ocorre mesmo, ao contrário, que a presença de certas pessoas antipáticas ao Espírito que opera, entrava radicalmente a sua operação. A esses motivos que, como vedes, não faltam em importância, acrescentai que os transportes necessitam sempre uma maior concentração, e ao mesmo tempo uma maior difusão de certos fluidos, e que, enfim, não podem ser obtidos senão com os médiuns melhores dotados, aqueles, em uma palavra, cujo aparelho eletro-mediúnico está melhor condicionado.
Em geral, os fatos de transportes são e permanecerão excessivamente raros. Não terei necessidade de vos demonstrar porque são, e serão, menos freqüentes do que os outros fatos de tangibilidade; do que vos disse, vós mesmos o deduzireis. Aliás, esses fenômenos são de uma tal natureza que não só todos os médiuns não lhes são próprios, mas que todos os médiuns, eles mesmos, não podem produzi-los. Com efeito, é necessário que entre o Espírito e o médium influenciado exista uma certa afinidade, uma certa analogia, em uma palavra, uma certa semelhança que permita à parte expansiva do fluido perispirítico (Vê-se que, quando se trata de exprimir uma idéia nova para a qual a língua não tem palavras, os Espíritos sabem perfeitamente criar neologismos. Estas palavras: eletro-medianimica, perispirítico, não são nossas. Aqueles que nos criticaram por termos criado as palavras: espírita, espiritismo, perispírito, que não tinham suas análogas, poderão também acusar mesmo os Espíritos.) do encarnado misturar-se, unir-se, combinar-se com o do Espírito que quer fazer um transporte. Essa fusão deve ser tal que a força resultante se torne, por assim dizer, uma; do mesmo modo que uma corrente elétrica, agindo sobre o carvão, produz um foco, uma claridade únicos.
Por que essa união? Por que essa fusão, direis? É que, para a produção desses fenômenos, é necessário que as propriedades essenciais do Espírito motor sejam aumentadas por algumas das do medianimizado; é que o fluido vital, indispensável à produção de todos os fenômenos mediúnicos, é o apanágio exclusivo do encarnado, e que, por conseqüência, o Espírito operador está obrigado a se impregnar dele. Não é senão então que ele pode, por meio de certas propriedades do vosso meio ambiente, desconhecidas para vós, isolar, tornar invisíveis e fazer mover certos objetos materiais, e os próprios encarnados. Não me é permitido, para o momento, vos desvendar essas leis particulares que regem os gases e os fluidos que vos cercam; mas antes que os anos tenham se escoado, antes que uma existência de homem seja cumprida, a explicação dessas leis, e desses fenômenos, vos será revelada, e vereis surgir e se produzir uma nova variedade de médiuns, que cairão num estado cataléptico particular, desde que sejam medianimizados.
Vedes com quantas dificuldades a produção dos transportes se acha cercada; podeis disso concluir, muito logicamente, que os fenômenos dessa natureza são excessivamente raros e com tanta maior razão quanto os Espíritos a isso se prestam muito pouco, porque motiva, de sua parte, um trabalho quase material, o que é um aborrecimento e uma fadiga para eles.
De outra parte, ocorre ainda isto: é que, muito freqüentemente, apesar de sua energia e de sua vontade, o estado do próprio médium lhe opõe uma barreira intransponível.
Está, pois, evidente, e o vosso raciocínio o sanciona, disso não duvido, que os fatos tangíveis de golpes, de movimento e de suspensão são fenômenos simples, que se operam pela concentração de certos fluidos, e que podem ser provocados e obtidos pela vontade e o trabalho dos médiuns que lhes estejam aptos, quando estes são secundados pelos Espíritos amigos e benevolentes; ao passo que os fatos de transporte são múltiplos, complexos, exigem um concurso de circunstâncias especiais, não podem se operar senão por um único Espírito e um único médium, e necessitam, fora das necessidades da tangibilidade, de uma combinação toda particular para isolar e tornar invisível o objeto, ou os objetos, que são o motivo do transporte.
Todos vós, Espíritas, compreendeis minhas explicações, e vos dais conta perfeitamente dessa concentração de fluidos especiais, para a locomoção e a tactilidade da matéria inerte; nisso credes, como credes nos fenômenos da eletricidade e do magnetismo, com os quais os fatos mediúnicos estão em plena analogia, e lhes são, por assim dizer, a consagração e o desenvolvimento. Quanto aos incrédulos, não tenho o que fazer para convencê-los, e não me ocupo deles; se-lo-ão um dia, pela força da evidência, porque será muito necessário que se inclinem diante do testemunho unânime dos fatos espíritas como foram forçados a fazê-los diante de tantos outros fatos que de início repeliram.
Para me resumir: se os fatos de tangibilidade são freqüentes, os fatos de transportes são muito raros, porque as suas condições são muito difíceis; conseqüentemente, nenhum médium pode dizer: A tal hora, em tal momento, obterei um transporte; porque, freqüentemente, o próprio Espírito se encontra impedido em sua obra. Devo acrescentar que esses fenômenos são duplamente difíceis em público, porque aí se encontram, quase sempre, elementos energicamente refratários que paralisam os esforços do Espírito, e com mais forte razão a ação do médium. Tende, ao contrário, por certo, que esses fenômenos se produzem espontaneamente; o mais freqüentemente com o desconhecimento do médium e sem premeditação, quase sempre em particular, e, enfim, muito raramente, quando estes dele estão prevenidos; de onde deveis concluir que há motivo legítimo de suspeição, todas as vezes que um médium se gabe de obtê-los à vontade, dito de outro modo, de ordenar aos Espíritos como aos seus servidores, o que é muito simplesmente absurdo. Tende ainda por regra geral que os fenômenos espíritas não são, de nenhum modo, fatos para serem dados em espetáculo e para divertir os curiosos. Se alguns Espíritos se prestam a essas espécies de coisas, isso não pode ser senão para os fenômenos simples, e não para aqueles que, como os transportes e outros semelhantes, exigem condições excepcionais.
Lembrai-vos, Espíritas, que é absurdo repelir sistematicamente todos os fenômenos de além-túmulo, não é sábio, não mais do que aceitá-los cegamente. Quando um fenômeno de tangibilidade, de aparição, de visibilidade ou de transporte se manifesta espontaneamente, e de maneira instantânea, aceitai-o; mas eu não saberia vos repetir mais, náo aceiteis nada cegamente; que cada fato sofra um exame minucioso, aprofundado e severo; porque, crede-o, o Espiritismo, tão rico em fenômenos sublimes e grandiosos, nada tem a ganhar com essas pequenas manifestações que hábeis prestidigitadores podem imitar.
Eu bem sei o que ireis me dizer: é que esses fenômenos são úteis para convencer os incrédulos; mas sabei bem que se não tivésseis tido outros meios de convicção, não teríeis hoje senão a centésima parte dos Espíritas que tendes. Falai ao coração; é por aí que fareis mais conversões sérias. Se credes útil, para certas pessoas, agir pelos fatos materiais, apresentai-os pelo menos em circunstâncias tais que não possam dar lugar a nenhuma falsa interpretação, e sobretudo não saiais das condições normais desses fatos; porque os fatos apresentados em más condições fornecem argumentos aos incrédulos, em lugar de convencê-los. ERASTO.


VER TAMBÉM :
O Livro dos Médiuns – CAPÍTULO V - Das Manifestações Físicas Espontâneas
Fenômeno de transporte item 96/97/98


O Livro dos Espíritos – Parte Segunda – Capítulo 9 - Intervenção dos espíritos no mundo corporal

Convulsivos
481 Os Espíritos exercem alguma atuação nos fenômenos que se produzem nos indivíduos chamados convulsivos? – Sim, e muito grande, bem como o magnetismo, que é a causa desses fenômenos. Porém, o charlatanismo tem freqüentemente explorado e exagerado seus efeitos, o que os faz cair no ridículo.
481 a De que natureza são, em geral, os Espíritos que provocam esses fenômenos? – Pouco elevada. Julgais que Espíritos superiores se ocupem com coisas dessa natureza?
482 Como o estado anormal dos convulsivos e dos que têm crises nervosas pode se estender subitamente a toda uma população?– Por afinidade. As disposições morais se comunicam muito facilmente em certos casos; não estais tão alheios aos efeitos magnéticos para não compreenderdes isso e a parte que alguns Espíritos devem nele tomar, por simpatia, com aqueles que os provocam.
☼ Entre as faculdades especiais que se notam entre os convulsivos reconhecem-se sem dificuldade as que no sonambulismo e magnetismo oferecem numerosos exemplos: são, entre outras, a insensibilidade física, a leitura do pensamento, a transmissão, por simpatia ou afinidade, das dores, etc. Não se pode duvidar que os que sofrem de crises não estejam num estado de sonambulismo acordado, provocado pela influência que exercem uns sobre os outros. São ao mesmo tempo magnetizadores e magnetizados sem o saberem.
483 Qual a causa da insensibilidade física que se nota em certos convulsivos ou em certos indivíduos submetidos a torturas cruéis? – Em alguns, é um efeito exclusivamente magnético que age sobre o sistema nervoso, semelhante à ação de certas substâncias. Em outros, a exaltação do pensamento enfraquece a sensibilidade, porque a vida parece retirar-se do corpo para se transportar ao Espírito. Não sabeis que, quando o Espírito está fortemente preocupado com uma coisa, o corpo não sente, não vê e não ouve nada?
☼ A exaltação fanática e o entusiasmo oferecem, freqüentemente, nos casos de suplícios, o exemplo de calma e sangue-frio que não triunfariam sobre uma dor aguda se não se admitisse que a sensibilidade se encontra neutralizada por uma espécie de efeito anestésico. Sabe-se que no calor do combate a pessoa não se apercebe, freqüentemente, de um ferimento grave, enquanto em circunstâncias comuns um simples arranhão a faz estremecer.
Visto que esses fenômenos dependem de uma causa física e da ação de certos Espíritos, podemos perguntar como, em muitos casos, atenderam a uma ordem e cessaram. A razão disso é simples. A ação dos Espíritos nesses casos é apenas secundária; somente se aproveitam de uma disposição natural. O fato de obedecer à autoridade de uma ordem dada não lhes suprimiu essa disposição, mas a causa que a mantinha e exaltava; de ativa, passou a latente, e teve razão para agir assim, porque o fato resultava em abuso e escândalo. Sabe-se, de resto, que essa intervenção não tem nenhum poder quando a ação dos Espíritos é direta e espontânea.
NOTA:Convulsivo: a convulsão se caracteriza pela contração repentina e continuada dos músculos, com dores. Os que as sofrem podem perder momentaneamente a noção das coisas. É conhecida pelo nome de espasmo (N. E.).
Lares e Penates: deuses domésticos entre os romanos e pagãos (N. E.).


O Livro dos Espíritos – Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita
15 – A LOUCURA E O ESPIRITISMO
Há também pessoas que vêem perigo em todos os lugares e em tudo o que não conhecem e rapidamente apontam uma conseqüência desfavorável no fato de algumas pessoas, ao estudar a Doutrina Espírita, terem perdido a razão. Como é que homens de bom senso podem ver nesse fato uma objeção séria? Não ocorre o mesmo com todas as preocupações intelectuais sobre um cérebro fraco? Sabe-se lá o número de loucos e maníacos produzidos pelos estudos matemáticos, médicos, musicais, filosóficos e outros? É preciso, por causa disso, banir esses estudos? O que prova esse fato? Muitas vezes os trabalhos corporais deformam ou mutilam os braços e as pernas, que são os instrumentos da ação material; pode acontecer que os trabalhos da inteligência danifiquem o cérebro, o instrumento pelo qual o pensamento se expressa. Mas se o instrumento está quebrado, o Espírito está intacto, e quando se libertar do corpo vai se achar de posse e na plenitude de suas capacidades. É dessa maneira, como homem, um mártir do trabalho.
Qualquer uma das grandes preocupações do Espírito pode ocasionar a loucura: as ciências, as artes e a própria religião mostram-nos vários casos. A loucura tem como causa principal uma predisposição orgânica do cérebro, que o torna mais ou menos acessível a algumas impressões. Se houver predisposição para a loucura, ela assume um caráter de preocupação principal, se transformando em idéia fixa, podendo tanto ser a dos Espíritos, em quem com eles se ocupou, como poderá ser a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da maternidade ou a de um sistema político-social. É provável que um louco religioso se tornasse um louco espírita, se o Espiritismo fosse sua preocupação dominante, como um louco espírita o teria sido sob uma outra forma, segundo as circunstâncias.
Digo, portanto, que o Espiritismo não tem nenhum privilégio nessa relação; e digo mais, afirmo que, se bem compreendido, o Espiritismo é uma defesa contra a loucura.
Entre as causas mais comuns de superexcitação cerebral, ou seja, do desequilíbrio mental, estão as decepções, as infelicidades, as afeições contrariadas, que são, ao mesmo tempo, as causas mais freqüentes de suicídio. Assim é que o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista mais elevado; elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas, diante do futuro que o espera; a vida é para ele tão curta, tão passageira, que as tribulações são, a seus olhos, apenas incidentes desagradáveis de uma viagem. O que em qualquer outro produziria uma violenta emoção pouco o afeta; sabe, além de tudo, que os desgostos da vida são provas que servem para o seu adiantamento, se as suporta sem lamentar, porque será recompensado segundo a coragem com que as tiver suportado. Suas convicções lhe dão uma resignação que o protege do desespero e, por conseqüência, de uma causa freqüente de loucura e suicídio. Ele sabe, por outro lado, por observar as comunicações com os Espíritos, o destino dos que encurtaram voluntariamente seus dias, e esse quadro é muito sério para fazê-lo refletir; também o número de pessoas que por causa disso se detiveram sobre essa inclinação fatal é considerável. Esse é um dos resultados do Espiritismo. Que os incrédulos riam dele quanto quiserem. Desejo-lhes as consolações que ele proporciona a todos que se dão ao trabalho de sondar-lhe as misteriosas profundezas.
Ao número das causas de loucura é preciso ainda adicionar o dos temores, e entre estes o medo do diabo, que provocou o desequilíbrio de mais de um cérebro. Sabe-se lá o número de vítimas que se fez ao amedrontar as fracas imaginações com esse quadro que se procura tornar sempre mais pavoroso com terríveis detalhes? O diabo que, dizem, apenas mete medo às criancinhas, é um freio para torná-las ajuizadas, como o bicho-papão e o lobisomem. Contudo, quando não têm mais medo deles, tornam-se piores; e esse belo resultado não é levado em conta no número das epilepsias 25 causadas pelo abalo em cérebros delicados. A religião seria bem fraca se não gerasse medo, sua força correria risco, seria abalada. Felizmente não é assim, há outros meios de ação sobre as almas; o Espiritismo lhe aponta os mais eficazes e os mais sérios, se souber usá-los com proveito; mostra a realidade das coisas e com isso neutraliza os efeitos desastrosos de um temor exagerado.
Allan Kardec


Os médiuns inertes – Revista Espírita, outubro de 1859
Entre as questões importantes que se prendem à ciência Espírita, a do papel dos médiuns foi mais de uma vez controvertida O senhor Brasseur, diretor do Centro industrial, desenvolveu, a esse respeito, idéias particulares numa série de artigos muito bem redigidos, no Moniteur de Ia toilette (1), ((1)Journal dês salons. - Modas. - Literatura. - Teatros. Rua do Echiquier, 15.) e notadamente no número do mês de agosto último, do qual tomamos as passagens que citamos mais adiante. Ele nos honra pedindo a nossa opinião; dar-lha-emos com toda sinceridade, sem pretender que a nossa opinião faça lei. Deixamos nossos leitores e os observadores juizes da questão. Não teremos, de resto, senão que resumir o que dissemos em muitas ocasiões sobre esse assunto, que já tratamos com muito mais desenvolvimento do que poderíamos fazê-lo aqui, não podendo repetir o que se encontra nos diversos escritos.
Eis as passagens principais de um dos artigos do senhor Brasseur, seguidas de nossas respostas:

"O que é um médium? O médium é ativo ou passivo? Tais são as questões postas tendo em vista esclarecer um assunto que preocupa vivamente as pessoas desejosas de se instruírem sobre as coisas do outro mundo, e, conseqüentemente, de suas relações com este.
"No dia 18 de maio último, dirigi ao senhor presidente da Sociedade Espírita uma nota intitulada: Do médium e dos Espíritos, e depois então, pelo dia 15 de julho, o senhor Allan Kardec publicou um novo livro sob o título: O que é o Espiritismo? Abrindo-o, acreditava nele encontrar uma resposta categórica, mas em vão. O autor persiste em seus erros: "Os médiuns (diz ele, página 75) são AS PESSOAS aptas a receberem, de um modo patente, a impressão dos Espíritos, e a servirem de INTERMEDIÁRIAS entre o mundo visível e o mundo invisível."
A obra citada não é um curso de Espiritismo; é uma exposição sumária dos princípios da ciência para uso das pessoas que desejam dela adquirirem as primeiras noções, não podendo, num quadro tão restrito e com fim especial, entrar o exame da questão de detalhes e das diversas opiniões. Quanto à definição que damos dos médiuns, ela nos parece perfeitamente clara, e é por essa definição que respondemos à pergunta do senhor Brasseur O que é um médium? E possível que ela não responda à sua opinião pessoal; mas, quanto a nós, até o presente, não temos nenhuma razão para modificá-la.
"O senhor Allan Kardec não reconhece o médium inerte. Ele fala muito de caixas, papelão ou pranchetas, mas ele não vê (página 62) senão "os apêndices da mão, cuja inutilidade teria sido reconhecida..."
"Entendamo-nos."
"Segundo vós, o médium é um intermediário entre o mundo visível e o mundo invisível; mas, é absolutamente necessário que esse intermediário seja uma pessoa? Não basta que o invisível tenha a sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar a nós?"
A isso responderemos decididamente: Não, não basta que o invisível tenha à sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar, porque ele necessita do concurso fluídico de uma pessoa, e é essa pessoa que, para nós, é o verdadeiro médium. Se bastasse ao Espírito ter à sua disposição um instrumento qualquer, ver-se-iam cestas ou pranchetas escreverem sozinhas, o que jamais se viu. A escrita direta, que é o fato, em aparência, mais independente de toda cooperação, ela mesma não se produz senão sob a influência de médiuns dotados de uma aptidão especial. Uma consideração poderosa vem corroborar a nossa opinião. Segundo o senhor Brasseur, o instrumento é a coisa principal, a pessoa é acessória; segundo nós, é tudo ao contrário. Se fora de outro modo, por que as pranchetas não caminhariam com o primeiro que chegasse? Portanto, se é necessário, para fazê-la caminhar, estar dotado de uma aptidão especial, é porque o papel da pessoa não é puramente passivo. Por isso, essa pessoa para nós, é o verdadeiro médium; o instrumento não é, como dissemos, senão um apêndice da mão do qual se pode abster e isso é tão verdadeiro, que toda pessoa que escreve com uma prancheta pode escrever diretamente com a mão, sem prancheta e mesmo sem lápis, uma vez que pode traçar os caracteres com o dedo, ao passo que a prancheta não escreve sem a pessoa. De resto, todas as variedades de médiuns, assim como seu papel ativo ou passivo, estão amplamente desenvolvidas na nossa Instrução prática sobre as manifestações.
"A alma separada da matéria, pela dissolução do corpo, não tem mais nenhum elemento físico da humanidade."
E o perispírito, que fizestes dele? O perispírito é o laço que une a alma ao corpo, o envoltório semi-material que ela possui durante a vida, e que conserva depois da morte: é sob esse envoltório que ela se mostra nas aparições, e esse envoltório é tão bem uma matéria, embora etérea, que ele pode adquirir as propriedades da tangibilidade.
"Tomando o lápis diretamente, tem-se notado que a pessoa mistura os seus sentimentos e as suas idéias com as idéias e os sentimentos do invisível, de sorte que, assim, não dão senão comunicações moderadas; ao passo que empregando caixas, cartões e pranchetas, sob a mão de duas pessoas em conjunto, essas pessoas permanecem absolutamente estranhas às manifestações, que é, então, unicamente a do invisível: é por isso que eu declaro este último meio superior e preferível ao da Sociedade Espírita."
Essa opinião poderia ser verdadeira, se não estivesse contraditada pelos milhares de fatos observados, seja na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, seja alhures, e que provam, até a evidência mais patente, que os médiuns animados, mesmo intuitivos, e com mais forte razão os médiuns mecânicos, podem ser instrumentos absolutamente passivos e gozarem da mais completa independência de pensamentos. No médium mecânico, o Espírito atua sobre a mão, que recebe um impulso inteiramente involuntário e desempenha o papel do que o senhor Brasseur chama médium inerte, quer esteja só ou armada de um lápis, ou apoiada sobre um objeto móvel munido de um lápis.
No médium intuitivo, o Espírito atua sobre o cérebro, que transmite, pela corrente do sistema nervoso, o movimento ao braço, e assim por diante. O médium mecânico escreve sem ter a menor consciência daquilo que produziu: o ato precede ao pensamento; no médium intuitivo, o pensamento acompanha o ato, e mesmo, algumas vezes, o precede: é então o pensamento do Espírito que atravessa o pensamento do médium; e se, algumas vezes, eles parecem se confundir, sua independência não é menos manifesta quando, por exemplo, o médium escreve, mesmo por intuição, coisas que ele não PODE SABER, ou inteiramente contrárias às suas idéias, à sua maneira de ver, às suas próprias convicções: em uma palavra, quando ele pensa branco e escreve preto. Há, por outro lado, tantos fatos espontâneos e imprevistos que a dúvida não é permitida a quem foi capaz de observar. O papel do médium é aqui o de um intérprete que recebe um pensamento estranho, que o transmite, que deve compreendê-lo para transmiti-lo, e que, todavia, não o assimila É assim que isso se passa nos médiuns falantes que recebem o impulso sobre os órgãos da palavra, como outros o recebem no braço ou na mão, e ainda nos médiuns audientes que ouvem claramente uma voz que lhes fala e lhes dita o que devem escrever. E que direis dos médiuns videntes, aos quais os Espíritos se mostram sob a forma que tinham durante a vida, que eles vêem circular ao nosso redor, irem e virem como a multidão que temos sob os olhos? E os médiuns impressivos que sentem os toques ocultos, a impressão de dedos, mesmo de unhas, que marcam na pele e deixam um vestígio? É este o fato de um ser que nada mais tem da matéria? E os médiuns de dupla vista que, perfeitamente despertos, e em pleno dia, vêem claramente o que se passa à distância? Não é uma faculdade própria, um gênero de mediunidade? A mediunidade é a faculdade dos médiuns; os médiuns são as pessoas acessíveis à influência dos Espíritos, e que podem lhes servir de intermediárias. Tal é a definição que se encontra no pequeno Dictionnaire dês Dictionnaires français abrégé, de Napoléon Landais, e até o presente ela nos parece dar exatamente a idéia.
Não contestamos a utilidade dos instrumentos que o senhor Brasseur designa sob o nome de médiuns inertes, nome que está perfeitamente livre para dar-lhes, se julga útil fazer-lhes uma distinção; eles têm, incontestavelmente, uma vantagem para as pessoas que nada viram ainda; mas como a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas não se compõe de pessoas que nisso estejam no início, cujas convicções estão formadas, e não faz nenhuma experiência tendo em vista satisfazer a curiosidade do público, que ela não convoca às suas sessões, a fim de não ser perturbada em suas pesquisas e em suas observações, esses meios primitivos não lhe ensinariam nada de novo; é por isso que ela emprega meios mais rápidos, uma vez que ela tem uma experiência bastante grande da coisa para saber perfeitamente distinguir a natureza das comunicações que recebe.
Não seguiremos o senhor Brasseur em todos os raciocínios, sobre os quais apoia a sua teoria. Temeríamos enfraquecê-los truncando-os e, na impossibilidade de reproduzi-los integralmente, preferimos enviar aqueles dos nossos leitores que quiserem dele tomar conhecimento, ao jornal que ele redige, com um incontestável talento, e no qual se encontrarão, sobre o mesmo assunto, artigos do senhor Jules de Neuville, muito bem escritos, mas que não têm senão um erro aos nossos olhos, o de não estarem precedidos de um estudo suficientemente aprofundado da matéria, sem o que há muitas perguntas que ele julgaria supérfluas. Em resumo, nós persistimos, de acordo nisso com a Sociedade Espírita, em considerar as pessoas como os verdadeiros médiuns, que podem ser ativos ou passivos, segundo a sua natureza e a sua aptidão; chamamos, querendo-se, os instrumentos de médiuns inertes, é uma distinção talvez útil, mas se estaria em erro atribuindo-lhe o papel e as propriedades de seres animados nas comunicações inteligentes; dizemos inteligentes, porque é necessário ainda fazer a distinção de certas manifestações espontâneas puramente físicas. É um assunto que temos tratado amplamente na Revista.


A Frenologia e a Fisiognomonia – Revista Espírita, julho de 1860
A frenologia é a ciência que trata das funções atribuídas a cada parte do cérebro. O doutor Gall, fundador desta ciência, pensou que, uma vez que o cérebro é o ponto onde chegam todas as sensações, e de onde partem todas as manifestações das faculdades intelectuais e morais, cada uma das faculdades primitivas deve ter aí seu órgão especial. Seu sistema consiste, pois, na localização das faculdades. O desenvolvimento de cada parte cerebral, compelindo ao desenvolvimento do envoltório ósseo, e aí produzindo protuberâncias, disso concluiu que, do exame dessas protuberâncias, poder-se-ia deduzir a predominância de tal ou tal faculdade, e daí o caráter ou as aptidões do indivíduo; daí, também, o nome de cranioscopia dado a esta ciência, com a diferença de que a frenologia tem por objeto tudo o que concerne às atribuições do cérebro, ao passo que a cranioscopia se limita às induções tiradas da inspeção do crânio; em uma palavra, Gall fez, a respeito do crânio e do cérebro, o que Laváter fez para os traços da fisionomia.

Não temos a discutir aqui o mérito dessa ciência, nem examinar se ela é verdadeira ou exagerada em todas as suas conseqüências; ela é, porém, alternativamente defendida e criticada por homens de um alto valor científico; se certos detalhes são ainda hipotéticos, ela não repousa menos sobre um princípio incontestável, o das funções gerais do cérebro, e sobre as relações existentes entre o desenvolvimento e a atrofia desse órgão e as manifestações intelectuais. O que é de nossa alçada, é o estudo de suas conseqüências psicológicas.
Das relações que existem entre o desenvolvimento do cérebro e a manifestação de certas faculdades, alguns sábios concluíram que os órgãos cerebrais são a própria fonte das faculdades, doutrina que não é outra senão a do materialismo, porque tende à negação do princípio inteligente estranho à matéria; faz do homem, por conseqüência, uma máquina sem livre arbítrio e sem responsabilidade de seus atos, uma vez que poderia sempre atirar as suas faltas sobre a sua organização, e que haveria injustiça em punir faltas que não dependeu dele cometer. Pode-se abalar com as conseqüências de semelhante teoria, e ter-se-ia razão; seria necessário, por isso, proscrever a frenologia? Não, mas examinar o que ela poderia ter de verdadeiro ou de falso nessa maneira de encarar a coisa; ora, esse exame prova que as atribuições do cérebro em geral, e mesmo a localização das faculdades, podem perfeitamente se conciliar com o Espiritualismo, o mais severo, que nela encontra mesmo a explicação de certos fatos. Admitamos por um instante, a título de hipótese querendo-se, a existência de um órgão especial para o instinto musical; suponhamos, por outro lado, como nos ensina a Doutrina Espírita, que um Espírito, cuja existência é bem anterior ao seu corpo, e chega com a faculdade musical muito desenvolvida, essa faculdade se exercerá naturalmente, sobre o órgão correspondente, e impelirá para o seu desenvolvimento como o exercício de um membro aumenta o volume dos músculos. Na infância, o sistema ósseo oferecendo pouca resistência, o crânio sofre a influência do movimento expansivo da massa cerebral; assim, o desenvolvimento do crânio é produzido peto desenvolvimento do cérebro, como o desenvolvimento do cérebro é produzido pelo da faculdade; a faculdade é a causa primeira; o estado do cérebro é um efeito consecutivo; sem a faculdade, o órgão não existiria, ou não seria senão rudimentar. Encarada sob este ponto, a frenologia não tem, como se vê, nada de contrário à moral, porque deixa ao homem toda a sua responsabilidade, e nós acrescentamos que essa teoria, ao mesmo tempo, está conforme a lógica e a observação dos fatos.
Objetam com os casos bem conhecidos em que a influência do organismo sobre a manifestação das faculdades é incontestável, como os da loucura e da idiotia, mas a questão é fácil de resolver. Vêem-se, todos os dias, homens inteligentes tomarem-se loucos; o que isso prova? Um homem muito forte pode quebrar a perna, e então ele não pode mais andar; ora, a vontade de andar não está na perna, mas em seu cérebro; somente essa vontade está paralisada pela impossibilidade que tem de movimentar a perna. No louco, o órgão que servia às manifestações do pensamento estando desequilibrado, por uma causa física qualquer, o pensamento não pode mais se manifestar de um modo regular; ele erra a torto e a direito fazendo o que chamamos de extravagâncias; mas a sua integridade não é menor, e a prova aí está, é que se o órgão pode ser restabelecido, o pensamento retorna, como o movimento da perna que está melhorada. O pensamento não existe, pois, mais no cérebro que na caixa óssea do crânio; o cérebro é o instrumento do pensamento como o olho é o instrumento da visão, e o crânio é a superfície sólida que se molda sobre os movimentos do instrumento; se o instrumento está deteriorado, a manifestação não mais ocorre, absolutamente como, quando se perdeu um olho, não se pode mais ver.
Mas ocorre, algumas vezes, que a parada da livre manifestação do pensamento não é devida a uma causa acidental, como na loucura; a constituição primitiva dos órgãos pode oferecer, ao Espírito, desde o nascimento, um obstáculo do qual toda a sua atividade não pode triunfar; é o que ocorre quando os órgãos estão atrofiados, ou apresentam uma resistência insuperável; tal é o caso do idiota. ( Espírito está como aprisionado, e sofre desse constrangimento, mas não pensa menos como Espírito, tanto quanto o prisioneiro sob os ferrolhos. O estudo das manifestações do Espírito de pessoas vivas, pela evocação, lança uma grande luz sobre os fenômenos psicológicos; isolando-se o Espírito da matéria, prova-se, pelos fatos, que os órgãos não são a causa das faculdades, mas simples instrumentos com a ajuda dos quais as faculdades se manifestam, com mais ou menos de liberdade e de precisão; que, freqüentemente, são como os abafadores que amortecem as manifestações, o que explica a maior liberdade do Espírito, uma vez desligado da matéria.
Na idéia materialista, o que é um idiota? Nada; apenas um ser humano; segundo a Doutrina Espírita, é um ser dotado de razão como todo o mundo, mas enfermo de nascença pelo cérebro, como outros o são por outros membros. Esta doutrina, em reabilitando-o, não é mais moral, mais humana, que aquela que dele faz um ser de refugo? Não é mais consolador, para um pai, que tem a infelicidade de ver uma tal criança, pensar que esse envoltório imperfeito encerra uma alma pensante?
Àqueles que, sem serem materialistas, não admitem a pluralidade das existências, perguntamos o que é a alma do idiota? Se a alma é formada ao mesmo tempo que o corpo, por que Deus cria seres assim desfavorecidos? Qual será a sua sorte futura? Admiti, ao contrário, uma sucessão de existências, e tudo se explica segundo a justiça, o idiotismo pode ser uma punição ou uma prova, e, em todos os casos, não é senão um incidente na vida do Espírito; isso não é maior, mais digno da justiça de Deus, que supor que Deus criou um ser abortado para a eternidade?
Lancemos, agora, um golpe de vista sobre a fisiognomonia. Esta ciência está fundada sobre o princípio incontestável de que é o pensamento que põe em jogo os órgãos, que imprime aos músculos certos movimentos; de onde se segue que, estudando-se as relações dos movimentos aparentes com o pensamento, desses movimentos que se vêem pode-se deduzir o pensamento que não se vê; assim é que não se enganará quanto à intenção daquele que faz um gesto ameaçador ou amigável; que se reconhecerá pelo modo de andar o homem apressado daquele que não o é. De todos os músculos, os mais móveis são os da face; freqüentemente, ali se refletem, até as nuanças, os mais delicados pensamentos; por isso se disse, com razão, que o rosto é o espelho da alma. Pela freqüência de certas sensações, os músculos contraem o hábito dos movimentos correspondentes, e acabam por formar-lhe a ruga; a forma exterior se modifica, assim, pelas impressões da alma, de onde se segue que, dessa forma, algumas vezes, pode-se deduzir essas impressões, como do gesto se pode deduzir o pensamento. Tal é o princípio geral da arte ou, querendo-se, da ciência fisiognomônica; esse princípio é verdadeiro; não só porque se apóia sobre uma base racional, mas está confirmado pela observação, e Laváter tem a glória, senão de tê-lo descoberto, ao menos de tê-lo desenvolvido e formulado em corpo de doutrina. Infelizmente, Laváter caiu num defeito comum à maioria dos autores de sistemas, e ó que, de um princípio verdadeiro em certos aspectos, concluem numa aplicação universal, e, no seu entusiasmo por descobrir uma verdade, vêem-na por toda a parte: aí está o exagero e, freqüentemente, o ridículo. Não temos que examinar aqui o sistema de Laváter em seus detalhes; diremos somente que tanto é conseqüente remontar do físico ao moral por certos sinais exteriores, quanto ó ilógico atribuir um sentido qualquer às formas ou sinais sobre os quais o pensamento não pode ter nenhuma ação. É a falsa aplicação de um princípio verdadeiro que o tem, freqüentemente, relegado à classe de crenças supersticiosas, e que faz confundir, na mesma reprovação, aqueles que vêem justo e que aqueles que exageram.
Diremos, entretanto, para ser justo, que a falta, freqüentemente, está menos no mestre que nos discípulos, que, em sua admiração fanática e irrefletida, algumas vezes, estendem as conseqüências de um princípio além dos limites do possível.
Se examinarmos agora essa ciência nas suas relações com o Espiritismo, teremos a combater várias induções errôneas que dela se poderiam tirar. Entre as relações fisiognomônicas, uma há, sobretudo, sobre a qual a imaginação freqüentemente se exerce, que é a semelhança de certas pessoas com certos animais; tentemos, pois, procurar-lhe a causa.
A semelhança física resulta, entre parentes, da consangüinidade que transmite, de um a outro, as partículas orgânicas semelhantes, porque o corpo procede do corpo; mas não poderia vir ao pensamento de ninguém supor que aquele que se assemelha a um gato, por exemplo, tem sangue de gato nas veias; ela tem, pois, uma outra fonte. Primeiro, ela pode ser fortuita e sem significação alguma, e é o caso mais comum. Entretanto, além da semelhança física, nota-se, algumas vezes, analogia de inclinações; isso poderia se explicar pela mesma causa que modifica os traços da fisionomia; se um Espírito, ainda atrasado, conserva alguns traços dos instintos do animal, seu caráter, como homem, carregará os seus traços, e as paixões que o agitam poderão dar, a esses traços, alguma coisa que lembre vagamente as do animal, do qual tem os instintos; mas esses traços se apagam à medida que o Espírito se depura e que o homem avança no caminho da perfeição.
Seria, pois, aqui, o Espírito que imprimiria a sua marca na fisionomia; mas da semelhança de instintos seria absurdo concluir que o homem que tem os do gato possa ser a encarnação do Espírito de um gato. O Espiritismo, longe de ensinar uma semelhante teoria, dela sempre demonstrou o ridículo e a impossibilidade. Nota-se, é verdade, uma gradação contínua na série animal; mas entre o animal e o homem há solução de continuidade; ora, admitindo-se mesmo, o que não é senão um sistema, que o Espírito tenha passado por todos os graus da escala animal, antes de chegar ao homem, haveria sempre, de um ao outro, uma interrupção que não existiria se o Espírito do animal pudesse se encarnar diretamente no corpo do homem. Se assim fora, entre os Espíritos errantes haveria Espíritos de animais, como há Espíritos humanos, o que não tem lugar.
Sem entrar no exame aprofundado dessa questão, que discutiremos mais tarde, dizemos, segundo os Espíritos, que estão nisso de acordo com a observação dos fatos, que nenhum homem é a encarnação do Espírito de um animal. Os instintos animais do homem prendem-se à imperfeição de seu próprio Espírito ainda não depurado, e que, sob a influência da matéria, dá a preponderância às necessidades físicas sobre as necessidades morais e o senso moral, não ainda suficientemente desenvolvido. Sendo as mesmas as necessidades físicas no homem e no animal, disso resulta, necessariamente, que, até naquilo que o senso moral haja estabelecido um contrapeso, pode aí haver, entre eles, uma certa analogia de instintos; mas aí se detém a paridade; o senso moral, que não existe num, que germina primeiro e cresce sem cessar no outro, estabelece entre eles a verdadeira linha de demarcação.
Uma outra indução, não menos errada, é tirada do princípio da pluralidade das existências. De sua semelhança com certos personagens, há os que concluem poderem ter sido esses personagens; ora, pelo que precede, é fácil demonstrar-lhes que aí não está senão uma idéia quimérica.. Como dissemos, as relações consangüíneas podem produzir uma semelhança de formas, mas não está aqui o caso, e Esopo pôde, mais tarde, ser um homem muito bonito, e Sócrates um forte e belo jovem; assim, quando não há filiação corpórea, não se pode ver senão uma semelhança fortuita, porque não há nenhuma necessidade, para o Espírito, de habitar corpos semelhantes, e em se tomando um novo corpo não lhe traz nenhuma parcela do antigo. Entretanto, segundo o que dissemos acima, do caráter que as paixões podem imprimir aos traços, poder-se-ia pensar que, se um Espírito não progrediu sensivelmente, ele retorna com as mesmas inclinações, e poderá ter sobre o seu rosto idêntica expressão; isso é exato, mas seria no máximo um ar de família, e daí a uma semelhança real há muita distância. Esse caso, de resto, deve ser excepcional, porque é raro que o Espírito não venha, numa outra existência, com as disposições sensivelmente modificadas. Assim, dos sinais fisionômicos não se pode tirar nenhum indício de existências precedentes; não se pode encontrá-los senão no caráter moral, nas idéias instintivas e intuitivas, nos pendores inatos, naqueles que não são o fato da educação, assim como na natureza das expiações que se sofre; e ainda isso não poderia indicar senão o gênero de existência, o caráter que se deveria ter, tendo-se em conta o progresso e não a individualidade. (Ver O Livro dos Espíritos, números 216 e 217).


Ensaio sobre a teoria da alucinação - Revista Espírita, julho de 1861
Aqueles que não admitem o mundo incorpóreo e invisível crêem tudo explicar pela palavra alucinação. A definição desta palavra é conhecida; é: Um erro, uma ilusão de uma pessoa que crê ter percepções que ela realmente não tem (Academia. Do latim hallucinari, erro; feito de ad lucem); mas os sábios dela não deram ainda, que saibamos, a razão fisiológica. A ótica e a fisiologia não parecem ter mais segredos para eles; como ocorre que não hajam ainda, de nenhum modo, explicado a fonte das imagens que se oferecem ao espírito em certas circunstâncias? Que seja real ou não, o alucinado vê alguma coisa; dir-se-á que ele crê ver, mas que não vê nada? Isto não é provável. Dizei, se quiserdes, que é uma imagem fantástica, seja; mas qual é a fonte dessa imagem, como se forma, como se reflete em seu cérebro? Eis o que não nos dizem. Seguramente, quando ele crê ver o diabo com seus cornos e suas garras, as chamas do inferno, animais fabulosos que não existem, a Lua e o Sol que se batem, é evidente que aí não há nenhuma realidade; mas se é um jogo de sua imaginação, como ocorre que descreve essas coisas como se estivessem presentes? Há, pois, diante dele um quadro, uma fantasmagoria qualquer; qual é, então, o espelho sobre o qual se pinta essa imagem? Qual é a causa que dá, a essa imagem, a forma, a cor e o movimento? É do que, em vão procuramos a solução na ciência. Uma vez que os sábios querem tudo explicar pelas leis da matéria, que dêem, pois, por essas mesmas leis, uma teoria da alucinação; boa ou má, isso será sempre uma explicação.
Os fatos provam que há verdadeiras aparições das quais a teoria espírita dá perfeitamente conta, e que só podem negar aqueles que não admitem nada fora do mundo visível; mas, ao lado dessas visões reais, há alucinações no sentido ligado a essa palavra? Isso não é duvidoso; o essencial é determinar os caracteres que podem fazê-las distinguir das aparições reais. Qual é a fonte dessas? São os Espíritos que vão nos colocar no caminho, porque a explicação nos parece inteiramente na resposta dada à pergunta seguinte:
Podem considerar-se, como aparições, as figuras e outras imagens que se apresentam, freqüentemente, no primeiro sono ou simplesmente quando se fecham os olhos?
"Desde que os sentidos se atordoam, o Espírito se desliga, e pode ver, ao longe ou perto, aquilo que não poderia ver com os seus olhos. Essas imagens são, algumas vezes, visões, mas podem ser também um efeito de impressões da visão de certos objetos deixadas no cérebro que delas conservam os traços, como conserva os dos sons. O Espírito desligado vê, então, em seu próprio cérebro essas impressões, que ali se fixaram como sobre uma placa de daguerreótipo. Sua variedade e sua mistura formam conjuntos bizarros e fugidios, que se apagam quase logo, apesar dos esforços que se faz para retê-los. É a uma causa semelhante que é necessário atribuir certas aparições fantásticas, que nada têm de real, e que se produzem, freqüentemente, no estado de enfermidade."
Está reconhecido que a memória é o resultado das impressões conservadas pelo cérebro. Por que singular fenômeno essas impressões, tão variadas, se multiplicam e não se confundem nunca? Está aí um mistério impenetrável, mas que não é mais estranho do que aquele das ondulações sonoras que se cruzam no ar e não se tornam, por isso, menos distintas. Num cérebro sadio e bem organizado, essas impressões são limpas e precisas; em condições menos favoráveis, elas se apagam ou se confundem, como fazem as impressões de um carimbo sobre uma substância muito sólida ou muito fluida; daí a perda da memória ou a confusão das idéias. Isso parece menos extraordinário, se se admite, como em frenologia, uma destinação especial para cada parte, e mesmo para cada fibra do cérebro.
Essas imagens chegadas ao cérebro pelos olhos, aí deixam, pois, uma impressão que faz que se lembre de um quadro como se o tivesse diante de si; ocorre o mesmo com a impressão dos sons, dos odores, dos sabores, das palavras, dos nomes, etc. Como as fibras, órgãos destinados à recepção e à transmissão dessas impressões, estão aptas a conservá-las, têm-se a memória das formas, das cores, da música, dos números, das línguas, etc. Quando se representa uma cena que se viu, isso não é senão um assunto de memória, porque, em realidade, não se vê; mas, num certo estado de emancipação, a alma vê no cérebro e aí reencontra essas imagens, sobretudo aquelas que a feriu mais segundo a natureza das preocupações ou das disposições do espírito; ela aí reencontra a impressão das cenas religiosas, diabólicas, dramáticas ou outras que viu em uma outra época em pintura, em ação, em leituras ou relatos, porque as narrações deixam também impressões. Assim, a alma vê realmente alguma coisa; é a imagem de alguma sorte daguerreotipada no cérebro. No estado normal, essas imagens são fugidias e efêmeras, porque todas as partes cerebrais funcionam livremente; mas no estado de enfermidade, o cérebro está sempre mais ou menos enfraquecido; o equilíbrio não existe mais entre todos os órgãos; alguns somente conservam a sua atividade, ao passo que outros estão de algum modo paralisados; daí a permanência de certas imagens que não estão mais apagadas, como no estado normal, pelas preocupações da vida exterior; daí a verdadeira alucinação, a fonte primeira das idéias fixas. A idéia fixa é a lembrança exclusiva de uma impressão, a alucinação é a visão retrospectiva, pela alma, de uma imagem impressa no cérebro.
Como se vê, nos demos conta dessa anomalia aparente por uma lei toda fisiológica bem conhecida, a das impressões cerebrais; mas para nós sempre foi preciso intervir a alma, com as suas faculdades distintas da matéria; ora, se os materialistas não puderam ainda dar uma solução racional a esse fenômeno, é porque não querem admitir a alma, e que com o materialismo puro ele é inexplicável; também dirão que nossa explicação é má, porque fazemos intervir um agente contestado; contestado por quem? Por eles, mas admitido pela imensa maioria desde que há homens sobre a Terra, e a negação de alguns não pode fazer lei.
Nossa explicação é boa? Damo-la por aquilo que ela pode valer, e querendo-se, a título de hipótese, na espera de melhor; ela tem pelo menos a vantagem de dar, à alucinação, uma base, um corpo, uma razão de ser; ao passo que, quando os fisiologistas pronunciaram suas palavras sacramentais de superexcitação, de exaltação, de efeitos da imaginação, nada disseram, ou não disseram tudo, porque observaram todas as fases do fenômeno.
A imaginação desempenha também um papel que é necessário distinguir da alucinação propriamente dita, embora essas duas causas estejam freqüentemente reunidas; ela empresta a certos objetos formas que eles não têm, como faz ver uma figura na Lua ou animais nas nuvens. Sabe-se que, na obscuridade, os objetos revestem aparências bizarras, na falta de poder distinguir-lhes todas as partes, e porque os contornos aí não estão nitidamente acusados; quantas vezes, à noite, num quarto, uma veste dependurada, um vago reflexo luminoso, não pareceram ter uma forma humana aos olhos de pessoas que estão de sangue frio? Se o medo a isso se junta, ou uma credulidade exagerada, a imaginação faz o resto. Compreende-se, segundo isso, que a imaginação possa alterar a realidade das imagens percebidas durante a alucinação e lhes dar formas fantásticas.
As verdadeiras aparições têm um caráter que, para um observador experimentado, não permite confundi-las com os efeitos que acabamos de citar. Como podem ocorrer em pleno dia, deve-se desconfiar daquelas que se crê ver à noite, com medo de ser vítima de uma ilusão ótica. Aliás, nas aparições como em todos os outros fenômenos espíritas, o caráter inteligente é a melhor prova de sua realidade. Toda aparição que não dá nenhum sinal inteligente pode ser temerariamente colocada na classe das ilusões. Os Senhores materialistas devem ver que lhes concedemos larga margem.
Tal qual é, a nossa explicação dá a razão de todos os casos de visão? Certamente que não, e colocamos a todos os fisiologistas o desafio de dar uma só, de seu ponto de vista exclusivo, que as resolve todas; portanto, se todas as teorias da alucinação são insuficientes para explicar todos os fatos, é que há outra coisa a mais do que a alucinação propriamente dita, e essa alguma coisa não tem a sua solução senão na teoria Espírita, que as encerra todas. Com efeito, examinando-se com cuidado certos casos de visões muito freqüentes, ver-se-á que é impossível atribuir-lhes a mesma origem da alucinação. Procurando dar desta uma explicação provável, quisemos mostrar em que ela difere da aparição. Num e noutro caso, é sempre a alma que vê e não os olhos; no primeiro ela vê uma imagem interior, e no segundo uma coisa exterior, podendo-se assim exprimir. Quando uma pessoa ausente, da qual não se pensa de nenhum modo, que se a crê em muito boa saúde, se apresenta espontaneamente, então quando se está perfeitamente desperto, e vem revelar as particularidades de sua morte, que ocorreu nesse momento mesmo, e da qual, conseqüentemente, não se podia ter conhecimento, não se pode atribuir o fato nem a uma lembrança, nem a uma preocupação do espírito. Supondo que se tenham tido apreensões sobre a vida dessa pessoa, restaria ainda para explicar a coincidência do momento da morte com a aparição, e sobretudo as circunstâncias da morte, coisas que não se pode nem conhecer nem prever. Podem, pois, classificar-se entre as alucinações as visões fantásticas que nada têm de real, mas não ocorre o mesmo com aquelas que revelam atualidades positivas, confirmadas pelos acontecimentos; explicá-las pelas mesmas causas seria absurdo, e seria mais absurdo ainda atribuí-las ao acaso, essa razão suprema daqueles que nada têm a dizer. Só o Espiritismo pode dar-lhes uma razão pela dupla teoria do perispírito e da emancipação da alma; mas como crer na ação da alma, quando não se admite a alma?
Não tendo nenhuma conta do elemento espiritual, a ciência se encontra na impossibilidade de resolver uma multidão de fenômenos, e cai no absurdo querendo tudo relacionar ao elemento material. É na medicina, sobretudo, que o elemento espiritual desempenha um papel importante; quando os médicos derem conta dele, se enganarão menos freqüentemente do que não o fazem; aí haurirão uma luz que os guiará, mais seguramente, no diagnóstico e no tratamento das enfermidades. É o que se pode constatar, desde o presente, na prática dos médicos espíritas, cujo número aumenta todos os dias. Tendo a alucinação uma causa fisiológica, encontrará, disso estamos certos, um meio de combatê-la. Conhecemos um deles que, graças ao Espiritismo, está no caminho de descobertas da mais alta importância, porque o fez conhecer a verdadeira causa de certas afecções rebeldes à medicina materialista.
O fenômeno da aparição pode se produzir de duas maneiras: ou é o Espírito que vem encontrar a pessoa que vê; ou é o Espírito desta que se transporta e vai encontrar o outro. Os dois exemplos seguintes nos parecem caracterizar perfeitamente os dois casos.
Um dos nossos colegas nos contou recentemente que um oficial, de seus amigos, estando na África, teve diante de si o quadro de um cortejo fúnebre: era o de um de seus tios, que morava na França, e que não via há muito tempo. Viu distintamente toda a cerimônia, desde a saída da casa mortuária, à igreja, e o transporte ao cemitério; notou mesmo diversas particularidades das quais não podia ter idéia. Nesse momento estava desperto, e, todavia, num certo estado de absorção do qual não saiu senão quando tudo desapareceu. Tocado por esta circunstância, escreveu para a França para ter notícias de seu tio, e soube que este, morrendo subitamente, fora enterrado no dia e hora em que a aparição ocorreu, e com as particularidades que ele vira. É evidente que, nesse caso não foi o enterro que veio procurá-lo, mas ele que foi procurar o enterro, do qual teve a percepção por um efeito de segunda vista.
Um médico de nosso conhecimento, o Sr. Félix Mallo, havia cuidado de uma jovem; mas, achando que o ar de Paris lhe era contrário, aconselhou-a a ir passar algum tempo com sua família, na província, o que ela fez. Há seis meses dela não ouvira falar e nem pensava nela mais, quando uma noite, pelas dez horas, estando em seu quarto de dormir, ouviu bater à porta de seu gabinete de consulta. Crendo que vinha ser chamado por um enfermo, disse-lhe para entrar; mas ficou muito surpreso em ver, diante de si, a jovem mulher em questão, pálida, com a roupa que a conhecera, e que lhe disse com um muito grande sangue frio: "Senhor Mallo, vim dizer-lhe que morri;" depois ela desapareceu. O médico, tendo se assegurado de que estava bem desperto, e que ninguém entrara, fez tomar informações, e soube que esta jovem mulher morrera na mesma noite que lhe aparecera. Aqui, foi bem o Espírito da mulher que veio procurá-lo. Os incrédulos não faltarão de dizer que o médico poderia estar preocupado com a saúde da sua antiga enferma, e que não há nada de espantoso naquilo que previu a sua morte; seja; mas, que expliquem o fato da coincidência de sua aparição com o momento de sua morte, então que há vários meses o médico dela não ouvira falar. Supondo mesmo que haja acreditado na impossibilidade de uma cura, poderia prever que ela morreria em tal dia e a tal hora? Devemos acrescentar que ele não é um homem a se ferir a imaginação.
Eis um outro fato não menos característico e que não se poderia atribuir a uma previsão qualquer. Um dos nossos sócios, oficial de marinha, estava no mar, quando viu seu pai e seu irmão lançados debaixo de uma viatura; o pai morto e o irmão sem nenhum mal. Quinze dias depois, tendo desembarcado na França, seus amigos procuraram prepará-lo para receber uma triste novidade. - Não tomeis tantas precauções, disse-lhes, eu sei o que quereis me dizer: Meu pai está morto; há quinze dias que o sei. Com efeito, seu pai e seu irmão, estando em Paris, desciam os Campos Elíseos numa viatura, o cavalo se enfureceu, a viatura foi quebrada, o pai morto e o irmão dali foi tirado com algumas contusões. Estes fatos são positivos, atuais, e não dirão que são lendas da Idade Média. Que cada um recolha as suas lembranças, e ver-se-á que são mais freqüentes do que não se crê. Perguntamos se têm algum dos caracteres da alucinação. Pedimos igualmente aos materialistas para dar uma explicação do fato relatado no artigo seguinte.


Frenologia espiritualista e espírita - Perfectibilidade da raça negra - Revista Espírita, abril de 1862
(1) Ver a Revista Espírita, julho 1860: A Frenologia e a Fisiognomonia.
A raça negra é perfectível? Segundo algumas pessoas, essa questão está julgada e resolvida negativamente. Se assim é, e se essa raça está votada por Deus a uma eterna inferioridade, a conseqüência é que é inútil se preocupar com ela, e que é preciso se limitar a fazer do negro uma espécie de animal doméstico adestrado para a cultura do açúcar e do algodão. No entanto, a Humanidade, tanto quanto o interesse social, requer um exame mais atento: é o que iremos tentar fazer; mas como uma conclusão dessa gravidade, num ou noutro sentido, não pode ser tomada levianamente e deve se apoiar sobre um raciocínio sério, pedimos a permissão para desenvolver algumas considerações preliminares, que nos servirão para mostrar, uma vez mais, que o Espiritismo é a única chave possível de uma multidão de problemas insolúveis com a ajuda dos dados atuais da ciência. A frenologia nos servirá de ponto de partida; exporemos, sumariamente, as suas bases fundamentais para a compreensão do assunto.
A frenologia, como se sabe, repousa sobre esse princípio de que o cérebro é o órgão do pensamento, como o coração é o da circulação, o estômago o da digestão, o fígado o da secreção da bílis. Esse ponto é admitido por todo o mundo, porque não há ninguém que possa atribuir o pensamento a uma outra parte do corpo; cada um sente que pensa pela cabeça e não pelo braço e não pela perna. Há mais: sente-se instintivamente que a sede do pensamento está na fronte; está ali, e não no occiput, que se leva a mão para indicar que um pensamento acaba de surgir. Para todo o mundo, o desenvolvimento da parte frontal faz presumir mais inteligência do que quando é baixa e deprimida. Por outro lado, as experiências anatômicas e fisiológicas demonstraram claramente o papel especial de certas partes do cérebro nas funções vitais, e a diferença de fenômenos produzidos pela lesão de tal ou tal parte. As pesquisas da ciência não podem deixar dúvidas a esse respeito; as do Sr. Flourens, sobretudo, provaram até à evidência, a especialidade das funções do cerebelo.
Portanto, é admitido em princípio que todas as partes do cérebro não têm a mesma função. Além disso, é reconhecido que os cordões nervosos que, do cérebro como fonte, se ramificam em todas as partes do corpo, como os filamentos de uma raiz, são afetados de maneira diferente segundo a sua destinação; é assim que o nervo ótico, que chega ao olho e desabrocha na retina, é afetado pela luz e pelas cores, e transmite sua sensação ao cérebro numa porção especial; que o nervo auditivo é afetado pelos sons, e os nervos olfativos pelos odores. Que um desses nervos perca sua sensibilidade por uma causa qualquer, e a sensação não mais ocorre; fica-se cego, surdo ou privado do olfato. Esses nervos têm, pois, funções distintas e não podem, de nenhum modo, se substituir, e, no entanto, o exame mais atento não mostra a mais leve diferença em sua contextura.
A frenologia, partindo desses princípios, vai mais longe: localiza todas as faculdades morais e intelectuais, a cada uma das quais assinala um lugar especial no cérebro; assim é que ela afeta um órgão com o instinto de destruição que, levado ao excesso, se torna crueldade e ferocidade; um outro com a firmeza, cujo excesso, sem o contrapeso do julgamento, produz a obstinação; um outro ao amor à prole; outros à memória dos lugares, à dos nomes, à das formas, ao sentimento poético, à harmonia dos sons, das cores, etc., etc. Não é aqui o lugar de fazer a discrição anatômica do cérebro; diremos somente que, fazendo-se uma seção longitudinal na massa, reconhecer-se-á que da base partem feixes fibrosos indo desabrochar na superfície, e quase apresentando o aspecto de um cogumelo cortado em sua altura. Cada feixe corresponde a uma das circunvoluções da superfície externa, de, onde se segue que o desenvolvimento corresponde ao desenvolvimento do feixe fibroso. Sendo cada feixe, segundo a frenologia, a sede de uma sensação ou de uma faculdade, ela disso conclui que a energia da sensação, ou da faculdade, está em razão do desenvolvimento do órgão.
Nos fetos, a caixa óssea do crânio não está ainda formada; no início, ela não é senão uma película, uma membrana muito flexível, que se modela, consequentemente, sobre as partes salientes do cérebro, e lhes conserva a impressão, à medida que se endurece pelo depósito do fosfato de cálcio, que é a base dos ossos. Da saliência do crânio a frenologia conclui o volume do órgão, e do volume do órgão conclui o desenvolvimento da faculdade.
Tal é, em poucas palavras, o princípio da ciência frenológica. Embora o nosso objetivo não seja desenvolvê-la aqui, uma palavra ainda é necessária sobre o modo de apreciação. Enganar-se-ia estranhamente crendo-se poder deduzir o caráter absoluto de uma pessoa só pela inspeção das saliências do crânio. As faculdades se fazem, reciprocamente, contrapeso, se equilibram, se corroboram ou se atenuam umas pelas outras, de tal sorte que, para julgar um indivíduo, é preciso ter em conta o grau de influência de cada um, em razão de seu desenvolvimento, depois fazer entrar na balança o temperamento, o meio, os hábitos e a educação. Suponhamos um homem tendo o órgão da destruição muito pronunciado, com atrofia dos órgãos das faculdades morais e afetivas, será vilmente feroz; mas se, à destruição, junta a benevolência, a afeição, as faculdades intelectuais, a destruição será neutralizada, terá por efeito dar-lhe mais energia, poderá ser um homem muito honesto, ao passo que o observador superficial, que o julgaria sobre a inspeção do primeiro único órgão, o tomaria por um assassino. Concebe-se, segundo isso, todas as modificações do caráter que poderão resultar do concurso das outras faculdades, como a astúcia, a circunspecção, a estima de si, a coragem, etc. O sentimento da cor, só, fará o colorista, mas não fará o pintor; só o da forma não fará senão um desenhista; os dois reunidos não farão senão um pintor copista, se não houver, ao mesmo tempo, as faculdades reflexivas e comparativas. Isso basta para mostrar que as observações frenológicas práticas apresentam uma dificuldade muito grande, e repousam sobre considerações filosóficas, que não estão ao alcance de todo o mundo. Colocadas estas preliminares, encaremos a coisa de um outro ponto de vista.
Dois sistemas radicalmente opostos têm, desde o princípio, dividido os frenologistas em materialistas e em espiritualistas.
Os primeiros, nada admitindo fora da matéria, dizem que o pensamento é um produto da substância cerebral; que o cérebro segrega o pensamento, como as glândulas a saliva, como o fígado a bílis; ora, como a quantidade de secreção é geralmente proporcional ao volume e à qualidade do órgão secretor, dizem que a quantidade do pensamento é proporcional ao volume e à qualidade do cérebro, que cada parte do cérebro, segregando uma ordem particular de pensamentos, os diversos sentimentos e as diversas aptidões estão na razão do órgão que os produz. Não refutaremos esta monstruosa doutrina que faz do homem uma máquina, sem responsabilidade de seus atos maus, sem mérito de suas boas qualidades, e que não deve seu gênio e suas virtudes senão ao acaso de seu organismo (1-(1) Vede a Revista Espírita de março de 1851: A cabeça de Garibaldi, página 76.).
Com semelhante sistema, toda punição é injusta e todos os crimes são justificados.
Os espiritualistas dizem, ao contrário, que os órgãos não são a causa das faculdades, mas os instrumentos da manifestação das faculdades; que o pensamento é um atributo da alma e não do cérebro; que a alma, possuindo por si mesma aptidões diversas, a predominância de tal ou tal faculdade leva ao desenvolvimento do órgão correspondente, como o exercício de um braço leva ao desenvolvimento dos músculos desse braço; de onde se segue que o desenvolvimento do órgão é um efeito e não uma causa. Assim, um homem não é poeta porque tem o órgão da poesia; tem o órgão da poesia porque é poeta, o que é muito diferente. Mas aqui se apresenta uma outra dificuldade diante da qual a frenologia forçosamente se detém: se é espiritualista, nos dirá bem que o poeta tem o órgão da poesia, mas não nos diz porque ele é poeta; porque o é antes que seu irmão, embora educado nas mesmas condições; e assim com todas as outras aptidões. Só o Espiritismo pode dar-lhes a explicação.
Com efeito, se a alma é criada ao mesmo tempo que o corpo, a do sábio do Instituto é tão nova quanto a do selvagem; desde então, por que, pois, há sobre a Terra selvagens e membros do Instituto? O meio no qual eles vivem, direis. Seja; dizei, então, por que homens nascidos no meio mais ingrato, e mais refratário, se tornam gênios, ao passo que crianças que bebem a ciência com o leite materno são imbecis. Os fatos não provam, até à evidência, que há homens instintivamente bons ou maus, inteligentes ou estúpidos? É preciso, pois, que haja na alma um germe; de onde vem? Pode-se racionalmente dizer que Deus os fez de todas as espécies, uns que chegam sem dificuldade, e outros que não chegam mesmo com um trabalho perseverante? Estaria aí sua justiça e sua bondade? Evidentemente não. Uma única solução é possível: a preexistência da alma, sua anterioridade ao nascimento do corpo, o desenvolvimento adquirido segundo o tempo que ela viveu e as diferentes migrações que percorreu. A alma traz, pois, unindo-se ao corpo, o que adquiriu, suas qualidades boas ou más; daí as predisposições instintivas; de onde se pode dizer, com certeza, que aquele que nasceu poeta já cultivou a poesia; que aquele que nasceu músico cultivou a música; que aquele que nasceu celerado foi mais celerado ainda. Tal é a fonte das faculdades inatas que produzem, nos órgãos destinados à sua manifestação, um trabalho interior, molecular, que os leva ao desenvolvimento.
Isto nos conduz ao exame da importante questão da anterioridade de certas raças e de sua perfectibilidade.
Colocamos, de início, em princípio, que todas as faculdades, todas as paixões, todos os sentimentos, todas as aptidões estão na Natureza; que elas são necessárias à harmonia geral, porque Deus nada faz de inútil; que o mal resulta do abuso, assim como da falta de contrapeso e de equilíbrio entre as diversas faculdades. As faculdades não se desenvolvendo todas simultaneamente, disso resulta que o equilíbrio não pode se estabelecer senão com o tempo; que essa falta de equilíbrio produz homens imperfeitos, nos quais o mal domina momentaneamente. Tomemos por exemplo o instinto da destruição; este instinto é necessário, porque, na Natureza, é preciso que tudo se destrua para se renovar; é por isso que todas as espécies vivas são, ao mesmo tempo, agentes destruidores e reprodutores. Mas o instinto de destruição isolado é um instinto cego e brutal; ele domina entre os povos primitivos, entre os selvagens, cuja alma não adquiriu ainda as qualidades reflexivas próprias para regularem a destruição numa justa medida. O selvagem feroz pode, numa só existência, adquirir as qualidades que lhe faltam? Que educação dar-lhe-íeis, desde o berço, para fazerdes deles um São Vicente de Paulo, um sábio, um orador, um artista? Não; é materialmente impossível. E, no entanto, esse selvagem tem uma alma; qual é a sorte dessa alma depois da morte? É punida por seus atos bárbaros que nada reprimiu? Está colocada em posição igual à do homem de bem? Um não é mais racional que o outro? Está, então, condenada a permanecer eternamente num estado misto, que não é nem a felicidade e nem a infelicidade? Isso não seria justo; porque, se não é mais perfeita, isso não dependeu dela. Não podeis sair desse dilema senão admitindo a possibilidade de um progresso; ora, como pode progredir, se não for tomando novas existências? Poderá, direis, progredir como Espírito, sem retornar sobre a Terra. Mas, então, por que nós, civilizados, esclarecidos, nascemos na Europa antes que na Oceania? em corpos brancos antes que em corpos negros? Por que um ponto de partida tão diferente, se não se progride senão como Espírito? Por que Deus nos isentou do longo caminho que o selvagem deve percorrer? Nossas almas seriam de uma outra natureza que a sua? Por que, então, procurar fazê-lo cristão? Se o fazeis cristão, é que o olhais como vosso igual diante de Deus; se é vosso igual diante de Deus, porque Deus vos concede privilégios? Agiríeis inutilmente, não chegaríeis a nenhuma solução senão admitindo, para nós um progresso anterior, para o selvagem um progresso ulterior; se a alma do selvagem deve progredir ulteriormente, é que ela nos alcançará; se progredimos anteriormente, é que fomos selvagens, porque, se o ponto de partida for diferente, não há mais justiça, e se Deus não é justo, não é Deus. Eis, pois, forçosamente, duas existências extremas: a do selvagem e a do homem mais civilizado; mas, entre esses dois extremos, não encontrais nenhum intermediário? Segui a escala dos povos, e vereis que é uma cadeia não interrompida, sem solução de continuidade. Ainda uma vez, todos esses problemas são insolúveis sem a pluralidade das existências. Dizei que os Zelandeses renascerão entre um povo um pouco menos bárbaro, e assim por diante até à civilização, e tudo se explica; que se, em lugar de seguir os degraus da escala, vencer todos de repente e sem transição entre nós, e nos dará o odioso espetáculo de um Dumollard, que é um monstro para nós, e que nada apresentou de anormal entre as populações da África central, de onde talvez saiu. Assim é que, fechando-se numa só existência, tudo é obscuridade, tudo é problema sem resultado; ao passo que, com a reencarnação, tudo é claro, tudo é solução.
Voltemos à frenologia. Ela admite órgãos especiais para cada faculdade, e não cremos que esteja com a verdade; mas iremos mais longe. Vimos que cada órgão cerebral é formado de um feixe de fibras; pensamos que cada fibra corresponde a uma nuança da faculdade. Isto não é senão uma hipótese, é verdade, mas que poderá abrir caminho para novas observações. O nervo auditivo recebe os sons e transmite-os ao cérebro; mas se o nervo é homogêneo, como percebe sons tão variados? É, pois, permitido admitir que cada fibra nervosa seja destinada a um som diferente com o qual ela vibra, de alguma sorte, em uníssono, como as cordas de uma harpa. Todos os tons estão na Natureza; suponhamo-los cem, desde o mais agudo até o mais grave: o homem que possuísse as cem fibras correspondentes, percebê-los-ia a todos; aquele que não os possuísse senão pela metade, não perceberia senão a metade dos sons, os outros lhe escapariam, e deles não teria nenhuma consciência. Ocorreria o mesmo com as cordas vocais para exprimir os sons; com as fibras óticas para perceber as diferentes cores; com as fibras olfativas para perceber todos os odores. O mesmo raciocínio pode se aplicar aos órgãos de todos os gêneros de percepções e de manifestações.
Todos os corpos animados encerram, incontestavelmente, o princípio de todos os órgãos, mas há os que, em certos indivíduos, são de tal modo rudimentares, que não são suscetíveis de desenvolvimento, e que é absolutamente como se não existissem; portanto, em certas pessoas, não pode nelas haver nem as percepções, nem as manifestações correspondentes a esses órgãos; em uma palavra, elas estão, para essas faculdades, como os cegos para a luz, os surdos para a música.
O exame frenológico dos povos pouco inteligentes constata a predominância das faculdades instintivas, e a atrofia dos órgãos da inteligência. O que é excepcional nos povos avançados, é a regra em certas raças. Por que isto? É uma injusta preferência? Não, é a sabedoria. A Natureza é sempre previdente; nada faz de inútil; ora, seria uma coisa inútil dar um instrumento completo a quem não tem meios de se servir dele. Os Espíritos selvagens são Espíritos ainda crianças, podendo-se assim se exprimir; entre eles, muitas faculdades ainda estão latentes. Que faria, pois, o Espírito de um Hotentote no corpo de um Arago? Seria como aquele que não sabe a música diante de um excelente piano. Por uma razão inversa, que faria o Espírito de Arago no corpo de um Hotentote? Seria como Liszt diante de um piano que não teria senão algumas más cordas falsas, às quais seu talento jamais chegaria a dar sons harmoniosos. Arago entre os selvagens, com todo o seu gênio, seria tão inteligente, talvez, quanto pode sê-lo um selvagem, mas nada de mais; jamais seria, sob uma pele negra, membro do Instituto. Seu Espírito levá-lo-ia ao desenvolvimento dos órgãos? De órgãos fracos, sim; de órgãos rudimentares, não(1(1)Vede a Revista Espírita de outubro de 1861: Os Cretinos. )
A Natureza, portanto, apropriou os corpos ao grau de adiantamento dos Espíritos que devem neles se encarnar; eis porque os corpos das raças primitivas possuem menos cordas vibrantes que os das raças avançadas. Há, pois, no homem, dois seres bem distintos: o Espírito, ser pensante; o corpo, instrumento das manifestações do pensamento, mais ou menos completo, mais ou menos rico em cordas, segundo as necessidades.
Chegamos agora à perfectibilidade das raças; esta questão, por assim dizer, está resolvida pelo que precede: não temos senão que deduzir-lhe algumas conseqüências. Elas são perfectíveis pelo Espírito que se desenvolve através de suas diferentes migrações, em cada uma das quais adquire, pouco a pouco, as qualidades que lhes faltam; mas, à medida que as suas faculdades se estendem, falta-lhe um instrumento apropriado, como a uma criança que cresce são necessárias roupas maiores; ora, sendo insuficientes os corpos constituídos para seu estado primitivo, lhes é necessário encarnar em melhores condições, e assim por diante, à medida que progride.
As raças são também perfectíveis pelo corpo, mas isso não é senão pelo cruzamento com as raças mais aperfeiçoadas, que lhes trazem novos elementos que as enxertam, por assim dizer, os germes de novos órgãos. Esse cruzamento se faz pelas emigrações, pelas guerras, e pelas conquistas. Sob esse aspecto, há raças, como famílias, que se abastardam se não se misturam com sangues diversos. Então, não se pode dizer que isso seja a raça primitiva pura, porque sem cruzamento essa raça será sempre a mesma, seu estado de inferioridade relacionado à sua natureza; ela degenerará em lugar de progredir, e é o que a conduz ao desaparecimento num tempo dado.
A respeito dos negros escravos, diz-se: "São seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria trabalho perdido procurar instruí-los; é uma raça inferior, incorrigível e profundamente incapaz". A teoria que acabamos de dar permite encará-los sob uma outra luz; na questão do aperfeiçoamento das raças, é preciso ter em conta dois elementos constitutivos do homem: o elemento espiritual e o elemento corpóreo. É preciso conhecê-los, um e o outro, e só o Espiritismo pode nos esclarecer sobre a natureza do elemento espiritual, o mais importante, uma vez que é este que pensa e que sobrevive, ao passo que o elemento corpóreo se destrói.
Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos; como Espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são verdadeiras crianças às quais pode-se ensinar muito coisa; mas, por cuidados inteligentes, pode-se sempre modificar certos hábitos, certas tendências, e já é um progresso que levarão numa outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório em melhores condições. Trabalhando para o seu adiantamento, trabalha-se menos para o presente do que para o futuro, e, por pouco que se ganhe, é sempre para eles um tanto de aquisições; cada progresso é um passo adiante, que facilita novos progressos.
Sob o mesmo envoltório, quer dizer, com os mesmos instrumentos de manifestação do pensamento, as raças não são perfectíveis senão em limites estreitos, pelas razões que desenvolvemos. Eis por que a raça negra, enquanto raça negra, corporeamente falando, jamais alcançará o nível das raças caucásicas; mas, enquanto Espíritos, é outra coisa; ela pode se tornar, e se tornará, o que somos; somente ser-lhe-á preciso tempo e melhores instrumentos. Eis porque as raças selvagens, mesmo em contato com a civilização, permanecem sempre selvagens; mas, à medida que as raças civilizadas se ampliam, as raças selvagens diminuem, até que desapareçam completamente, como desapareceram as raças dos Caraíbas, dos Guanches, e outras. Os corpos desapareceram, mas em que se tornaram os Espíritos? Mais de um, talvez, esteja entre nós.
Dissemos, e repetimos, o Espiritismo abre horizontes novos a todas as ciências; quando os sábios consentirem em levar em conta o elemento espiritual nos fenômenos da Natureza, ficarão muito surpresos em ver as dificuldades, contra as quais se chocavam a cada passo, se aplainarem como por encanto; mas é provável que, para muitos, será preciso renovar o hábito. Quando retornarem, terão tido o tempo de refletir, e trarão novas idéias. Encontrarão as coisas muito mudadas neste mundo; as idéias espíritas, que repelem hoje, terão germinado por toda parte e serão a base de todas as instituições sociais; eles mesmos serão educados e nutridos nessa crença que abrirá, ao seu gênio, um novo campo para o progresso da ciência. À espera disso, e enquanto estão aqui, que procurem a solução deste problema: Por que a autoridade de seu saber, e suas negações, não detêm, por um único instante, a marcha, dia a dia mais rápida, das idéias novas?


Carta sobre a incredulidade – Revista Espírita, fevereiro de 1861

(Continuação e fim. Vede número de janeiro de 1861, página 15.)

Desde que o homem existe sobre a Terra, existem os Espíritos; e, desde então também, os Espíritos se manifestaram aos homens. A história e a tradição formigam de provas a esse respeito; mas, seja porque uns não compreendessem os fenômenos dessas manifestações, seja porque outros não ousassem divulgá-las, de medo da prisão ou da fogueira, seja que esses fatos fossem levados à conta da superstição ou do charlatanismo pelas pessoas muito prevenidas, ou que tinham interesse em que não se fizesse a luz; seja, enfim, porque fossem levadas à conta do demônio por uma outra classe de interesses, é certo que, até estes últimos tempos, esses fenômenos, embora bem constatados, não tinham ainda sido explicados de modo satisfatório, ou que, pelo menos, a verdadeira teoria não tinha ainda penetrado no domínio público, provavelmente porque a Humanidade ainda não estava madura para isso, como para muitas outras coisas maravilhosas que se cumprem em nossos dias. Estava reservado à nossa época ver eclodir, no mesmo meio século, o vapor, a eletricidade, o magnetismo animal, eu entendo, pelo menos, como ciências aplicadas, e, enfim, o Espiritismo, o mais maravilhoso de todos, quer dizer, não só a constatação material da nossa existência imaterial e da nossa imortalidade, mas ainda o estabelecimento de relações materiais, por assim dizer, e constantes entre o mundo invisível e nós. Quantas conseqüências incalculáveis não devem nascer de um acontecimento tão prodigioso! Mas, para não falar senão daquilo que, atualmente, mais impressiona a generalidade dos homens, da morte, por exemplo, não a vemos reduzida ao seu verdadeiro papel de acidente natural, necessário, eu diria mesmo feliz, e perdendo assim todo o seu caráter de acontecimento doloroso e terrível, uma vez que, para aquele que a suporta, ela é um momento do despertar; uma vez que, desde o dia seguinte da morte de um ser querido, nós outros que ficamos, podemos continuar as nossas relações íntimas no passado! Não há de mudança senão as nossas relações materiais; não o vemos mais, não o tocamos mais, não ouvimos mais a sua voz; mas nós continuamos a trocar com ele os nossos pensamentos, como quando vivo, e, freqüentemente, muito mais frutuosamente para nós. Que resta, depois disso, de tão doloroso! E, acrescentando-se, ao que precede, essa certeza de que não estamos mais separados dele senão por alguns anos, alguns meses, alguns dias talvez, tudo isso não é feito para transformar em um simples acontecimento útil aquele que, até hoje, com quase poucas exceções, os mais decididos não podiam encarar sem medo, e que, certamente, faz o tormento incessante de toda a existência de muitos homens? Mas eu me afastei do assunto.

Antes de te explicar a prática muito simples das comunicações, eu gostaria de tentar te dar uma idéia da teoria fisiológica que me foi dado fazer. Eu não tá dou por certa, porque não a vi ainda explicada pela ciência; mas me parece, pelo menos, que deve ser alguma coisa próxima disso.

O Espírito age sobre a matéria tanto mais facilmente quanto ela esteja disposta de um modo mais próprio para receber a sua ação, é por isso que não age diretamente sobre toda a espécie de matéria, mas poderia agir indiretamente, se se encontrasse, entre essa matéria e ele, certas substâncias de uma organização graduada que colocam os dois extremos em relação, quer dizer, a matéria mais bruta em relação com o Espírito. Assim é que o Espírito de um homem vivo desloca blocos de pedras muito pesados, os configura, os coordena com outros e deles forma um todo que chama uma casa, uma coluna, uma igreja, um palácio, etc. Foi o homem-corpo que fez tudo isso? Quem ousaria dize-lo?... Sim, foi ele que fez isso, como é uma pena que escreve esta carta; mas eu volto, porque me sinto ainda indo à deriva.

Como o Espírito se põe em relação com o pesado bloco que ele quer deslocar? Por meio da matéria escalonada entre ele e o bloco; a alavanca põe o bloco em relação com a mão; a mão põe a alavanca em relação com os músculos; os músculos colocam a mão em relação com os nervos; os nervos metem os músculos em relação com o cérebro, e o cérebro coloca os nervos em relação com o Espírito, a menos que não haja ainda uma matéria mais delicada, um fluido que coloca o cérebro em relação com o Espírito. Qualquer que seja, um intermediário de mais ou de menos, não infirma a teoria; que o Espírito agisse de primeira ou de segunda mão sobre o cérebro, trata-se sempre de muito perto; de sorte que, retomando a coloque em relação com o reverso, ou antes, em sua ordem natural, eis o Espírito agindo sobre uma matéria extremamente delicada, organizada pela sabedoria do Criador de maneira própria a receber diretamente, ou quase diretamente, a ação de sua vontade; essa matéria, que é o cérebro, age, por meio de suas ramificações que chamamos os nervos, sobre uma outra matéria menos delicada, mas que ainda bastante para receber a ação desta, e que são os músculos; os músculos imprimindo movimento à parte sólida que são os ossos do braço e da mão, enquanto que as outras partes do vigamento ósseo, recebendo a mesma ação servem de ponto de apoio ou escora. A parte óssea, quando não é ainda bastante forte por si mesma, ou bastante extensa para agir diretamente, multiplica a sua força com a ajuda da alavanca, e, eis o pesado bloco inerte, obedecendo documente à vontade do Espírito que, sem essa hierarquia intermediária, não teria nenhuma ação sobre ele.
Procedendo do mais para o menos, eis os menores fatos do Espírito explicados, do mesmo modo que procedendo no sentido contrário, vê-se como o Espírito pode chegar a transpor as montanhas, secar os lagos etc., e em tudo isso, o corpo desaparece quase no meio da multidão de instrumentos necessários, e entre os quais não faz senão desempenhar o primeiro papel.
Eu quero escrever uma carta; o que me é necessário fazer? Colocar uma folha de papel em relação com o meu Espírito, como ainda há pouco o colocava como bloco de pedra; substituo a alavanca pela pena e a coisa está feita. Eis a folha de papel repetindo o pensamento do meu Espírito, como ainda há pouco o movimento impresso ao bloco manifestava a sua vontade.
Se meu Espírito quer transmitir mais diretamente, mais instantaneamente, seu pensamento ao teu, e que nada a isso se oponha, tais como a distância ou a interposição de um corpo sólido, sempre por meio do cérebro e dos nervos, ele põe em movimento o órgão da voz que, ferindo o ar de diversas maneiras, produz certos sons variados e convencionados representando o pensamento, os quais vão repercutir em teu órgão auditivo que o transmite ao teu Espírito, por meio de teus nervos e de teu cérebro; é sempre o pensamento manifestado e transmitido por uma série de agentes materiais, graduados e interpostos entre seu princípio e seu objeto.
Se a teoria que precede é verdadeira, parece-me que nada é mais fácil agora senão explicar o fenômeno das manifestações espíritas, e particularmente da escrita mediúnica, a única que nos ocupa neste momento.
Sendo a substância física idêntica entre todos os Espíritos, seu modo de ação sobre a matéria deve ser o mesmo para todos; só o seu poder pode variar de graus. A matéria dos nervos estando organizada de modo a poder receber a ação de um Espírito, não há razão para que ela não possa receber a ação de um outro Espírito, cuja natureza não difere da do primeiro; e uma vez que a substância de todos os Espíritos é da mesma natureza, todos os Espíritos devem estar aptos a exercer, não diria a mesma ação, mas o mesmo modo de ação sobre a mesma substância, todas as vezes que eles se colocam na medida de poder fazê-lo; ora, é o que acontece na evocação.
O que é a evocação?
É o ato pelo qual um Espírito, titular de um corpo, pede um outro Espírito, ou, muito simplesmente, lhe permite servir-se de seu próprio órgão, de seu próprio instrumento, para manifestar o seu pensamento ou a sua vontade.
O Espírito titular não abandona por isso o seu corpo, mas pode bem neutralizar, momentaneamente, sua própria ação sobre o órgão da transmissão, e deixá-la assim à disposição do outro que não pode, todavia, dele se servir senão quanto apraza ao primeiro permiti-lo, em virtude deste axioma do direito natural de que cada um deve ser senhor de si mesmo. Entretanto, é necessário dize-lo bem, ocorre no Espiritismo, como nas sociedades humanas, que esse direito de propriedade não é sempre escrupulosamente respeitado pelos senhores Espíritos, e que mais de um médium se encontrou, mais de uma vez, muito surpreso por ter dado hospitalidade a hóspedes que não convidara e ainda menos desejara; mas está aí um dos mil pequenos desagrados da vida, que é necessário suportar, tanto mais que, na espécie, tem sempre um lado útil, não fosse senão com o fim de nos provar, ao mesmo tempo que são a prova mais manifesta da ação de um Espírito estranho sobre o nosso órgão, nos fazendo escrever coisas que estávamos longe de prever, ou que não estamos de nenhum modo ciosos de ouvir. Contudo, isso não ocorre aos médiuns senão em seu início; quando estão formados, isso não ocorre mais, ou, pelo menos, não se deixam mais prender nisso.
Cada um está apto para ser médium? Naturalmente isso deveria ser, em graus diferentes todavia, como com aptidões diversas; está aí a opinião do Sr. Kardec. Há médiuns escreventes, médiuns videntes, médiuns audientes, médiuns intuitivos, quer dizer, os Médiuns que escrevem, que são os mais numerosos e mais úteis; os médiuns que vêem os Espíritos; outros que os ouvem e conversam com eles como com os vivos: estes são raros; outros que recebem os pensamentos do Espírito evocado em seu cérebro, e os transmitem pela palavra. Um Médium possui raramente várias dessas faculdades ao mesmo tempo. Há ainda médiuns de um outro gênero, quer dizer, cuja presença somente em um lugar qualquer permite aos Espíritos aí se manifestarem, seja por um ruído, tais como as pancadas, seja pelo movimento dos corpos, tal qual o deslocamento de uma mesinha, o erguimento de uma cadeira, de uma mesa ou de qualquer outro objeto. Foi por esse meio que os Espíritos começaram a se manifestar e a revelar a sua existência. Ouviste falar das mesas girantes e da dança das mesas, disso riste e eu também; pois bem! Foram os primeiros meios que os Espíritos empregaram para atrair a atenção; foi assim que se reconheceu a sua presença; depois do que, com a ajuda da observação e do estudo, chegou-se a descobrir, nos homens, faculdades até então ignoradas, por meio das quais se pode entrar em comunicação direta com os Espíritos. Tudo isso não é maravilhoso? E, todavia, isso não é senão natural; somente, eu o repito, estava reservado à nossa época de fazer a descoberta e a aplicação dessa ciência, como de muitos outros segredos maravilhosos da Natureza.
Agora, para se pôr em relação com os Espíritos, ou pelo menos para ver se se está apto para fazê-lo pela escrita, toma-se uma folha de papel branco e um lápis que marque bem, colocando-se em posição de escrever. É sempre bom começar dirigindo uma prece a Deus, depois evoca-se um Espírito, quer dizer, roga-se-lhe consentir em se comunicar conosco e nos fazer escrever; depois espera-se, sempre na mesma posição.
Há pessoas que têm a faculdade medianímica de tal modo desenvolvida, que escrevem tudo do início; outras, ao contrário, não vêem essa faculdade se desenvolver nelas senão com o tempo e a perseverança. Neste último caso, renova-se a sessão cada dia, e para isso um quarto de hora basta; é inútil nisso passar mais tempo; mas, tanto quanto possível, é necessário renová-la todos os dias, sendo a perseverança uma das primeiras condições de sucesso.
É necessário também fazer a prece e a evocação com fervor; repeti-la mesmo algumas vezes durante o exercício; ter uma vontade firme, um grande desejo de vencer e sobretudo, nenhuma distração. Quando uma vez se conseguiu escrever, estas últimas preocupações tornam-se inúteis.
Quando se deve logo escrever, sente-se ordinariamente um ligeiro estremecimento na mão, precedido algumas vezes de um ligeiro adormecimento da mão e do braço, algumas vezes mesmo de uma leve dor nos músculos do braço e da mão; esses são sinais precursores e quase sempre certos de que o momento do sucesso não está longe; é algumas vezes imediato, de outras vezes, se faz ainda esperar de um ou vários dias, mas jamais tarda muito; somente, para ali chegar, é necessário mais ou menos tempo, o que pode variar de um instante a seis meses, mas eu to repito, um quarto de hora de exercício por dia basta.
Quanto aos Espíritos que podem ser evocados, para essas espécies de exercícios preparatórios, é preferível dirigir-se ao seu
Espírito familiar que está sempre ali e não nos deixa nunca, ao passo que os outros Espíritos podem ali não estar senão momentaneamente, e não mais se encontrar no momento em que os evocamos, e estar então, por uma causa qualquer, na impossibilidade de atender ao nosso chamado, o que ocorre algumas vezes.
O Espírito familiar, que confirma, até certo ponto, a teoria católica do anjo guardião, não é, entretanto, inteiramente tal como no-lo representa o dogma católico. É muito simplesmente o Espírito de um mortal que viveu como nós, mas que está sempre mais avançado que nós e nos é, por conseqüência, infinitamente superior em bondade e em inteligência; que cumpre aí uma missão meritória para ele, proveitosa para nós, e nos acompanha assim neste mundo e no outro, até que seja chamado para uma nova encarnação, ou até que nós mesmos, chegados a um certo grau de superioridade, sejamos chamados a cumprir, na outra vida, uma missão semelhante junto de um mortal menos avançado do que nós.
Tudo isto, meu caro amigo, entra maravilhosamente, como o vês, nas nossas idéias de solidariedade universal. Tudo isto, em nos mostrando esta solidariedade estabelecida de todos os tempos e funcionando constantemente entre o mundo invisível e nós, nos prova, certamente, que não é uma utopia de concepção humana, mas bem uma das leis da Natureza; que os primeiros pensadores que a pregaram não a inventaram, mas somente a descobriram; e que, enfim, estando nas leis da Natureza, ela está chamada fatalmente a se desenvolver nas sociedades humanas, apesar das resistências e dos obstáculos que poderão ainda lhe opor os seus cegos adversários (1-(1) Por pouco que os fatos mais naturais, mas ainda não explicados, se prestem a maravilhoso, cada um sabe com que agilidade a zombaria deles se apodera e com que audácia os explora; está aí, talvez, ainda um dos maiores obstáculos à descoberta e sobretudo à vulgarização da verdade).
Não me resta mais senão te falar da maneira de evocar. É a coisa mais simples. Não há para isso nenhuma forma cabalística, nenhuma fórmula obrigatória; tu te diriges ao Espírito nos termos que te convém; eis tudo.
Para te fazer melhor compreender, todavia, a simplicidade da coisa, vou dizer-te a fórmula que eu mesmo emprego:
"Deus Todo-poderoso! Permiti ao bom anjo (ou ao Espírito de um tal, preferindo-se evocar um outro Espírito) de se comunicar comigo e de me fazer escrever." Ou bem ainda:
"Em nome de Deus Todo-Poderoso, peço ao meu bom anjo (ou ao Espírito de...) se comunicar comigo."
Agora, queres saber o resultado da minha própria experiência; ei-lo:
Depois de mais ou menos seis semanas de exercícios infrutíferos, um dia, senti minha mão tremer, se agitar e traçar de repente, com o lápis, caracteres informes. Nos exercícios seguintes, esses caracteres, embora sempre ininteligíveis, se tomaram mais regulares; eu escrevia linhas e páginas com a rapidez de minha escrita comum, mas sempre ilegíveis. De outras vezes, eu traçava rubricas de todas as espécies, pequenas, grandes, algumas vezes de todo o papel. Algumas vezes eram linhas direitas, ora de alto a abaixo, ora atravessadas. De outras vezes, eram círculos, ora grandes, ora pequenos, e algumas vezes tão repetidos uns sobre os outros, que a folha de papel ficava toda enegrecida pelo lápis.
Enfim, depois de um mês de exercício mais variado, mas também o mais insignificante, comecei a me aborrecer, e pedia ao meu Espírito familiar para me fazer traçar letras, ao menos se não pudesse me fazer escrever palavras; eu obtinha, então, todas as letras do alfabeto, mas não pude obter mais.
Nesses intervalos, minha mulher, que sempre teve o pressentimento de não possuir a faculdade medianímica, se decidiu entretanto tentá-la e, ao cabo de quinze dias de espera, se pôs a escrever correntemente e com uma grande facilidade; mas, mais feliz do que eu, ela o fazia muito corretamente e muito legivelmente.
Um dos nossos amigos conseguiu, desde o segundo exercício, a rabiscar como eu, mas isso foi tudo. Não nos desencorajamos por isso; estamos convencidos de que é uma prova e que, cedo ou tarde, nós escreveremos; não é preciso senão a paciência, é fácil.
Numa outra carta, eu te entreterei com as comunicações que recebemos por minha mulher, e que, bastante singulares por si mesmas, são sobretudo muito concludentes pela existência dos Espíritos. Temos bastante por hoje; tinha a te fazer uma exposição que, se bem que muito sumária, entretanto, pode abarcar o conjunto da teoria espírita. Isto bastará, eu o espero, para excitar a tua curiosidade, e sobretudo despertar o teu interesse; a leitura das obras especiais, às quais isto vai te dispor, fará o resto.
Esperando a obra prática da qual te falei, enviarei muito proximamente a obra filosófica intitulada: O Livro dos Espíritos.
Estuda, lê, relê, experimenta, trabalha, e sobretudo não desanimes nunca: a coisa vale a pena.
E, além disso, não prestes atenção aos risos; já há muitos que não riem mais, se bem que estejam ainda na posse de todos os órgãos que lhes serviam há algum tempo.
A ti e até breve, CANU.


Os médiuns sem o saber - Revista Espírita, novembro de 1859
Na sessão da Sociedade, de 16 de setembro de 1859, foram lidos diversos fragmentos de um poema do senhor Porry, de Marseille, intitulado Uranie. Assim como se fez observar, esse poema é rico em idéias Espíritas que parecem tomadas à própria fonte de O Livro dos Espíritos e, todavia, foi averiguado que, na época em que o autor o escreveu, ele não tinha nenhum conhecimento da Doutrina Espírita. Nossos leitores ficarão satisfeitos por dele dar-lhes algumas amostras. Lembram-se, sem dúvida, do que foi dito a respeito da maneira pela qual o senhor Porry escreveu o seu poema, maneira que parece acusar nele uma espécie de mediunidade involuntária (Ver o número do mês de outubro de 1859, página 270). Está constatado, de resto, que os Espíritos que nos cercam, que exercem sobre nós, e com o nosso desconhecimento, uma influência incessante, aproveitam-se das disposições que encontram em certos indivíduos, para deles fazerem os instrumentos de idéias que querem exprimir e levar ao conhecimento dos homens; esses indivíduos são, pois, verdadeiros médiuns sem o saber, e não têm, para isso, necessidade de estarem dotados da mediunidade mecânica. Todos os homens de gênio, poetas, pintores, músicos, estão neste caso; seguramente seu próprio Espírito pode produzir por si mesmo, se está bastante avançado para isso, mas muitas das idéias podem também chegar-lhes de uma fonte estranha; e não parecem isso rogar, pedindo a inspiração? Ora, o que é a inspiração senão uma idéia sugerida? O que se tira do próprio íntimo não é inspirado: tem-se, e não há necessidade de recebê-lo. Se o homem de gênio tirasse tudo de si mesmo, por que lhe faltariam as idéias no momento em que as busca? Não seria senhor de haurir de seu cérebro, como aquele que tem dinheiro o tira de sua bolsa? Se, em um momento dado, não encontra nada, é porque nada tem. Por que, pois, no momento em que menos espera, as idéias jorram como por si mesmas? Os fisiologistas poderiam dar-nos conta desse fenômeno? Nunca procuraram resolvê-lo? Eles dizem: O cérebro produz hoje, não produzirá amanhã; mas por que não produzirá amanhã? Nisso se reduzem a dizer que é porque produziu na véspera. Segundo a Doutrina Espírita, o cérebro pode sempre produzir o que está nele, eis porque o homem mais inapto encontra sempre alguma coisa para dizer, ainda que seja uma tolice; mas as idéias que não dominamos não são as nossas; sempre nos são sugeridas; quando a inspiração não vem, é porque o inspirador não está aí, ou não julga oportuno comunicar-se. Parece-nos que esta explicação vale mais que a outra Poder-se-ia objetar que o cérebro não produzindo, não deveria fatigar-se. Aí haveria um erro; o cérebro não é menos, por isso, o canal por onde passam as idéias estranhas, o instrumento que o executa. O cantor não cansa os órgãos da voz, embora a música não seja dele? Por que, pois, o cérebro não se cansaria por exprimir idéias que está encarregado de transmitir, embora não as haja produzido? Sem dúvida, é para dar-lhe o repouso necessário à aquisição de novas forças que o inspirador lhe impõe em tempo de parada.
Pode-se, ainda, objetar que esse sistema tira do produtor o seu mérito pessoal, uma vez que atribui suas idéias a uma fonte estranha. A isso respondemos que se as coisas se passam assim, não sabemos o que fazer com elas, e que não vemos a grande necessidade de se ornar com plumas de pavão; mas esta objeção não é séria, porque dissemos, de início, que o homem de gênio não tira nada de seu próprio íntimo; em segundo lugar, que as idéias que lhe são sugeridas se confundem com as suas próprias, nada as distingue, e que assim, não é censurável por atribuí-las a si, a menos que, tendo-as recebido a título de comunicação Espírita confirmada, quisesse dar-se a glória, o que os Espíritos poderiam muito bem fazê-lo pagar com algumas decepções. Enfim, diremos que se os Espíritos sugerem a um homem grandes idéias, dessas idéias que caracterizam o gênio, é porque o julgam capaz de compreendê-las, de elaborá-las, e de transmiti-las; não tomariam um imbecil por seu intérprete; pode-se, pois, honrar-se sempre por receber uma grande e bela missão, sobretudo se o orgulho não a desvia de seu fim louvável, e não o faz perder o mérito.
Que os pensamentos seguintes sejam os do Espírito pessoal do Sr. Porry, ou que lhe tenham sido sugeridos por via mediúnica indireta, isso não diminui o mérito do poeta; porque a idéia primeira lhe foi dada, a honra de tê-la elaborado não poderia ser contestada.


O que é o Espiritismo - Capítulo I- Pequena Conferência Espírita

Loucura - Suicídio - Obsessão
Visitante – Certas pessoas consideram as idéias espíritas como de natureza a perturbarem as faculdades mentais, e, por esse motivo, acham prudente deter-lhes a divulgação.
A.K. – Conheceis o provérbio: quando se quer matar um cão, diz-se que ele está raivoso. Não é, pois, de espantar, que os inimigos do Espiritismo procurem se apoiar sobre todos os pretextos; este lhes pareceu apropriado para despertar os temores e as suscetibilidades, tomando-o zelosamente, embora ele caia diante do mais superficial exame. Ouvi, pois, sobre esta loucura, o raciocínio de um louco.
Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura; as ciências, as artes, e a própria religião fornecem seus contingentes. A loucura tem por princípio um estado patológico do cérebro, instrumento do pensamento: estando o instrumento danificado, o pensamento é alterado. A loucura, pois, é um efeito consecutivo, cuja causa primeira é uma predisposição orgânica que torna o cérebro mais, ou menos, acessível a certas impressões; isso é tão verdadeiro que tendes as pessoas que pensam demais e não se tornam loucas, enquanto que outras se tornam sob o domínio da menor superexcitação. Havendo uma predisposição à loucura, esta toma o caráter da preocupação principal, que se torna, então, uma idéia fixa. Essa idéia fixa poderá ser a dos Espíritos, naqueles que deles se ocupam, como poderá ser a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da maternidade, de um sistema político ou social. É provável que o louco religioso se tornasse um louco espírita, se o Espiritismo tivesse sido sua preocupação dominante. Um jornal disse, é verdade, que em uma única localidade da América, cujo nome não me recordo, contaram-se quatro mil casos de loucura espírita; mas sabe-se que, entre nossos adversários, é uma idéia fixa crerem-se os únicos dotados de razão, e isso é uma mania como as outras. Aos seus olhos nós somos todos dignos de um manicômio e, por conseguinte, os quatro mil espíritas da localidade em questão, deviam ser igualmente loucos. Nesse aspecto, os Estados Unidos têm centenas de milhares deles, e todos os outros países do mundo, um número bem maior. Esse mau gracejo começou a ser usado depois que se viu esta loucura ganhar as classes mais elevadas da sociedade. Fez-se grande alarde de um exemplo conhecido, de Victor Hennequin, esquecendo-se que, antes de se ocupar com o Espiritismo, ele tinha já dado provas de excentricidade das idéias. Se as mesas girantes não tivessem acontecido, o que, segundo um jogo de palavras bem espirituoso de nossos adversários, fizeram lhe girar a cabeça, sua loucura teria tomado outro curso.
Eu digo, pois, que o Espiritismo não tem nenhum privilégio a esse respeito; e vou mais longe: digo que, bem compreendido, é um preservativo contra a loucura e o suicídio.
Entre as causas mais freqüentes de superexcitação cerebral, é preciso contar as decepções, os desgostos, as afeições contrariadas, que são, ao mesmo tempo, as causas mais freqüentes de suicídios. Ora, o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista tão elevado, que as tribulações não são para ele senão os incidentes desagradáveis de uma viagem. O que, em outro, produziria uma emoção violenta, o afeta levemente. Ele sabe, aliás, que os sofrimentos da vida são provas que servem para o seu adiantamento, se as suporta sem reclamar, porque será recompensado de acordo com a coragem com a qual as tiver suportado. Suas convicções lhe dão, pois, uma resignação que o preserva do desespero, e, por conseguinte, de uma causa permanente de loucura e de suicídio. Por outro lado, ele sabe, pelo que vê nas comunicações com os Espíritos, da sorte deplorável daqueles que abreviam voluntariamente seus dias, e esse quadro basta para fazê-lo refletir; por isso é considerável o número daqueles que se detiveram sobre essa inclinação funesta. Eis aí um dos resultados do Espiritismo.
Ao número das causas de loucura, é preciso ainda acrescentar o medo, e o medo do diabo desarranjou mais de um cérebro. Sabe-se, acaso, o número de vítimas que se fez amedrontando-se imaginações fracas com esse quadro que se esforça em tornar mais assustador por detalhes hediondos? O diabo, diz-se, não assusta senão as crianças e é um freio para torná-las sábias; sim, como o bicho papão e o lobisomem, e quando elas não têm mais medo, tornam-se piores que antes. E, para esse belo resultado, não se conta o número de epilepsias causadas pela comoção de um cérebro delicado.
É preciso não confundir a loucura patológica com a obsessão. Esta não se origina de nenhuma lesão cerebral, mas da subjugação que Espíritos malfazejos exercem sobre certos indivíduos, e tem por vezes as aparências da loucura propriamente dita. Essa doença, que é muito freqüente e independente de qualquer crença no Espiritismo, existiu em todos os tempos. Nesse caso, a medicação ordinária é ineficaz e mesmo nociva. O Espiritismo, fazendo conhecer esta nova causa de perturbação da saúde, dá ao mesmo tempo o único meio de triunfar sobre ela, agindo não sobre a doença, mas sobre o Espírito obsessor. Ele é o remédio e não a causa do mal.


Dissertações espíritas – Revista Espírita, julho de 1861
Papel dos médiuns nas comunicações. (Obtidas pelo Sr. d'Ambel, médium da Sociedade.)
Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, quer sejam mecânicos, semi-mecânicos, ou simplesmente intuitivos, nossos procedimentos de comunicação com eles não variam essencialmente. Com efeito, nos comunicamos com os próprios Espíritos encarnados, como com os Espíritos propriamente ditos, unicamente pela irradiação do nosso pensamento.
Os nossos pensamentos não têm necessidade da vestimenta da palavra para serem compreendidos pelos Espíritos, e todos os Espíritos percebem o pensamento que desejamos lhes comunicar, unicamente pelo fato de dirigirmos esse pensamento a eles, e isso em razão de suas faculdades intelectuais; quer dizer, que tal pensamento pode ser compreendido por tais e tais, segundo o seu adiantamento, ao passo que em tais outros, esse pensamento não desperta nenhuma lembrança, nenhum conhecimento no fundo do seu coração ou do seu cérebro, não é perceptível para eles. Neste caso, o Espírito encarnado que nos serve de médium é mais próprio para dar nosso pensamento para outros encarnados, se bem que não o compreenda, que um Espírito desencarnado, e pouco avançado, não poderia fazê-lo, se fôssemos forçados a recorrer à sua intermediação; porque o ser terrestre coloca o seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, o que o Espírito errante não pode fazer. Assim, quando encontramos num médium o cérebro equipado de conhecimentos adquiridos em sua vida atual, e o Espírito rico de conhecimentos anteriores latentes, próprios para facilitarem as mossas comunicações, dele nos servimos com preferência, porque com ele o fenômeno da comunicação nos é muito mais fácil, do que com um médium cuja inteligência seria limitada, e cujos conhecimentos anteriores teriam f içado insuficientes. Vamos nos fazer compreender por algumas explicações claras e precisas.
Comum médium cuja inteligência atual, ou anterior, se encontre desenvolvida, o nosso pensamento se comunica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma faculdade própria da essência do próprio Espírito. Nesse caso encontramos no cérebro do médium os elementos próprios para revestir o nosso pensamento da roupa da palavra que corresponde a esse pensamento, e isso, mesmo que o médium seja intuitivo, semi-mecânico ou mecânico puro. E porque, qualquer seja a diversidade dos Espíritos que se comunicam a um médium, os ditados obtidos por ele, mesmo procedendo de Espíritos diversos, trazem uma marca de forma e de cor pessoal a esse médium. Sim, se bem que o pensamento lhe seja inteiramente estranho, se bem que o assunto saia do quadro no qual ele mesmo se move habitualmente, se bem o que queremos dizer não provenha de nenhum modo dele, por isso não influencia menos a forma, pelas qualidades, as propriedades que são adequadas à sua individualidade. É absolutamente como quando olhais diferentes pontos de vista com lunetas coloridas, verdes, brancas ou azuis; se bem que os pontos de vista, ou objetos olhados, sejam inteiramente opostos, e inteiramente independentes uns dos outros, isso não afeta menos, sempre, um colorido que provém da cor das lunetas. Ou melhor, comparemos os médiuns a esses vidros de boca larga, cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se vêem na vitrina dos laboratórios farmacêuticos; pois bem! somos como luzes que clareamos certos pontos de vista morais, filosóficos e internos, através de médiuns azuis, verdes ou vermelhos, de tal sorte que os nossos raios luminosos, forçados a passarem através dos vidros, mais ou menos bem talhados, mais ou menos transparentes, quer dizer por médiuns mais ou menos inteligentes, não chegam sobre os objetos, que queremos clarear, senão carregando o colorido, ou melhor, a forma própria e particular a esses médiuns. Enfim, para terminar por uma última comparação, nós, Espíritos, somos como compositores de música que compusemos ou queremos improvisar uma música e não temos sob a mão senão um piano, senão um violino, senão uma flauta, senão um fagote ou senão um apito de dois sons. É incontestável que, com o piano, a flauta ou o violino executaremos nosso trecho de maneira mais compreensível aos ouvintes; se bem que os sons provindos do piano, do fagote ou da clarineta, sejam essencialmente diferentes uns dos outros, nossa composição não será por isso menos identicamente a mesma, salvo as nuanças do som. Mas se não temos à nossa disposição senão um apito de dois sons, um funil de encanador, aí para nós jaz a dificuldade.
Com efeito, quando somos obrigados a nos servir de médiuns pouco avançados, o nosso trabalho se torna bem mais longo, bem mais penoso, porque somos obrigados a ter recursos de formas incompletas, o que é uma complicação para nós; porque então somos forçados a decompor o nosso pensamento e a proceder, palavras por palavras, letras por letras, o que é um aborrecimento e uma fatiga para nós, e um entrave real à prontidão e ao desenvolvimento das nossas manifestações.
É porque estamos felizes por encontrar médiuns bem apropriados, bem aparelhados, munidos de materiais prontos para funcionarem, bons instrumentos, em uma palavra, porque então o nosso perispírito, agindo sobre o perispírito daquele que mediunizamos, não há mais do que dar o impulso à mão que nos serve de porta-lápis; ao passo que com os médiuns insuficientes, somos obrigados a fazer um trabalho análogo àquele que fazemos quando nos comunicamos por pancadas, quer dizer, designando letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que formam a tradução dos pensamentos que queremos comunicar.
É por estas razões que nos dirigimos de preferências às classes esclarecidas e instruídas, para a divulgação do Espiritismo e o desenvolvimento das faculdades mediúnicas da escrita, se bem que seja entre essas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, os mais rebeldes e os mais imorais. É que, do mesmo modo que deixamos hoje aos Espíritos brincalhões e pouco avançados, o exercício das comunicações tangíveis de golpes e de transportes, do mesmo modo os homens pouco sérios entre vós preferem a visão dos fenômenos que ferem seus olhos e seus ouvidos, aos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.
Quando queremos proceder por ditados espontâneos, nós agimos sobre o cérebro, sobre os compartimentos do médium, e reunimos os nossos materiais com os elementos que ele nos fornece, e isso com o seu inteiro desconhecimento; é como se tomássemos em sua bolsa as somas que ali pode ter, e organizássemos as diferentes moedas segundo a ordem que nos parece mais útil.
Mas quando o próprio médium quer nos interrogar de tal ou tal modo, seria bom se nisso refletisse seriamente, a fim de nos perguntar de maneira metódica, facilitando assim nosso trabalho de resposta. Porque, como disse Erasto, em uma precedente instrução, freqüentemente, o vosso cérebro está numa desordem inextricável, e nos é bastante penoso, senão difícil, nos movermos na complicação dos vossos pensamentos. Quando as perguntas devem ser postas por terceiros, é bom, é útil que a série das perguntas seja comunicada, adiantadamente, ao médium, para que este se identifique com o Espírito do evocador, e dele se impregne por assim dizer; porque nós mesmos, então, teremos maior facilidade para responder, pela afinidade que existe entre o nosso Espírito e do médium que nos serve de intérprete.
Certamente, podemos falar de matemáticas por meio de um médium que a ele pareça inteiramente estranho; mas, freqüentemente, o Espírito desse médium possui esse conhecimento em estado latente, quer dizer, pessoal ao ser fluídico e não ao ser encarnado, porque o seu corpo atual é um instrumento rebelde, ao contrário, a esse conhecimento. Ocorre o mesmo na astronomia, na poesia, na medicina e nas línguas diversas, assim como em todos os outros conhecimentos particulares à espécie humana. Enfim, temos ainda o meio da elaboração penosa em uso com os médiuns completamente estranhos ao assunto tratado, reunindo as letras e as palavras como em tipografia.
Como dissemos, os Espíritos não têm necessidade de revestir o seu pensamento; percebem e comunicam o pensamento pelo único fato de que ele existe neles. Os seres corpóreos, ao contrário, não podem perceber o pensamento senão revestido. Ao passo que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, em uma palavra, vos são necessárias para perceber mesmo mentalmente, nenhuma forma visível ou tangível é necessária para nós. ERASTO E TIMÓTEO,


O Livro dos Médiuns – CAPÍTULO XIX – Do Papel dos Médiuns nas Comunicações Espíritas

Dissertação de um Espírito sobre o papel dos médiuns
225. A dissertação que se segue, dada espontaneamente por um Espírito superior, que se revelou mediante comunicações de ordem elevadíssima, resume, de modo claro e completo, a questão do papel do médium:
"Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, quer mecânicos ou semimecânicos, quer simplesmente intuitivos, não variam essencialmente os nossos processos de comunicação com eles. De fato, nós nos comunicamos com os Espíritos encarnados dos médiuns, da mesma forma que com os Espíritos propriamente ditos, tão-só pela irradiação do nosso pensamento.
"Os nossos pensamentos não precisam da vestidura da palavra, para serem compreendidos pelos Espíritos e todos os Espíritos percebem os pensamentos que lhes desejamos transmitir, sendo suficiente que lhes dirijamos esses pensamentos e isto em razão de suas faculdades intelectuais. Quer dizer que tal pensamento tais ou quais Espíritos o podem compreender, em virtude do adiantamento deles, ao passo que, para tais outros, por não despertarem nenhuma lembrança, nenhum conhecimento que lhes dormitem no fundo do coração, ou do cérebro, esses mesmos pensamentos não lhes são perceptíveis. Neste caso, o Espírito encarnado, que nos serve de médium, é mais apto a exprimir o nosso pensamento a outros encarnados, se bem não o compreenda, do que um Espírito desencarnado, mas pouco adiantado, se fôssemos forçado a servir-nos dele, porquanto o ser terreno põe seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, o que o Espírito errante não pode fazer.
"Assim, quando encontramos em um médium o cérebro povoado de conhecimentos adquiridos na sua vida atual e o seu Espírito rico de conhecimentos latentes, obtidos em vidas anteriores, de natureza a nos facilitarem as comunicações, dele de preferência nos servimos, porque com ele o fenômeno da comunicação se nos toma muito mais fácil do que com um médium de inteligência limitada e de escassos conhecimentos anteriormente adquiridos. Vamos fazer-nos compreensíveis por meio de algumas explicações claras e precisas.
"Com um médium, cuja inteligência atual, ou anterior, se ache desenvolvida, o nosso pensamento se comunica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma faculdade peculiar à essência mesma do Espírito. Nesse caso, encontramos no cérebro do médium os elementos próprios a dar ao nosso pensamento a vestidura da palavra que lhe corresponda e isto quer o médium seja intuitivo, quer semimecânico, ou inteiramente mecânico. Essa a razão por que, seja qual for a diversidade dos Espíritos que se comunicam com um médium, os ditados que este obtém, embora procedendo de Espíritos diferentes, trazem, quanto à forma e ao colorido, o cunho que lhe é pessoal. Com efeito, se bem o pensamento lhe seja de todo estranho, se bem o assunto esteja fora do âmbito em que ele habitualmente se move, se bem o que nós queremos dizer não provenha dele, nem por isso deixa o médium de exercer influência, no tocante à forma, pelas qualidades e propriedades inerentes à sua individualidade. E exatamente como quando observais panoramas diversos, com lentes matizadas, verdes, brancas, ou azuis; embora os panoramas, ou objetos observados, sejam inteiramente opostos e independentes,. em absoluto, uns dos outros, não deixam por isso de afetar uma tonalidade que provém das cores das lentes. Ou, melhor: comparemos os médiuns a esses bocais cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se vêem nos mostruários dos laboratórios farmacêuticos. Pois bem, nós somos como luzes que clareiam certos panoramas morais, filosóficos e internos, através dos médiuns, azuis, verdes, ou vermelhos, de tal sorte que os nossos raios luminosos, obrigados a passar através de vidros mais ou menos bem facetados, mais ou menos transparentes, isto é, de médiuns mais ou menos inteligentes, só chegam aos objetos que desejamos iluminar, tomando a coloração, ou, melhor, a forma de dizer própria e particular desses médiuns. Enfim, para terminar com uma última comparação: nós os Espíritos somos quais compositores de música, que hão composto, ou querem improvisar uma ária e que só têm à mão ou um piano, um violino,, uma flauta, um fagote ou uma gaita de dez centavos. E incontestável que, com o piano, o violino, ou a flauta, executaremos a nossa composição de modo muito compreensível para os ouvintes. Se bem sejam muito diferentes uns dos outros os sons produzidos pelo piano, pelo fagote ou pela clarineta, nem por isso ela deixará de ser idêntica em qualquer desses instrumentos, abstração feita dos matizes do som. Mas, se só tivermos à nossa disposição uma gaita de dez centavos, ai está para nós a dificuldade.
"Efetivamente, quando somos obrigados a servir-nos de médiuns pouco adiantados, muito mais longo e penoso se torna o nosso trabalho, porque nos vemos forçados a lançar mão de formas incompletas, o que é para nós uma complicação, pois somos constrangidos a decompor os nossos pensamentos e a ditar palavra por palavra, letra por letra, constituindo isso uma fadiga e um aborrecimento, assim como um entrave real à presteza e ao desenvolvimento das nossas manifestações.
"Por isso é que gostamos de achar médiuns bem adestrados, bem aparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados, numa palavra: bons instrumentos, porque então o nosso perispírito, atuando sobre o daquele a quem mediunizamos, nada mais tem que fazer senão impulsionar a mão que nos serve de lapiseira, ou caneta, enquanto que, com os médiuns insuficientes, somos obrigados a um trabalho análogo ao que temos, quando nos comunicamos mediante pancadas, isto é, formando, letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que traduzem os pensamentos que vos queiramos transmitir.
"É por estas razões que de preferência nos dirigimos, para a divulgação do Espiritismo e para o desenvolvimento das faculdades mediúnicas escreventes, às classes cultas e instruídas, embora seja nessas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, mais rebeldes e mais imorais. E que, assim como deixamos hoje, aos Espíritos galhofeiros e pouco adiantados, o exercício das comunicações tangíveis, de pancadas e transportes, assim também os homens pouco sérios preferem o espetáculo dos fenômenos que lhes afetam os olhos ou os ouvidos, aos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.
"Quando queremos transmitir ditados espontâneos, atuamos sobre o cérebro, sobre os arquivos do médium e preparamos os nossos materiais com os elementos que ele nos fornece e isto à sua revelia. E como se lhe tomássemos à bolsa as somas que ele aí possa ter e puséssemos as moedas que as formam na ordem que mais conveniente nos parecesse.
"Mas, quando o próprio médium é quem nos quer interrogar, bom é reflita nisso seriamente, a fim de nos fazer com método as suas perguntas, facilitando-nos assim o trabalho de responder a elas. Porque, como já te dissemos em instrução anterior, o vosso cérebro está freqüentemente em inextricável desordem e, não só difícil, como também penoso se nos torna mover-nos no dédalo dos vossos pensamentos. Quando seja um terceiro quem nos haja de interrogar, é bom e conveniente que a série de perguntas seja comunicada de antemão ao médium, para que este se identifique com o Espírito do evocador e dele, por assim dizer, se impregne, porque, então, nós outros teremos mais facilidade para responder, por efeito da afinidade existente entre o nosso perispírito e o do médium que nos serve de intérprete.
"Sem duvida, podemos falar de matemáticas, servindo-nos de um médium a quem estas sejam absolutamente estranhas; porém, quase sempre, o Espírito desse médium possui, em estado latente, conhecimento do assunto, isto é, conhecimento peculiar ao ser fluídico e não ao ser encarnado, por ser o seu corpo atual um instrumento rebelde, ou contrário, a esse conhecimento. O mesmo se dá com a astronomia, com a poesia, com a medicina, com as diversas línguas, assim como com todos os outros conhecimentos peculiares à espécie humana.
"Finalmente, ainda temos como meio penoso de elaboração, para ser usado com médiuns completamente estranhos ao assunto de que se trate, o da reunião das letras e das palavras, uma a uma, como em tipografia.
"Conforme acima dissemos, os Espíritos não precisam vestir seus pensamentos; eles os percebem e transmitem, reciprocamente, pelo só fato de os pensamentos existirem neles. Os seres corpóreos, ao contrário, só podem perceber os pensamentos, quando revestidos. Enquanto que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, em suma, vos são necessários para perceberdes, mesmo mentalmente, as idéias, nenhuma forma visível ou tangível nos é necessária a nós." ERASTO e TIMÓTEO
NOTA. Esta análise do papel dos médiuns e dos processos pelos quais os Espíritos se comunicam é tão clara quanto lógica. Dela decorre, como princípio, que o Espírito haure, não as suas idéias, porém, os materiais de que necessita para exprimi-las, no cérebro do médium e que, quanto mais rico em materiais for esse cérebro, tanto mais fácil será a comunicação. Quando o Espírito se exprime num idioma familiar ao médium, encontra neste, inteiramente formadas, as palavras necessárias ao revestimento da idéia; se o faz numa língua estranha ao médium, não encontra neste as palavras, mas apenas as letras. Por isso é que o Espírito se vê obrigado a ditar, por assim dizer, letra a letra, tal qual como quem quisesse fazer que escrevesse alemão uma pessoa que desse idioma não conhecesse uma só palavra. Se o médium é analfabeto, nem mesmo as letras fornece ao Espírito. Preciso se torna a este conduzir-lhe a mão, como se faz a uma criança que começa a aprender. Ainda maior dificuldade a vencer encontra aí, o Espírito. Estes fenômenos, pois, são possíveis e há deles numerosos exemplos; compreende-se, no entanto, que semelhante maneira de proceder pouco apropriada se mostra para comunicações extensas e rápidas e que os Espíritos hão de preferir os instrumentos de manejo mais fácil, ou, como eles dizem, os médiuns bem aparelhados do ponto de vista deles.
Se os que reclamam esses fenômenos, como meio de se convencerem, estudassem previamente a teoria, haviam de saber em que condições excepcionais eles se produzem.


O Livro dos Espíritos - Parte Segunda – Capítulo 7 - Retorno à vida corporal

Influência do organismo
367 O Espírito, ao se unir ao corpo, se identifica com a matéria? – A matéria é apenas o envoltório do Espírito, assim como a roupa é o envoltório do corpo. O Espírito, ao se unir ao corpo, conserva o que é próprio de sua natureza espiritual.
368 As faculdades ou dons do Espírito se exercem com toda a liberdade após sua união com o corpo? – O exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento: são enfraquecidas pela grosseria da matéria.
368 a Assim, o corpo material seria um obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco se opõe à livre emissão da luz?  – Sim, é como um vidro muito opaco.
☼ Pode-se ainda comparar a ação da matéria grosseira do corpo sobre o Espírito à de uma água lamacenta, que tira a liberdade dos movimentos dos corpos nela mergulhados.
369 O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos? – Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma; essa manifestação depende do desenvolvimento e grau de perfeição desses mesmos órgãos, como a boa qualidade de um trabalho depende da boa qualidade da ferramenta.
370 Pode-se deduzir que, da influência dos órgãos na ação das faculdades do Espírito, possa haver uma relação entre o desenvolvimento do cérebro e das qualidades morais e intelectuais? – Não se deve confundir o efeito com a causa. O Espírito tem sempre as faculdades que lhe são próprias. Não são, portanto, os órgãos que dão as faculdades e sim as faculdades que conduzem ao desenvolvimento dos órgãos.
370 a Assim sendo, a diversidade das aptidões no homem provém unicamente do estado do Espírito? – Unicamente não é o termo mais exato; as qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos avançado, são o princípio; mas é preciso ter em conta a influência da matéria, que limita mais ou menos o exercício dessas faculdades.
O Espírito, ao encarnar, traz certas predisposições, admitindo-se para cada uma um órgão correspondente no cérebro; o desenvolvimento desses órgãos será um efeito e não uma causa. Se as faculdades tivessem seu princípio nos órgãos, o homem seria uma máquina sem livre-arbítrio e sem responsabilidade por seus atos. Seria preciso admitir que os maiores gênios, os sábios, poetas, artistas, são gênios apenas porque o acaso lhes deu órgãos especiais, e que sem esses órgãos não seriam gênios. Assim, o maior imbecil poderia ser um Newton, um Virgílio1 ou um Rafael 2, se tivesse possuído certos órgãos. Essa suposição é mais absurda ainda quando aplicada às qualidades morais. Assim, conforme esse sistema, um São Vicente de Paulo, dotado por natureza desse ou daquele órgão, poderia ter sido um criminoso, e faltaria ao maior criminoso apenas um órgão para ser um São Vicente de Paulo. Admiti, ao contrário, que os órgãos especiais, se é que existem, são uma conseqüência, que se desenvolvem pelo exercício da faculdade, assim como os músculos, pelo movimento, e não tereis nada de irracional. Façamos uma comparação simples, mas verdadeira: por meio de certos sinais fisionômicos, reconheceis o homem dado à bebida; são esses sinais que o tornam ébrio, ou é a embriaguez que faz surgirem esses sinais? Pode-se dizer que os órgãos recebem a marca das faculdades.

Os deficientes mentais e a loucura
371 A opinião de que os deficientes mentais teriam uma alma inferior tem fundamento? – Não. Eles têm uma alma humana, muitas vezes mais inteligente do que pensais, que sofre da insuficiência dos meios que tem para se manifestar, assim como o mudo sofre por não poder falar.
372 Qual o objetivo da Providência ao criar seres infelizes como os loucos e os deficientes mentais? – São Espíritos em punição que habitam corpos deficientes. Esses Espíritos sofrem com o constrangimento que experimentam e com a dificuldade que têm de se manifestarem por meio de órgãos não desenvolvidos ou desarranjados.
372 a É exato dizer que os órgãos não têm influência sobre as faculdades?  – Nunca dissemos que os órgãos não têm influência. Têm uma influência muito grande sobre a manifestação das faculdades; porém, não as produzem; eis a diferença. Um bom músico com um instrumento ruim não fará boa música, mas isso não o impedirá de ser um bom músico.
É preciso distinguir o estado normal do estado patológico3. No estado normal, a moral 4 suplanta o obstáculo que a matéria lhe opõe. Mas há casos em que a matéria oferece tanta resistência que as manifestações são limitadas ou deturpadas, como na deficiência mental e na loucura. São casos patológicos e, nesse estado, não desfrutando a alma de toda a sua liberdade, a própria lei humana a livra da responsabilidade de seus atos.
373 Qual pode ser o mérito da existência para seres que, como os loucos e os deficientes mentais, não podendo fazer o bem nem o mal, não podem progredir? – É uma expiação obrigatória pelo abuso que fizeram de certas faculdades; é um tempo de prisão.
373 a O corpo de um deficiente mental pode, assim, abrigar um Espírito que teria animado um homem de gênio em uma existência precedente? – Sim. A genialidade torna-se às vezes um flagelo quando dela se abusa.
☼ A superioridade moral nem sempre está em razão da superioridade intelectual, e os maiores gênios podem ter muito para expiar. Daí resulta freqüentemente para eles uma existência inferior à que tiveram e causa de sofrimentos. As dificuldades que o Espírito experimenta em suas manifestações são para ele como correntes que impedem os movimentos de um homem vigoroso. Pode-se dizer que deficientes mentais são aleijados do cérebro, assim como o coxo das pernas e o cego dos olhos.
374 O deficiente mental, no estado de Espírito, tem consciência de seu estado mental? – Sim, muito freqüentemente; ele compreende que as correntes que impedem seu vôo são uma prova e uma expiação.
375 Qual é a situação do Espírito na loucura? – O Espírito, no estado de liberdade, recebe diretamente suas impressões e exerce diretamente sua ação sobre a matéria. Porém, encarnado, se encontra em condições bem diferentes e na obrigatoriedade de só fazer isso com a ajuda de órgãos especiais. Se uma parte ou o conjunto desses órgãos for alterado, sua ação ou suas impressões, no que diz respeito a esses órgãos, são interrompidas. Se ele perde os olhos, torna-se cego; se perde o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que o órgão que dirige os efeitos da inteligência e da vontade, o cérebro, seja parcial ou inteiramente danificado ou modificado e ficará fácil compreender que o Espírito, podendo dispor apenas de órgãos incompletos ou deturpados, deverá sentir uma perturbação da qual, por si mesmo e em seu íntimo, tem perfeita consciência, mas não é senhor para deter-lhe o curso, não tem como alterar essa condição.
375 a É então sempre o corpo e não o Espírito que está desorganizado?  – Sim. Mas é preciso não perder de vista que, da mesma forma como o Espírito age sobre a matéria, também a matéria reage sobre o Espírito numa certa medida, e que o Espírito pode se encontrar momentaneamente impressionado pela alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe suas impressões. Pode acontecer que, depois de um período longo, quando a loucura durou muito tempo, a repetição dos mesmos atos acabe por ter sobre o Espírito uma influência da qual somente se livra quando estiver completamente desligado de todas as impressões materiais.
376 Por que a loucura leva algumas vezes ao suicídio? – O Espírito sofre com o constrangimento e a impossibilidade de se manifestar livremente, por isso procura na morte um meio de romper seus laços.
377 O Espírito de um doente mental é afetado, depois da morte, pelo desarranjo de suas faculdades? – Pode se ressentir durante algum tempo após a morte, até que esteja completamente desligado da matéria, como o homem que acorda se ressente por algum tempo da perturbação em que o sono o mergulha.
378 Como a alteração do cérebro pode reagir sobre o Espírito após a morte do corpo? – É uma lembrança. Um peso oprime o Espírito e, como não teve conhecimento de tudo que se passou durante sua loucura, precisa sempre de um certo tempo para se pôr a par de tudo; é por isso que, quanto mais tempo durar a loucura durante a vida terrena, mais tempo dura a opressão, o constrangimento após a morte. O Espírito desligado do corpo se ressente, durante algum tempo, da impressão dos laços que os uniam.

Infância
379 O Espírito que anima o corpo de uma criança é tão desenvolvido quanto o de um adulto? – Pode até ser mais, se progrediu mais. São apenas órgãos imperfeitos que o impedem de se manifestar. Ele age em razão do instrumento, com que pode se manifestar.
380 Numa criança de tenra idade, o Espírito, exceto pelo obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre manifestação, pensa como uma criança ou como um adulto? – Quando é criança, é natural que os órgãos da inteligência, não estando desenvolvidos, não possam lhe dar toda a intuição de um adulto; ele tem, de fato, a inteligência bastante limitada, enquanto a idade faz amadurecer sua razão. A perturbação que acompanha a encarnação não cessa subitamente no momento do nascimento; ela somente se dissipa gradualmente, com o desenvolvimento dos órgãos.
☼ Uma observação em apoio dessa resposta é que os sonhos da criança não têm o caráter dos de um adulto; seu objeto é quase sempre infantil, o que é um indício da natureza das preocupações do Espírito.


O Livro dos Médiuns - CAPÍTULO XVIII - Dos Inconvenientes e Perigos da Mediunidade
Influência do exercício da mediunidade sobre a saúde
221. 1ª Será a faculdade mediúnica indício de um estado patológico qualquer, ou de um estado simplesmente anômalo? "Anômalo, às vezes, porém, não patológico; há médiuns de saúde robusta; os doentes o são por outras causas."
2ª O exercício da faculdade mediúnica pode causar fadiga? "O exercício muito prolongado de qualquer faculdade acarreta fadiga; a mediunidade está no mesmo caso, principalmente a que se aplica aos efeitos físicos, ela necessariamente ocasiona um dispêndio de fluido, que traz a fadiga, mas que se repara pelo repouso."
3ª Pode o exercício da mediunidade ter, de si mesmo, inconveniente, do ponto de vista higiênico, abstração, feita do abuso?  "Há casos em que é prudente, necessária mesmo, a abstenção, ou, pelo menos, o exercício moderado, tudo dependendo do estado físico e moral do médium. Aliás, em geral; o médium o sente e, desde que experimente fadiga, deve abster-se."
4ª Haverá pessoas para quem esse exercício seja mais inconveniente do que para outras?  "Já eu disse que isso depende do estado físico e moral do médium. Há pessoas relativamente às quais se devem evitar todas as causas de sobreexcitação e o exercício da mediunidade é uma delas." (Ns. 188 e 194.)

Influência do exercício da mediunidade sobre sobre o cérebro
5ª Poderia a mediunidade produzir a loucura? "Não mais do que qualquer outra coisa, desde que não haja predisposição para isso, em virtude de fraqueza cerebral. A mediunidade não produzirá a loucura, quando esta já não exista em gérmen; porém, existindo este, o bom-senso está a dizer que se deve usar de cautelas, sob todos os pontos de vista, porquanto qualquer abalo pode ser prejudicial."


História do Maravilhoso - Revista Espírita, dezembro de 1860
pelo Sr. Louis Figuier. (Segundo artigo; ver a Revista de Setembro de 1860.)
Falando do Sr. Louis Figuier, em nosso primeiro artigo, procuramos, antes de tudo, qual fora o seu ponto de partida, e demonstramos, citando textualmente as suas palavras, que ele se apoia sobre a negação de todo poder fora da humanidade corpórea; as suas premissas devem fazer pressentir a sua conclusão. Ó seu quarto volume, aquele que deveria tratar especialmente a questão das mesas girantes e dos médiuns, não aparecera ainda, e nós o esperamos para ver se daria, desses fenômenos, uma explicação mais satisfatória do que aquela do Sr. Jobert (de Lambale). Nós o lemos com cuidado, e o que dele ressalta mais claro para nós, é que o autor tratou de uma questão que ele não conhecia de modo nenhum; para isso não queremos outra prova senão as duas primeiras linhas assim concebidas: Antes de abordar a história das mesas girantes e dos médiuns, cujas manifestações são todas modernas, etc. Como o Sr. Figuier não sabe que Tertuliano fala em termos explícitos das mesas girantes e falantes; que os Chineses conhecem esse fenômeno de tempos imemoriais; que é praticada entre os Tártaros e os Siberianos; que há médiuns entre os Tibetanos; que os havia entre os Assírios, os Gregos e os Egípcios; que todos os princípios fundamentais do Espiritismo se encontram nos filósofos sânscritos? É falso, pois, avançar que essas manifestações são todas modernas; os modernos nada inventaram a esse respeito, e os Espíritas se apoiam sobre a antigüidade e a universalidade de sua doutrina, o que o Sr. Figuier deveria saber antes de ter a pretensão de fazer-lhe um tratado ex professo. Sua obra não teve menos as honras da imprensa, que se apressou em render homenagem a esse campeão das idéias materialistas.
Aqui se apresenta uma reflexão, cuja importância não escapará a ninguém. Nada, diz-se, é brutal como um fato: ora, eis aqui um que tem bem o seu valor, é p progresso inaudito das idéias espíritas, às quais certamente a imprensa, nem pequena e nem grande, não prestou o seu concurso. Quando ela se dignou falar desses pobres imbecis que crêem ter uma alma, e que essa alma, depois da morte, se ocupa ainda dos vivos, não foi senão para gritar alto lá! sobre eles, e os enviar aos manicômios, perspectiva pouco encorajadora para o público ignorante da coisa. Portanto, o Espiritismo não entoou a trombeta da publicidade; não encheu os jornais de faustosos anúncios; como ocorre, pois, que, sem ruído, sem estrondo, sem o apoio daqueles que se colocam como árbitros da opinião, ele se infiltra nas massas, e que depois de ter, segundo a graciosa expressão de um crítico, do qual não nos lembramos o nome, infestado as classes esclarecidas, penetra, agora, nas classes trabalhadoras? Que nos digam como, sem o emprego dos meios comuns de propaganda, a segunda edição de O Livro dos Espíritos se esgotou em quatro meses? Apaixona-se, diz-se, das coisas mais ridículas; seja, mas apaixona-se com o que diverte, de uma história, de um romance; ora, O Livro dos Espíritos, de nenhum modo tem a pretensão de ser divertido. Não seria que a opinião encontra, nessas crenças, alguma coisa que desafia a crítica?
O Sr. Figuier encontrou a solução desse problema: é, disse, o amor do maravilhoso, e ele tem razão; tomemos a palavra maravilhoso na acepção que ele lhe dá, e seremos da sua opinião. Segundo ele, toda a Natureza estando na matéria, todo fenômeno extra-material é do maravilhoso: fora da matéria não há salvação; consequentemente, a alma, depois de tudo o que se lhe atribui, seu estado depois da morte, tudo isso é do maravilhoso; chamemo-lo, pois, como ele do maravilhoso. A questão é de saber se o maravilhoso existe ou não existe. O Sr. Figuier, que não gosta do maravilhoso, e não o admite senão nos contos de Barba-Azul, diz que não. Mas se o Sr. Figuier não deseja sobreviver ao seu corpo; se despreza a sua alma e a vida futura, nem todo o mundo partilha os seus gostos, e não é preciso que, com isso, desgoste os outros; há muitas pessoas para as quais a perspectiva do nada tem muito poucos encantos, e que muito esperam reencontrar, lá em cima ou lá embaixo, seu pai, sua mãe, seus filhos ou seus amigos; o Sr. Figuier não o deseja; não se podem disputar os gostos.
Instintivamente, o homem tem horror à morte, e o desejo de não morrer inteiramente é bastante natural, com isso se convirá; pode-se mesmo dizer que essa fraqueza é geral; ora, como sobreviver ao corpo se não se possui esse maravilhoso que se chama alma? Se temos uma alma, ela tem algumas propriedades, porque sem propriedades ela não poderia ser alguma coisa; estas não são, infelizmente para certas pessoas, as propriedades químicas; não se pode colocá-la num frasco para conservá-la num museu anatômico, como se conserva um crânio; nisso, a grande Causa, verdadeiramente errou em não fazê-la mais agarrável: é que, provavelmente, não pensou no Sr. Figuier.
Qualquer que ela seja, de suas coisas uma: essa alma, se alma há, vive ou não vive depois da morte; é alguma coisa ou é o nada, não há meio termo. Ela vive para sempre ou por um tempo? Se ela deve desaparecer em um tempo dado, antes valeria que o fosse logo em seguida; um pouco mais cedo, ou um pouco mais tarde, com isso o homem não seria mais adiantado. Se ela vive, faz alguma coisa ou não faz nada; mas como admitir um ser inteligente que não faça nada, e isso durante a eternidade? Sem ocupação, a existência futura seria muito monótona. O Sr. Figuier, não admitindo que uma coisa inapreciável aos sentidos possa produzir quaisquer efeitos, é conduzido, em razão de seu ponto de partida, a esta conclusão, de que todo efeito deve ter uma causa material; por isso ele classifica no domínio do maravilhoso, quer dizer, da imaginação, todos os efeitos atribuídos à alma, e, por conseqüência, a própria alma, ela mesma, as suas propriedades, os seus fatos e os seus gestos de além-túmulo. Os simples, que têm a tolice de querer viver depois da morte, amam naturalmente tudo o que agrada aos seus desejos e vêm confirmar as suas esperanças; por isso, amam o maravilhoso. Até o presente se estava contente em dizer: "Tudo não morre com o corpo, ficai tranqüilos, disso vos damos a nossa palavra de honra." Era muito confortador, sem dúvida, mas uma pequena prova nada teria de perturbadora para o assunto; ora, eis que o Espiritismo, com os seus fenômenos, veio dar-lhes esta prova, a aceitam com alegria; eis todo o segredo da sua rápida propagação; ele dá a realidade a uma esperança: a de viver, e melhor do que isso, a de viver mais feliz; ao passo que vós, Sr. Figuier, vos esforçais para lhes provar que tudo isso não é senão quimera e ilusão; ele eleva a coragem, e vós a abateis; credes que, entre os dois, a escolha será duvidosa?
O desejo de reviver depois da morte é, pois, no homem, a fonte de seu amor pelo maravilhoso, quer dizer, por tudo o que se liga à vida de além-túmulo. Se alguns homens, seduzidos petos sofismas, puderam duvidar do futuro, não crede que isso seja deliberadamente; não, essa idéia lhes inspira pavor, e é com esse terror que sondam as profundezas do nada; o Espiritismo acalma as suas inquietações, dissipa as suas dúvidas; o que é vago, indeciso, incerto, toma uma forma, torna-se uma realidade consoladora; eis porque, em alguns anos, deu a volta ao mundo, porque todos querem viver, e o homem preferirá sempre as doutrinas que o confortam àquelas que o apavoram.
Voltemos à obra do Sr. Figuier, e digamos primeiro que o seu quarto volume, dedicado às mesas girantes e aos médiuns, tem as três quartas partes cheias de histórias que não lhe têm nenhuma relação, tão bem que o principal ali se torne o acessório. Cagliostro, o negócio do colar, que ali figura não se sabe porquê, a moça elétrica, os caracóis simpáticos, nele ocupam treze capítulos em dezoito; é verdade que essas histórias ali são tratadas com um verdadeiro luxo de detalhes e de erudição, que as fará lidas com interesse, toda opinião espírita à parte. Sendo o seu objetivo provar o amor do homem pelo maravilhoso, procura ele todos os contos que o bom senso, de todos os tempos, tem tomado pelo que eles valem, e se esforça por provar que são absurdos, o que ninguém contesta, e exclama: "Eis o Espiritismo fulminado!" Ao ouvi-to, crê-se que as proezas de Cagliostro e os contos de Hoffmann são, para os espíritas, artigos de fé, e que os caracóis simpáticos têm todas as suas simpatias.
O Sr. Figuier não rejeita todos os fatos, muito longe disso; ao contrário de outros críticos que negam tudo sem cerimônia, o que é mais cômodo, porque isso dispensa de toda explicação, ele admite perfeitamente as mesas girantes e os médiuns, tudo fazendo uma larga parte à velhacaria; as Senhoritas Fox, por exemplo, são insignes escamoteadoras, porque elas foram achincalhadas por jornais americanos pouco galantes; ele admite mesmo o magnetismo, como agente material, bem entendido, a força fascinadora da vontade e do olhar, o sonambulismo, a catalepsia, o hipnotismo, todos os fenômenos de biologia; que disso se guarde! vai passar por um iluminado aos olhos de seus confrades. Mas, conseqüente consigo mesmo, ele quer reconduzir tudo às leis da física e da fisiologia. Ele cita, é verdade, alguns testemunhos autênticos e dos mais honrosos em apoio dos fenômenos espíritas, mas se estende com complacência sobre todas as opiniões contrárias, sobretudo as dos sábios que, como o Sr. Chevreul e outros, procuraram as provas na matéria; ele tem em grande estima a teoria do músculo mentiroso dos Srs. Jobert e participantes. A sua teoria, como a lanterna mágica da fábula, peca por um ponto capital, e é que se perde numa complicação de explicações que pedem, elas mesmas, explicações para serem compreendidas. Um outro defeito, é que é, a cada passo, contraditada petos fatos dos quais não pode dar conta e que o autor passa em silêncio, por uma razão muito simples, é que não os conhece; ele nada viu, ou pouco viu, por si mesmo; em uma palavra, ele nada aprofundou, de visu, com a sagacidade, a paciência e a independência de idéias do observador consciencioso; contenta-se com relatos mais ou menos fantásticos que encontrou em certas obras que não brilham pela imparcialidade; não tem em nenhuma conta os progressos da ciência em alguns anos; toma-a em seu início, quando caminhava tateante, e cada um lhe trazia uma opinião incerta e prematura, e quando ela estava longe de conhecer todos os fatos; absolutamente como se se quisesse julgar a química de hoje peto que ela era ao tempo de Nicolas Flamel. Em nossa opinião, por sábio que ele seja, ressente-se, pois, da primeira qualidade de um crítico, a de conhecer a fundo a coisa da qual fala, condição ainda mais necessária quando se quer explicá-la.
Não o seguiremos em todos os seus raciocínios; preferimos remeter à sua obra que todo espírita pode ler sem o menor perigo para as suas convicções; não citaremos senão a passagem onde ele explica a sua teoria das mesas girantes, que quase resume a de todos os outros fenômenos.
"Vem em seguida a teoria que explica os movimentos da mesa pelos Espíritos. Se a mesa gira depois de um quarto de hora de recolhimento e de atenção da parte dos experimentadores, é, diz-se, que os Espíritos, bons ou maus, anjos ou demônios, entraram na mesa e a puseram em oscilação. O leitor deseja que discutamos esta hipótese? Não p pensamos. Se empreendêssemos provar, à força de argumentos lógicos, que o diabo não entra nos móveis para fazê-los dançar, nos seria preciso igualmente empreender demonstrar que não são os Espíritos que, introduzidos no nosso corpo, nos fazem agir, falar, sentir, etc. (1-(1) Não são os Espíritos que nos fazem agir e pensar, mas um Espirito que é a nossa alma. Negar este Espirito, é negar a alma; negar a alma é proclamar o materialismo puro. Parece que o Sr. Figuier pensa que, como ele. ninguém crê ter uma alma imortal, ou que ele crô ser todo o mundo. ). Todos esses fatos são da mesma ordem, e aquele que admite a intervenção do demônio para fazer girar uma mesa, deve recorrer à mesma influência sobrenatural para explicar os atos que não ocorrem senão em virtude da nossa vontade e pelo socorro dos nossos órgãos. Ninguém nunca quis atribuir seriamente os efeitos da vontade sobre os nossos órgãos, por misteriosa que seja a essência desse fenômeno, à ação de um anjo ou de um demônio. Todavia, é a essa conseqüência que são conduzidos aqueles que querem informar a rotação das mesas a uma causa sobre-humana.

"Dizemos, para terminar esta discussão, que a razão proíbe recorrer a uma causa sobrenatural, em toda parte onde uma causa natural pode bastar. Uma causa natural, normal, fisiológica, pode ser invocada para a explicação do giro das mesas? Aí está toda a questão.
"Eis, pois, que somos conduzidos a expor o que nos parece dar conta do fenômeno estudado nesta última parte do nosso livro.
"A explicação do fato das mesas girantes, considerado em sua maior simplicidade, nos parece ser fornecida por esses fenômenos cujo nome variou muito até aqui, mas cuja natureza é, no fundo, idêntico, quer dizer, porque alternativamente se chamou hipnotismo, com o doutor Braid, biologismo com o Sr. Philips, sugestão como Sr. Carpenter. Lembremos que, em conseqüência da forte tensão cerebral resultante da contemplação, muito tempo mantida, de um objeto imóvel, o cérebro cai num estado particular, que recebeu, sucessivamente, os nomes de estado magnético, de sono nervoso e de estado biológico, nomes diferentes que designam certas variantes particulares de um estado geralmente idêntico.
"Uma vez levado a este estado, seja pelos passes de um magnetizador, como se faz desde Mesmer, seja pela contemplação de um corpo brilhante, como operava Braid, imitado depois pelo Sr. Philips, e como operam ainda os os feiticeiros árabes e egípcios, seja simplesmente, enfim, por uma forte contenção moral, como disso citamos mais de um exemplo, o indivíduo cai nessa passividade automática que constitui o sono nervoso. Ele perdeu o poder de dirigir e de controlar a sua própria vontade, e está em poder de uma vontade estranha. Se lhe apresenta um copo de água afirmando, com autoridade, que é uma deliciosa bebida, ele a bebe crendo beber vinho, um licor ou leite, segundo a vontade daquele que se apoderou fortemente do seu ser. Assim, privado do socorro do seu próprio julgamento, o indivíduo permanece quase estranho às ações que executa, e uma vez retornado ao seu estado natural, perdeu a lembrança dos atos que realizou durante essa estranha e passageira abdicação de seu eu. Está sob a influência de sugestões, quer dizer que, aceitando sem poder repeli-la, uma idéia fixa que lhe é imposta por uma vontade exterior, ele age, e é forçado a agir sem idéia e sem vontade própria, por conseqüência, sem consciência. Esse sistema levanta uma grave questão de psicologia, porque o homem, assim influenciado, perdeu seu livre arbítrio, e não tem mais a responsabilidade pelas ações que executa. Ele age, determinado por imagens intrusas que obsidiam seu cérebro, análogas a essas visões que Cuviers supôs fixadas no sensorium da abelha, e que lhe representam a forma e as proporções da célula que um instinto a impele construir. O princípio das sugestões dá perfeitamente conta dos fenômenos, tão variados e às vezes tão terríveis da alucinação, e mostra, ao mesmo tempo, o pouco de intervalo que separa a alucinação da monomania. Não será necessário mais espantar-se se, num número bastante grande de giradores de mesas, a alucinação sobreviveu à experiência e se transformou em loucura definitiva.

"Esse princípio das sugestões, sob a influência do sono nervoso, nos parece fornecer a explicação do fenômeno da rotação das mesas, tomado em sua maior simplicidade. Consideremos o que se passa numa cadeia de pessoas que se entregam a uma experiência desse gênero. Essas pessoas estão atentas, preocupadas, fortemente emocionadas pela espera do fenômeno que se deve produzir. Uma grande atenção, um recolhimento completo de Espírito é recomendado. À medida que essa tensão se prolonga, e que a contenção moral permanece muito tempo mantida entre os experimentadores, seu cérebro se fatiga cada vez mais, suas idéias sentem uma ligeira perturbação. Quando assistimos, durante o inverno do ano 1860, às experiências feitas em Paris pelo Sr. Philips; quando vimos as dez ou doze pessoas às quais ele confiava um disco metálico, com a injunção de considerar fixa e unicamente esse disco colocado no côncavo da mão durante uma meia hora, não pudemos nos negar de encontrar, nessas condições reconhecidas indispensáveis para a manifestação do estado hipnótico, a fiel imagem do estado em que se encontram as pessoas formando silenciosa cadeia, para obter a rotação da mesa. Num e noutro caso, há uma forte contenção do Espírito, uma idéia exclusivamente perseguida durante um tempo considerável. O cérebro humano não pode resistir, por muito tempo, a essa excessiva tensão, a essa acumulação anormal do influxo nervoso. Sobre as dez ou doze pessoas que se entregaram a essa alteração, a maioria abandona a experiência, forçada em renunciá-la pela fatiga nervosa que sentem. Somente alguns, um ou dois, que nela perseveram, caem vítimas do estado hipnótico ou biológico, e dão, então, lugar aos fenômenos diversos que examinamos falando no curso desta obra, do hipnotismo e do estado biológico.
"Nessa reunião de pessoas fixamente ligadas, durante vinte minutos ou meia hora, para formarem a cadeia, as mãos postas espalmadas sobre uma mesa sem terem a liberdade de distrair um instante a sua atenção da operação da qual tomam parte, o maior número não sente nenhum efeito particular. Mas é muito difícil que uma delas, uma só se se quer, não caia, por um momento, vítima do estado hipnótico biológico. Não seria preciso talvez senão um segundo de duração desse estado, para que o fenômeno esperado se realize. O membro da cadeia caído nesse semi-sono nervoso, não tendo mais consciência de seus atos, e não tendo outro pensamento senão a idéia fixa da rotação da mesa, imprime, com o seu desconhecimento o movimento ao móvel; ele pode, nesse momento, desdobrar uma força muscular relativamente considerável e a mesa se arremessa. Dado esse impulso, realizado esse ato inconsciente, nada lhe é mais necessário. O indivíduo, assim passageiramente biotogizado, pode em seguida retornar ao seu estado ordinário; porque apenas esse movimento de deslocamento mecânico se manifestou na mesa que logo todas as pessoas compondo a cadeia se levantam e seguem os seus movimentos, de outro modo dito, fazem a mesa caminhar crendo somente segui-la. Quanto ao indivíduo, causa involuntária, inconsciente, do fenômeno como não conserva nenhuma lembrança dos atos que realizou no estado de sono nervoso, ele mesmo ignora o que fez e se indigna, de muito boa fé, sendo acusado de ter empurrado a mesa. Supõe mesmo os outros membros da cadeia não terem agido com a má fé de que são acusados. Daí essas freqüentes discussões e mesmo essas disputas sérias às quais, muito freqüentemente, deram lugar a distração das mesas girantes.
"Tal é a explicação que cremos poder apresentar no que concerne ao fato da rotação das mesas, tomado em sua maior simplicidade. Quanto aos movimentos da mesa respondendo a perguntas: os pés que se erguem aos comandos, e que, pelo número de golpes, respondem às perguntas feitas, o mesmo sistema disso dá conta, admitindo-se que, entre os membros da cadeia, há um cujo estado nervoso conserva uma certa duração. Esse indivíduo, hipnotizado com seu desconhecimento, responde às perguntas e às ordens que lhes são dadas, inclinando a mesa, ou fazendo-a bater pancadas, de conformidade com as perguntas. Retornado em seguida ao seu estado natural, esqueceu todos os atos assim realizados, do mesmo modo que todo indivíduo magnetizado, hipnotizado, perdeu as lembranças dos atos que executou nesse estado. Ó indivíduo que desempenha esse papel com o seu desconhecimento, é, pois, uma espécie de dorminhoco desperto; ele não está sui compôs, está num estado mental que participa do sonambulismo e da fascinação. Ele não dorme, está encantado ou fascinado em conseqüência da forte concentração moral que se impôs: é um médium. Como esse último exercício é de uma ordem superior ao primeiro, não pode ser obtido em todos os grupos. Para que a mesa responda às perguntas feitas, é necessário que os indivíduos que operam hajam praticado com continuidade o fenômeno da mesa girante, e que, entre eles, se encontre um sujeito particularmente apto a cair nesse estado, que nele cai mais depressa pelo hábito e nele persevera por mais tempo: é preciso, em uma palavra, um médium experimentado.
"Mas, dir-se-á, vinte minutos ou meia hora não são necessários para obter a rotação de uma mesinha redonda de pé único ou de uma mesa. Freqüentemente, ao cabo de quatro ou cinco minutos, a mesa se coloca em movimento. A esse respeito, respondemos que um magnetizador, quando opera com seu sujeito habitual ou com um sonâmbulo de profissão, faz esse cair em sonambulismo em um minuto ou dois, sem passes, sem aparelhos, e unicamente com a imposição fixa de seu olhar. Aqui, foi o hábito que tornou o fenômeno fácil e rápido. Do mesmo modo, os médiuns exercitados podem, em muito pouco tempo, chegar a esse estado de semi-sono nervoso, que deve tornar inevitável o fato da rotação da mesa ou o movimento impresso por ele a esse móvel, de conformidade com a pergunta feita."
Não sabemos como o Sr. Figuier aplicaria sua teoria aos movimentos que ocorre, aos ruídos que se fazem ouvir, ao deslocamento dos objetos, sem o contato do médium, sem a participação da vontade, contra a sua vontade; mas há muitas outras coisas que ele não explica. De resto, mesmo aceitando a sua teoria, ela revelaria um fenômeno fisiológico dos mais extraordinários e bem digno da atenção dos sábios; porque, pois, o desdenharam?
O Sr. Figuier termina seu Tratado do Maravilhoso por uma curta notícia sobre O Livro dos Espíritos. Ele o julga naturalmente sob o seu ponto de vista: "A filosofia, disse ele, nele está fora de moda, e a moral dormente." Teria, sem dúvida gostado de uma moral galhofeira e despertante; mas que fazer dela? É uma moral para uso da alma; de resto sempre terá tido uma vantagem: a de fazê-lo dormir; é para ele uma receita em caso de insônia.


O Céu e o Inferno - CAPÍTULO VII - As penas futuras segundo o Espiritismo
A carne é fraca
Há tendências viciosas que são evidentemente próprias do Espírito, porque se apegam mais ao moral do que ao físico; outras, parecem antes dependentes do organismo, e, por esse motivo, menos responsáveis são julgados os que as possuem: consideram-se como tais as disposições à cólera, à preguiça, à sensualidade, etc.
Hoje, está plenamente reconhecido pelos filósofos espiritualistas que os órgãos cerebrais correspondentes a diversas aptidões devem o seu desenvolvimento à atividade do Espírito. Assim, esse desenvolvimento é um efeito e não uma causa. Um homem não é músico porque tenha a bossa da música, mas possui essa tendência porque o seu Espírito é musical. Se a atividade do Espírito reage sobre o cérebro, deve também reagir sobre as outras partes do organismo.
O Espírito é, deste modo, o artista do próprio corpo, por ele talhado, por assim dizer, à feição das suas necessidades e à manifestação das suas tendências.
Desta forma a perfeição corporal das raças adiantadas deixa de ser produto de criações distintas para ser o resultado do trabalho espiritual, que aperfeiçoa o invólucro material à medida que as faculdades aumentam.
Por uma conseqüência natural deste principio, as disposições morais do Espírito devem modificar as qualidades do sangue, dar-lhe maior ou menor atividade, provocar uma secreção mais ou menos abundante de bílis ou de quaisquer outros fluidos. É assim, por exemplo, que ao glutão enche-se-lhe a boca de saliva diante dum prato apetitoso.
Certo é que a iguaria não pode excitar o órgão do paladar, uma vez que com ele não tem contacto; é, pois, o Espírito, cuja sensibilidade é despertada, que atua sobre aquele órgão pelo pensamento, enquanto que outra pessoa permanecerá indiferente à vista do mesmo acepipe. É ainda por este motivo que a pessoa sensível facilmente verte lágrimas. Não é, porém, a abundância destas que dá sensibilidade ao Espírito, mas precisamente a sensibilidade deste que provoca a secreção abundante das lágrimas. Sob o império da sensibilidade, o organismo condiciona-se à disposição normal do Espírito, do mesmo modo por que se condiciona à disposição do Espírito glutão.
Seguindo esta ordem de idéias, compreende-se que um Espírito irascível deve encaminhar-se para estimular um temperamento bilioso, do que resulta não ser um homem colérico por bilioso, mas bilioso por colérico. O mesmo se dá em relação a todas as outras disposições instintivas: um Espírito indolente e fraco deixará o organismo em estado de atonia relativo ao seu caráter, ao passo que, ativo e enérgico, dará ao sangue como aos nervos qualidades perfeitamente opostas. A ação do Espírito sobre o físico é tão evidente que não raro vemos graves desordens orgânicas sobrevirem a violentas comoções morais.
A expressão vulgar: - A emoção transtornou-lhe o sangue - não é tão destituída de sentido quanto se poderia supor. Ora, que poderia transtornar o sangue senão as disposições morais do Espírito?
Pode admitir-se por conseguinte, ao menos em parte, que o temperamento é determinado pela natureza do Espírito, que é causa e não efeito.
E nós dizemos em parte, porque há casos em que o físico influi evidentemente sobre o moral, tais como quando um estado mórbido ou anormal é determinado por causa externa, acidental, independente do Espírito, como sejam a temperatura, o clima, os defeitos físicos congênitos, uma doença passageira, etc.
O moral do Espírito pode, nesses casos, ser afetado em suas manifestações pelo estado patológico, sem que a sua natureza intrínseca seja modificada. Escusar-se de seus erros por fraqueza da carne não passa de sofisma para escapar a responsabilidades.
A carne só é fraca porque o Espírito é fraco, o que inverte a questão deixando àquele a responsabilidade de todos os seus atos. A carne, destituída de pensamento e vontade, não pode prevalecer jamais sobre o Espírito, que é o ser pensante e de vontade própria.
O Espírito é quem dá à carne as qualidades correspondentes ao seu instinto, tal como o artista que imprime à obra material o cunho do seu gênio. Libertado dos instintos da bestialidade, elabora um corpo que não é mais um tirano de sua aspiração, para espiritualidade do seu ser, e é quando o homem passa a comer para viver e não mais vive para comer.
A responsabilidade moral dos atos da vida fica, portanto, intacta; mas a razão nos diz que as conseqüências dessa responsabilidade devem ser proporcionais ao desenvolvimento intelectual do Espírito. Assim, quanto mais esclarecido for este, menos desculpável se torna, uma vez que com a inteligência e o senso moral nascem as noções do bem e do mal, do justo e do injusto.
Esta lei explica o insucesso da Medicina em certos casos. Desde que o temperamento é um efeito e não uma causa, todo o esforço para modificá-lo se nulifica ante disposições morais do Espírito, opondo-lhe uma resistência inconsciente que neutraliza a ação terapêutica. Por conseguinte, sobre a causa primordial é que se deve atuar.
Dai, se puderdes, coragem ao poltrão, e vereis para logo cessados os efeitos fisiológicos do medo. Isto prova ainda uma vez a necessidade, para a arte de curar, de levar em conta a influência espiritual sobre os organismos. (Revue Spirite, março de 1869, pág. 65.)


Obras Póstumas - Fotografia e telegrafia do pensamento
A fotografia e a telegrafia do pensamento são questões até aqui apenas afloradas. Como todas aquelas que não dizem respeito às leis que, por essência, devem ser universalmente manifestadas, foram relegadas a segundo plano, se bem que a sua importância seja capital e que os elementos de estudo, que elas encerram, sejam chamados a esclarecer muitos problemas, até aqui, permanecidos sem solução.
Quando um artista de talento executa um quadro, a obra magistral à qual consagra todo o gênio que adquiriu progressivamente, nele estabelece primeiro as grandes massas, de maneira a ser compreendido, desde o esboço, todo o partido que dele espera tirar; não é senão depois de ter elaborado minuciosamente o seu plano geral, que ele procede à execução dos detalhes; e, se bem que este trabalho deva ser tratado com mais cuidado talvez do que o esboço, seria, entretanto, impossível se este último não o precedesse. Ocorre o mesmo no Espiritismo. As leis fundamentais, os princípios gerais, cujas raízes existem no espírito de todo ser criado, deveram ser elaboradas desde a origem. Todas as outras questões, quaisquer que elas sejam, dependem das primeiras; é a razão que dele faz, durante um certo tempo, negligenciar o estudo direto.
Com efeito, não se pode, logicamente, falar de fotografia e de telegrafia do pensamento, antes de ter demonstrado a existência da alma, que manobra os elementos fluídicos, e a dos fluidos que permitem estabelecer relações entre duas almas distintas. Hoje ainda, quase que não estamos suficientemente esclarecidos para a elaboração definitiva desses imensos problemas! Contudo, algumas considerações de natureza a preparar um estudo mais completo, certamente, aqui não estarão deslocadas.
Estando o homem limitado em seus pensamentos e em suas aspirações, os seus horizontes estando limitados, há de lhe ser preciso, necessariamente, concretizar e etiquetar todas as coisas para delas guardar uma lembrança apreciável, e basear sobre os dados adquiridos os seus estudos futuros. As primeiras noções do conhecimento lhe vieram pelo sentido da visão; foi a imagem de um objeto que lhe ensinou que o objeto existia. Conhecendo vários objetos, tirando deduções de impressões diferentes que eles produziam sobre o seu ser íntimo, deles fixou a quintessência, em sua inteligência, pelo fenômeno da memória. Ora, o que é a memória senão uma espécie de álbum mais ou menos volumoso, que se folheia para se encontrar as idéias apagadas e retraçar os acontecimentos desaparecidos! Esse álbum tem marcas nos lugares notáveis; lembra-se imediatamente de certos fatos; é necessário folhear muito tempo para certos outros.
A memória é como um livro! Aquele do qual se lêem certas passagens, presentes essas passagens facilmente aos olhos; as folhas virgens, ou raramente percorridas, devem ser viradas uma a uma, para retraçar um fato no qual pouco se deteve.
Quando o Espírito encarnado se lembra, a sua memória lhe apresenta, de alguma sorte, a fotografia do fato que ele procura. Em geral, os encarnados que o cercam nada vêem; o álbum está num lugar inacessível à sua visão; mas os Espíritos vêem e folheiam conosco; em certas circunstâncias, eles podem mesmo, de propósito, ajudar a nossa procura ou perturbá-la.
O que se produz do encarnado para o Espírito, ocorre igualmente do Espírito ao vidente; quando se evoca a lembrança de certos fatos na existência de um Espírito, a fotografia desses fatos se apresenta a ele, e o vidente, cuja situação espiritual é análoga à do Espírito livre, vê, como ele, e vê mesmo, em certas circunstâncias, o que o Espírito não vê por si mesmo; do mesmo modo que um desencarnado pode folhear na memória de um encarnado, sem que este disso tenha consciência, e lembrar-lhe os fatos esquecidos há muito tempo. Quanto aos pensamentos abstratos, por isso mesmo que eles existem, tomam um corpo para impressionar o cérebro; devem agir naturalmente sobre ele, burilarem-se de alguma sorte; nesse caso ainda, como no primeiro, a semelhança entre os fatos que existem na Terra e no espaço, parece perfeita.
O fenômeno da fotografia do pensamento, tendo já sido o objeto de algumas reflexões na Revista, para maior clareza, reproduziremos algumas passagens do artigo onde esse assunto foi tratado, e que completamos com novas notas.
Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este age sobre os fluidos como o som age sobre o ar; carregam o pensamento como o ar nos traz o som. Pode-se, pois, dizer, com toda a verdade, que há nos fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam, sem se confundirem, como há no ar ondas e raios sonoros.
Há mais: o pensamento, criando imagens fluídicas, se reflete no envoltório perispiritual como numa chapa de vidro, ou ainda como essas imagens de objetos terrestres que se refletem no vapor do ar; aí toma um corpo e se fotografa de alguma sorte. Que um homem, por exemplo, tenha a idéia de matar um outro, por impassível que seja o seu corpo material, o seu corpo fluídico é colocado em ação pelo pensamento, do qual reproduz todas as nuanças; ele executa fluidicamente o gesto, o ato que desejou realizar; o seu pensamento cria a imagem da vítima, e a cena inteira se pinta, como num quadro, tal como está em seu espírito.
É assim que os movimentos mais secretos da alma repercutem no seu envoltório fluídico; que uma alma pode ler numa outra alma, como num livro, e ver o que não é perceptível para os olhos do corpo. Os olhos do corpo vêem as impressões interiores que se refletem sobre os traços do rosto: a cólera, a alegria, a tristeza; mas a alma vê sobre os traços da alma os pensamentos que não se traduzem por fora.
Contudo, se vendo a intenção, a alma pode pressentir o cumprimento de um ato, que lhe será a conseqüência, não pode, entretanto, determinar o momento em que ocorrerá, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os planos suspensos e mudar as disposições. Ela não pode ver o que ainda não está no pensamento; o que ela vê é a preocupação do momento ou habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, suas intenções boas ou más; daí os erros nas previsões de certos videntes. Quando um acontecimento está subordinado ao livre arbítrio de um homem, eles não podem senão pressentir segundo o pensamento que vêem, mas não afirmarem que ocorrerá de tal maneira e em tal momento. A maior ou menor exatidão nas previsões depende, além disso, da extensão e da clareza da visão psíquica; em certos indivíduos, Espíritos ou encarnados, é limitada a um ponto ou difusa; ao passo que em outros ela é clara e abarca o conjunto dos pensamentos e das vontades que devem concorrer para a realização de um fato. Mas, acima de tudo, há sempre a vontade superior que pode, em sua sabedoria, permitir uma revelação ou impedila; neste último caso, um véu impenetrável é lançado sobre a visão psíquica mais perspicaz. (Vede, em A Gênese, o capítulo da Presciência.)
A teoria das criações fluídicas e, por conseqüência, da fotografia do pensamento, é uma conquista do Espiritismo moderno, e pode ser, doravante, considerada como adquirida em princípio, salvo as aplicações de detalhes que serão o resultado da observação. Esse fenômeno é, incontestavelmente, a fonte das visões fantásticas e deve desempenhar um grande papel em certos sonhos.
Quem é aquele que sabe, sobre a Terra, de qual maneira se produziram os primeiros meios de comunicação do pensamento? Como foram inventados, ou antes, encontrados? Porque não se inventa nada, tudo existe no estado latente; cabe aos homens procurarem os meios de pôr a trabalhar as forças que a Natureza lhe oferece. Quem sabe o tempo que foi necessário para se servir da palavra de um modo completamente inteligível?
O primeiro que soltou um grito inarticulado tinha bem uma certa consciência do que queria expressar, mas aqueles aos quais se dirigia, primeiramente não lhe compreenderam nada; não foi senão por uma longa seqüência de tempo que existiram as palavras convencionais, depois frases curtas, depois, enfim, discursos inteiros. Quantos milhares de anos não foram necessários para chegar-se ao ponto em que a Humanidade se encontra hoje! Cada progresso, no mundo da comunicação, de relação entre os homens, foi constantemente marcado por uma melhoria no estado social dos seres. À medida que as relações de indivíduo para indivíduo se tornam mais estreitas, mais regulares, sente-se a necessidade de um novo modo de linguagem mais rápido, mais capaz de pôr os homens em relação instantânea e universalmente, uns com os outros. Por que o que ocorreu no mundo físico, pela telegrafia elétrica, não ocorreria no mundo moral, de encarnado a encarnado, pela telegrafia humana? Por que as relações ocultas que unem, mais ou menos conscientemente, os pensamentos dos homens e dos Espíritos, pela telegrafia espiritual, não se generalizariam, entre os homens, de maneira consciente?
A telegrafia humana! Certamente, eis com que provocar o sorriso daqueles que se recusam a admitir tudo o que não cai sob os seus sentidos materiais. Mas que importam as zombarias dos presunçosos? Todas as suas negações não impedirão às leis naturais de seguirem o seu curso e de encontrarem novas aplicações, à medida que a inteligência humana estiver em condições de sentir-lhes os efeitos.
O homem tem uma ação direta sobre as coisas como sobre as pessoas que o cercam. Freqüentemente, uma pessoa de quem se faz pouco caso, exerce uma influência decisiva sobre outras que têm uma reputação muito superior. Isso se prende a que, sobre a Terra, vêem sempre mais máscaras do que rosto, e que os olhos ali estão obscurecidos pela vaidade, interesse pessoal e todas as más paixões. A experiência demonstra que se pode agir sobre o espírito dos homens com o seu desconhecimento. Um pensamento superior, fortemente pensado, para me servir dessa expressão, pode, pois, segundo sua força e sua elevação, atingir mais perto, ou mais longe, homens que não têm nenhuma consciência da maneira pela qual ele lhe chega; do mesmo modo que, freqüentemente, aquele que o emite não tem consciência do efeito produzido por essa emissão. Aí está um jogo constante das inteligências humanas e de sua ação recíproca, umas sobre as outras. Juntai a isso a ação daquelas que estão desencarnadas e calculai, se o puderdes, o poder incalculável dessa força composta de tantas forças reunidas.
Se se pudesse duvidar do mecanismo imenso que o pensamento põe em jogo, e dos efeitos que ele produz de um indivíduo a outro, de um grupo de seres a um outro grupo, e, enfim, da ação universal dos pensamentos dos homens uns sobre os outros, o homem ficaria deslumbrado! Sentir-se-ia aniquilado diante dessa infinidade de detalhes, diante dessas redes inumeráveis ligadas, entre si, por uma poderosa vontade, e agindo harmonicamente para alcançar um objetivo único: o progresso universal.
Pela telegrafia do pensamento, apreciará, em todo o seu valor, a lei da solidariedade, refletindo que não há um pensamento, seja criminoso, seja virtuoso ou outro qualquer, que não tenha uma ação real sobre o conjunto dos pensamentos humanos e sobre cada um dentre eles; e se o egoísmo lhe fizesse desconhecer as conseqüências, para outro, de um pensamento perverso que lhe fosse pessoal, seria levado, por esse mesmo egoísmo, a bem pensar, para aumentar o nível moral geral, pensando nas conseqüências, sobre si mesmo, de um mau pensamento nos outros.
São outra coisa senão uma conseqüência da telegrafia humana do pensamento, esses choques misteriosos que nos previnem da alegria ou do sofrimento, num ser querido distante de nós? Não é por um fenômeno do mesmo gênero que devemos os sentimentos de simpatia ou de repulsa que nos arrastam para certos Espíritos e nos afastam de outros?
Certamente, aí está um campo imenso para o estudo e a observação, mas do qual não podemos perceber ainda senão o conjunto; o estudo dos detalhes será a conseqüência de um conhecimento mais completo das leis que regem a ação dos fluidos uns sobre os outros.


Obras Póstumas - A morte espiritual
A questão da morte espiritual é um dos princípios novos que marcam os passos do progresso da ciência espírita. A maneira pela qual foi apresentada, em certa teoria individual, de início fê-la rejeitar, porque parecia implicar, num tempo dado, a perda do eu individual, e assimilar as transformações da alma às da matéria, cujos elementos se desagregam para formar novo corpo. Os seres felizes e aperfeiçoados seriam, em realidade, novos seres, o que é inadmissível. A eqüidade das penas e dos gozos futuros não é evidente senão com a perpetuidade dos mesmos seres subindo a escala do progresso e se depurando pelo seu trabalho e os esforços de sua vontade.
Tais eram as conseqüências que se podiam tirar, a priori, dessa teoria. Todavia, nisso devemos convir, ela não foi apresentada com a bazófia de um orgulhoso vindo impor o seu sistema; o autor disse modestamente que vinha lançar uma idéia, sobre o terreno da discussão, e que da idéia poderia sair uma nova verdade. Segundo o conselho de nossos eminentes guias espirituais, teria pecado menos pelo fundo do que pela forma, que se prestou para uma falsa interpretação; foi por isso que nos convidou a estudar seriamente a questão; é o que tentaremos fazer, baseando-nos sobre a observação dos fatos que ressaltam da situação do Espírito nas duas épocas capitais, do retorno à vida corpórea e da reentrada na vida espiritual.
No momento da morte corpórea, vemos o Espírito entrar numa perturbação e perder a consciência de si mesmo, de sorte que jamais é testemunha do último suspiro de seu próprio corpo. Pouco a pouco a perturbação se dissipa e o Espírito se reconhece, como o homem que sai de um profundo sono; a sua primeira sensação é a de libertação de seu fardo carnal; depois vem a surpresa da visão do novo meio em que se encontra. Está na situação de um homem que se cloroformiza para fazer-lhe uma amputação, e que é transportado, durante o sono, para um outro lugar. Ao despertar, sente-se desembaraçado do membro que o fazia sofrer; freqüentemente, procura esse membro que está surpreso de não mais sentir; do mesmo modo, no primeiro momento, o Espírito procura o corpo; ele o vê a seu lado; sabe que é o seu e se espanta por estar dele separado; não é senão pouco a pouco que ele se dá conta de sua nova situação.
Nesse fenômeno, não se opera senão uma mudança de situação material; mas, no moral, o Espírito é exatamente o que era algumas horas antes; não sofre nenhuma modificação sensível; suas faculdades, suas idéias, seus gostos, suas tendências, seu caráter são os mesmos; as mudanças que ele pode sofrer não se operam senão gradualmente pela influência do que o cerca. Em resumo, não houve morte senão para o corpo somente; para o Espírito não houve senão sono.
Na reencarnação, as coisas se passam de modo contrário.
No momento da concepção do corpo destinado ao Espírito, este é preso por uma corrente fluídica que, semelhante a um laço, o atrai e o aproxima de sua nova morada. Desde então, ele pertence ao corpo, como o corpo lhe pertence até a morte deste último; no entanto, a união completa, a tomada de posse real não ocorre senão na época do nascimento.
Desde o instante da concepção, a perturbação se apodera do Espírito; suas idéias se tornam confusas, suas faculdades se anulam; a perturbação vai crescendo à medida que o laço se aperta; é completa nos últimos tempos da gestação; de sorte que o Espírito jamais é testemunha do nascimento de seu corpo, não mais do que o foi de sua morte; disso ele não tem nenhuma consciência.
A partir do momento em que a criança respira, a perturbação se dissipa pouco a pouco, as idéias retornam gradualmente, mas em outras condições do que na morte do corpo.
No ato da reencarnação, as faculdades do Espírito não estão simplesmente entorpecidas por uma espécie de sono momentâneo, como no retorno à vida espiritual; todas, sem exceção, passam ao estado latente. A vida corpórea tem por objetivo desenvolvê-las pelo exercício, mas nem todas podem sê-lo simultaneamente, porque o exercício de uma poderia prejudicar o desenvolvimento de outra, ao passo que, pelo desenvolvimento sucessivo, elas se apóiam uma sobre a outra. É, pois, útil que algumas fiquem em repouso, enquanto que outras se desenvolvem; é por isso que, em sua nova existência, o Espírito pode se apresentar sob um aspecto muito diferente, sobretudo se é mais avançado do que na existência precedente.
Num, a faculdade musical, por exemplo, poderá ser muito ativa; conceberá, perceberá, e em conseqüência executará tudo o que é necessário ao desenvolvimento dessa faculdade; numa outra existência será a vez da pintura, dos sistemas exatos, da poesia, etc.; enquanto que essas novas faculdades se exercem, a da música ficará latente, conservando em tudo o progresso realizado. Disso resulta que, aquele que foi artista numa existência, poderá ser um sábio, um homem de Estado, um estrategista numa outra, ao passo que será nulo sob o aspecto artístico e reciprocamente.
O estado latente das faculdades, na reencarnação, explica o esquecimento das existências precedentes, ao passo que, na morte do corpo, não estando as faculdades senão no estado de sono de pouca duração, a lembrança da vida que vem de deixar é completa ao despertar.
As faculdades que se manifestam estão naturalmente em relação com a posição que o Espírito deve ocupar no mundo, e as provas que escolheu; no entanto, freqüentemente, ocorre que os preconceitos sociais o deslocam, o que faz com que certas pessoas estejam, intelectual e moralmente, acima ou abaixo da posição que ocupam. Essa desclassificação, pelos entraves que traz, faz parte das provas; deve cessar com o progresso. Numa ordem social avançada, tudo se regula segundo a lógica das leis naturais, e aquele que não está apto senão para fazer sapatos, não é, pelo direito do nascimento, chamado a governar os povos.
Retornemos à criança. Até o nascimento, todas as faculdades estando no estado latente, o Espírito não tem nenhuma consciência de si mesmo. No momento do nascimento, as que devem se exercer não tomam subitamente o seu vôo; seu desenvolvimento segue o dos órgãos que devem servir à sua manifestação; pela sua atividade íntima, elas levam ao desenvolvimento do órgão correspondente, como o rebento nascente leva à casca da árvore. Disso resulta que, na primeira infância, o Espírito não tem o gozo da plenitude de nenhuma de suas faculdades, não somente como encarnado, mas mesmo como Espírito; é verdadeiramente criança, como o corpo ao qual está ligado. Não se encontra comprimido penosamente no corpo imperfeito, sem isso Deus teria feito da encarnação um suplício para todos os Espíritos, bons ou maus. Ocorre de outro modo com o idiota e o cretino; não sendo os órgãos desenvolvidos paralelamente com as faculdades, o Espírito acaba por se encontrar na posição de um homem apertado pelos laços que lhe tiram a liberdade de seus movimentos. Tal é a razão pela qual se pode evocar o Espírito de um idiota e dele obter respostas sensatas, ao passo que o de uma criança de tenra idade, ou que ainda não nasceu, é incapaz de responder.
Todas as faculdades, todas as aptidões, estão em germe no Espírito, desde a sua criação; aí estão no estado rudimentar, como todos os órgãos no primeiro fiozinho do feto informe, como todas as partes da árvore na semente. O selvagem que, mais tarde, tornar-se-á homem civilizado, possui, pois, nele, os germes que, um dia, dele farão um sábio, um grande artista ou um grande filósofo.
À medida que esses germes chegam à maturidade, a Providência lhe dá, para a vida terrestre, um corpo apropriado às suas novas aptidões; assim é que o cérebro de um Europeu é mais completamente organizado, provido de maior número de circunvoluções do que o do selvagem. Para a vida espiritual, dá-lhe um corpo fluídico, ou perispírito, mais sutil, impressionável a novas sensações. À medida que o Espírito se desenvolve, a Natureza o provê dos instrumentos que lhe são necessários.
No sentido de desorganização, de desagregação das partes, de dispersão dos elementos, não há de morte senão para o envoltório material e o envoltório fluídico, mas a alma, ou Espírito, não pode morrer para progredir; de outro modo perderia a sua individualidade, o que equivaleria ao nada. No sentido de transformação, regeneração, pode-se dizer que o Espírito morre a cada encarnação para ressuscitar com novos atributos, sem deixar de ser ele mesmo. Tal um camponês, por exemplo, que se enriquece e se torna grande senhor; deixou a choupana por um palácio, a veste por uma roupa bordada; tudo está mudado em seus hábitos, em seus gostos, em sua linguagem, mesmo em seu caráter; em uma palavra, o camponês está morto, enterrou a roupa grosseira, para renascer homem do mundo, e, no entanto, é sempre o mesmo indivíduo, mas transformado.
Cada existência corpórea é, pois, para o Espírito, uma ocasião de progresso mais ou menos sensível. Reentrado no mundo dos Espíritos, leva novas idéias; seu horizonte moral se alargou; suas percepções são mais finas, mais delicadas; vê e compreende o que não via e não compreendia antes; sua visão que, no princípio, não se estendia além de sua última existência, abarca sucessivamente as suas existências passadas, como o homem que se eleva, para que o nevoeiro se dissipe, abarca sucessivamente um mais vasto horizonte. A cada nova estação na erraticidade, se desenrolam aos seus olhos novas maravilhas do mundo invisível, porque de cada uma um véu se rasga. Ao mesmo tempo, seu envoltório fluídico se depura; torna-se mais leve, mais brilhante; mais tarde será resplandescente. É um Espírito quase novo; é o componês desbastado e transformado; o velho Espírito está morto, e, entretanto, é sempre o mesmo Espírito.
É assim, cremos, que convém entender a morte espiritual.


O Livro dos Espíritos - Parte Segunda – Capítulo 6 - Vida espírita
Ensaio teórico sobre a sensação nos Espíritos
257 O corpo é o instrumento da dor. Se não é sua causa primária, é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que a alma conserva disso pode ser de muito sofrimento, mas não pode provocar ação física. De fato, nem o frio, nem o calor podem desorganizar os tecidos da alma. Ela não pode congelar-se, nem queimar-se. Não vemos todos os dias a lembrança ou a preocupação com um mal físico produzir os efeitos desse mal, até mesmo ocasionar a morte? Todo mundo sabe que as pessoas que tiveram membros amputados sentem dor no membro que não existe mais. Certamente, não é nesse membro que está a sede ou o ponto de partida da dor, mas no cérebro, que conservou a impressão da dor. Podem-se admitir, portanto, reações semelhantes nos sofrimentos do Espírito após a morte. Um estudo mais aprofundado do perispírito, que desempenha um papel tão importante em todos os fenômenos espíritas como nas aparições vaporosas ou tangíveis, como na circunstância por que o Espírito passa no momento da morte; na idéia tão freqüente de que ainda está vivo, no quadro tão comovente dos suicidas e dos que foram martirizados, nos que se deixaram absorver pelos prazeres materiais e em tantos outros fatos, vieram lançar luz sobre a questão e deram lugar a explicações que resumimos a seguir.
O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo. O Espírito é quem o forma, tirando elementos do meio ambiente e do fluido universal. Ele é formado ao mesmo tempo de eletricidade, fluido magnético e até de alguma quantidade de matéria inerte. Pode-se dizer que é a matéria puríssima, o princípio da vida orgânica, mas não da vida intelectual. A vida intelectual está no Espírito. É, além disso, o agente das sensações exteriores. No corpo, essas sensações se localizam nos órgãos próprios que servem de canais condutores. Destruído o corpo, as sensações se tornam generalizadas. É por isso que o Espírito não diz sofrer mais da cabeça do que dos pés. É preciso precaução para não confundir as sensações do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo: podemos tomar essas sensações apenas como comparação, e não como analogia. Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer. Mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja exclusivamente moral, como o remorso, porque se queixa de frio e calor. Apesar disso, não sofre mais no inverno que no verão: nós o temos visto atravessar as chamas sem sofrer nada, nenhuma dor, o fogo não lhe causa nenhuma impressão. A dor que sente não é física propriamente dita, é um vago sentimento íntimo que o próprio Espírito nem sempre entende, precisamente porque a dor não está localizada e não é produzida por agentes externos: é mais uma lembrança do que uma realidade, mas é uma recordação também dolorosa. Há, entretanto, algumas vezes, mais que uma lembrança, como iremos ver.
A experiência nos ensina que no momento da morte o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do corpo. Nos primeiros instantes seguidos ao desencarne, o Espírito não entende a sua situação: não acredita estar morto, sente-se vivo, vê seu corpo de um lado, sabe que é seu e não entende por que está separado dele. Essa situação persiste enquanto o laço entre o corpo e o perispírito não se romper por completo. Um suicida nos disse: “Não, não estou morto”, e acrescentava:“E, entretanto, sinto os vermes que me roem”. Porém, seguramente, os vermes não roíam o seu perispírito, e muito menos o Espírito; roíam-lhe apenas o corpo. Mas como a separação do corpo e do perispírito não estava concluída, disso se originava uma espécie de repercussão moral que lhe transmitia a sensação do que se passava no seu corpo. Repercussão não é bem a palavra que dê a idéia exata do que ocorre, porque pode fazer supor um efeito muito material. Era antes e de fato a visão do que se passava no cadáver, que ainda estava ligado ao seu perispírito, produzindo nele essa sensação que tomava como real, como autêntica. Desse modo, não era uma lembrança, uma vez que durante sua vida nunca tinha sido roído por vermes; era uma sensação nova e atual. Vemos, assim, que deduções se podem tirar dos fatos, quando observados atentamente.
Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que se chama de fluido nervoso. Estando o corpo morto, não sente mais nada, porque não possui mais Espírito, nem perispírito. O perispírito, desprendido do corpo, experimenta a sensação, mas como ela não lhe chega mais por um canal limitado, próprio, torna-se geral. Portanto, como o perispírito é na realidade um agente de transmissão das sensações que se produzem do corpo para o Espírito, porque é no Espírito que está a consciência, disso se deduz que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, ele não sentiria mais do que sente um corpo morto. Da mesma forma, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a qualquer sensação dolorosa, como ocorre com os Espíritos completamente purificados. Sabemos que, quanto mais o Espírito se purifica, mais a essência do perispírito se torna etérea, do que se conclui que a influência material diminui à medida que o Espírito progride e, por conseqüência, o próprio perispírito torna-se menos grosseiro.
Mas, dirão, as sensações agradáveis são transmitidas ao Espírito por meio do perispírito, da mesma forma que as sensações desagradáveis; sendo o Espírito puro inacessível a umas, deve ser igualmente inacessível a outras. Sim, sem dúvida, assim é de fato para as sensações que provêm unicamente da influência da matéria que conhecemos, por exemplo: o som de nossos instrumentos e o perfume de nossas flores não lhes causam nenhuma impressão. Porém, o Espírito têm sensações íntimas de um encanto indefinível, das quais não podemos fazer nenhuma idéia, por sermos, a esse respeito, como cegos de nascença perante a luz: sabemos que elas existem, mas por que meio se produzem não o sabemos. Termina aí nossa ciência. Sabemos que o Espírito têm percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades são generalizadas por todo o ser, e não, como no homem, só em uma parte do seu ser. Mas de que modo ele as tem? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não podem nos dar idéia precisa, porque a nossa linguagem não pode exprimir idéias que não conhecemos, da mesma forma que para os selvagens não há termos para exprimir nossas artes, ciências e doutrinas filosóficas.
Ao dizer que os Espíritos são inacessíveis às impressões de nossa matéria, estamos nos referindo aos Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não tem nada de semelhante ao que conhecemos aqui na Terra. O mesmo não ocorre com os de perispírito mais denso: estes percebem nossos sons e odores, mas não por uma parte limitada de sua individualidade, como quando encarnados. Pode-se dizer que neles as vibrações moleculares se fazem sentir em todo seu ser e chegam assim ao seu sensoriumcommune2, que é o próprio Espírito, embora de um modo diferente, o que produz uma modificação na percepção. Eles ouvem o som de nossa voz e, no entanto, nos compreendem sem necessidade da palavra, apenas pela transmissão do pensamento; isso vem em apoio ao que dissemos: a percepção dessas vibrações é tão mais fácil quanto mais desmaterializado está o Espírito. Quanto à visão, é independente de nossa luz. O dom da visão é um atributo essencial da alma, para ela não há obscuridade; mas é mais ampla e penetrante para os que estão mais purificados. A alma ou o Espírito tem nela mesma todos os dons e recursos de todas as percepções. Na vida corporal são limitados pela grosseria dos órgãos físicos; na vida extracorporal são cada vez menos limitados, à medida que menos denso se torna o envoltório semimaterial.
Esse envoltório, o perispírito, tirado do meio ambiente, varia de acordo com a natureza dos mundos. Ao passar de um mundo para outro, os Espíritos mudam de envoltório, assim como mudamos de roupa quando passamos do inverno para o verão, ou de um pólo para o Equador. Os Espíritos mais elevados, quando vêm nos visitar, se revestem do perispírito terrestre e, assim, suas percepções são como as dos Espíritos do lugar onde estão. Porém, todos, tanto inferiores quanto superiores, apenas ouvem e sentem o que querem ouvir ou sentir. Tendo em vista que não possuem os órgãos sensitivos, podem tornar, à vontade, suas percepções ativas ou nulas; há apenas uma situação a que são obrigados: a de ouvir os conselhos dos bons Espíritos. A visão é sempre ativa, mas podem reciprocamente se tornar invisíveis uns aos outros. De acordo com a posição que ocupam, podem se ocultar dos que lhes são inferiores, mas não dos superiores. Nos primeiros momentos que se seguem ao desencarne, a visão do Espírito é sempre perturbada e confusa; porém, vai se aclarando à medida que se liberta do corpo físico e pode adquirir nitidez igual à que tinha durante a vida terrena, além de contar com a possibilidade de poder ver através dos corpos que são opacos para nós. Quanto a poder alcançar a visão do espaço infinito, do futuro e do passado, depende do grau de pureza e da elevação do Espírito.
Toda essa teoria, alegarão alguns, não é nada tranqüilizadora. Pensávamos que uma vez livres do corpo, instrumento de nossas dores, não sofreríamos mais. Agora nos dizeis que ainda sofreremos, desta ou daquela forma, mas que será sempre sofrimento. Ah, sim! Podemos ainda sofrer, e muito, por um longo tempo, mas podemos também parar de sofrer, já desde o instante em que deixarmos a vida corporal.
Os sofrimentos aqui da Terra, algumas vezes, independem de nós, mas muitos são as conseqüências da nossa vontade, e se buscarmos as origens constataremos que, em sua maior parte, resultam de causas que poderíamos evitar. Quantos males, quantas enfermidades o homem não deve aos seus excessos, à sua ambição, às suas paixões? O homem que sempre tivesse vivido sobriamente, que não tivesse cometido abusos, que sempre tivesse sido simples em seus gostos, modesto em seus desejos, se pouparia de muitos sofrimentos. O mesmo acontece com o Espírito: as angústias que enfrenta são a conseqüência da maneira como viveu na Terra. Sem dúvida, não terá mais artrite nem reumatismo, mas terá outros sofrimentos que não são menores. Temos visto que os sofrimentos que sente são causados pelos laços que ainda existem entre ele e a matéria e, quanto mais se desmaterializa, menos tem sensações dolorosas. Portanto, depende do homem querer libertar-se dessa influência já em vida; tem seu livre-arbítrio e, conseqüentemente, a escolha entre fazer e não fazer. Que ele dome suas paixões brutais, não tenha ódio, inveja, ciúme, nem orgulho; que purifique sua alma pelos bons sentimentos; que faça o bem; que dê às coisas deste mundo a importância que merecem; então, ainda no corpo físico, já estará purificado, desprendido da matéria, e quando o deixar não sofrerá mais sua influência. Os sofrimentos físicos que experimentou não deixarão nenhuma lembrança dolorosa; não restará nenhuma impressão desagradável, porque afetou apenas o corpo e não o Espírito. Ficará feliz por estar livre delas, e a calma de sua consciência o livrará de todo sofrimento moral.
Interrogamos milhares de Espíritos que haviam pertencido a todas as classes da sociedade e a todas as posições sociais, quando na Terra. Nós os estudamos em todos os períodos de sua vida espírita, desde o instante em que deixaram o corpo; nós os seguimos passo a passo na vida após a morte para observar as mudanças que se operavam neles, nas idéias, nas sensações. E sob esse aspecto, os homens mais simples foram os que nos forneceram materiais de estudo mais preciosos, porque notamos sempre que os sofrimentos estão relacionados à conduta que tiveram na vida corpórea da qual sofrem as conseqüências, e que essa nova existência é fonte de uma felicidade indescritível para aqueles que seguiram o bom caminho. Deduz-se que sofrem porque merecem e só podem queixar-se de si mesmos, tanto neste quanto no outro mundo.


A Gênese - CAPÍTULO XIV

I. NATUREZA E PROPRIEDADES DOS FLUIDOS
Elementos fluídicos
1. - A Ciência resolveu a questão dos milagres que mais particularmente derivam do elemento material, quer explicando-os, quer lhes demonstrando a impossibilidade, em face das leis que regem a matéria. Mas, os fenômenos em que prepondera o elemento espiritual, esses, não podendo ser explicados unicamente por meio das leis da Natureza, escapam às investigações da Ciência. Tal a razão por que eles, mais do que os outros, apresentam os caracteres aparentes do maravilhoso. É, pois, nas leis que regem a vida espiritual que se pode encontrar a explicação dos milagres dessa categoria.
2. - O fluido cósmico universal é, como já foi demonstrado, a matéria elementar primitiva, cujas modificações e transformações constituem a inumerável variedade dos corpos da Natureza. (Cap. X.) Como princípio elementar do Universo, ele assume dois estados distintos: o de eterização ou imponderabilidade, que se pode considerar o primitivo estado normal, e o de materialização ou de ponderabilidade, que é, de certa maneira, consecutivo àquele. O ponto intermédio é o da transformação do fluido em matéria tangível. Mas, ainda aí, não há transição brusca, porquanto podem considerar-se os nossos fluidos imponderáveis como termo médio entre os dois estados. (Cap. IV, nos 10 e seguintes.)
Cada um desses dois estados dá lugar, naturalmente, a fenômenos especiais: ao segundo pertencem os do mundo visível e ao primeiro os do mundo invisível. Uns, os chamados fenômenos materiais, são da alçada da Ciência propriamente dita, os outros, qualificados de fenômenos espirituais ou psíquicos, porque se ligam de modo especial à existência dos Espíritos, cabem nas atribuições do Espiritismo. Como, porém, a vida espiritual e a vida corporal se acham incessantemente em contacto, os fenômenos das duas categorias muitas vezes se produzem simultaneamente. No estado de encarnação, o homem somente pode perceber os fenômenos psíquicos que se prendem à vida corpórea; os do domínio espiritual escapam aos sentidos materiais e só podem ser percebidos no estado de Espírito. (1)
(1) A denominação de fenômeno psíquico exprime com mais exatidão o pensamento, do que a de fenômeno espiritual, dado que esses fenômenos repousam sobre as propriedades e os atributos da alma, ou, melhor, dos fluidos perispiríticos, inseparáveis da alma. Esta qualificação os liga mais intimamente à ordem dos fatos naturais regidos por leis; pode-se, pois, admiti-los como efeitos psíquicos, sem os admitir a título de milagres.
3. - No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de ser etéreo, sofre modificações tão variadas em gênero e mais numerosas talvez do que no estado de matéria tangível. Essas modificações constituem fluidos distintos que, embora procedentes do mesmo princípio, são dotados de propriedades especiais e dão lugar aos fenômenos peculiares ao mundo invisível.
Dentro da relatividade de tudo, esses fluidos têm para os Espíritos, que também são fluídicos, uma aparência tão material, quanto a dos objetos tangíveis para os encarnados e são, para eles, o que são para nós as substâncias do mundo terrestre. Eles os elaboram e combinam para produzirem determinados efeitos, como fazem os homens com os seus materiais, ainda que por processos diferentes.
Lá, porém, como neste mundo, somente aos Espíritos mais esclarecidos é dado compreender o papel que desempenham os elementos constitutivos do mundo onde eles se acham. Os ignorantes do mundo invisível são tão incapazes de explicar a si mesmos os fenômenos a que assistem e para os quais muitas vezes concorrem maquinalmente, como os ignorantes da Terra o são para explicar os efeitos da luz ou da eletricidade, para dizer de que modo é que vêem e escutam.
4. - Os elementos fluídicos do mundo espiritual escapam aos nossos instrumentos de análise e à percepção dos nossos sentidos, feitos para perceberem a matéria tangível e não a matéria etérea. Alguns há, pertencentes a um meio diverso a tal ponto do nosso, que deles só podemos fazer idéia mediante comparações tão imperfeitas como aquelas mediante as quais um cego de nascença procura fazer idéia da teoria das cores.
Mas, entre tais fluidos, há os tão intimamente ligados à vida corporal, que, de certa forma, pertencem ao meio terreno. Em falta de observação direta, seus efeitos podem observar-se, como se observam os do fluido do imã, fluido que jamais se viu, podendo-se adquirir sobre a natureza deles conhecimentos de alguma precisão. É essencial esse estudo, porque está nele a chave de uma imensidade de fenômenos que não se conseguem explicar unicamente com as leis da matéria.
5. - A pureza absoluta, da qual nada nos pode dar idéia, é o ponto de partida do fluido universal; o ponto oposto é o em que ele se transforma em matéria tangível. Entre esses dois extremos, dão-se inúmeras transformações, mais ou menos aproximadas de um e de outro. Os fluidos mais próximos da materialidade, os menos puros, conseguintemente, compõem o que se pode chamar a atmosfera espiritual da Terra. É desse meio, onde igualmente vários são os graus de pureza, que os Espíritos encarnados e desencarnados, deste planeta, haurem os elementos necessários à economia de suas existências. Por muito sutis e impalpáveis que nos sejam esses fluidos, não deixam por isso de ser de natureza grosseira, em comparação com os fluidos etéreos das regiões superiores.
O mesmo se dá na superfície de todos os mundos, salvo as diferenças de constituição e as condições de vitalidade próprias de cada um. Quanto menos material é a vida neles, tanto menos afinidades têm os fluidos espirituais com a matéria propriamente dita.
Não é rigorosamente exata a qualificação de fluidos espirituais, pois que, em definitiva, eles são sempre matéria mais ou menos quintessenciada. De realmente espiritual, só a alma ou princípio inteligente. Dá-se-lhes essa denominação por comparação apenas e, sobretudo, pela afinidade que eles guardam com os Espíritos. Pode dizer-se que são a matéria do mundo espiritual, razão por que são chamados fluidos espirituais.
6. - Quem conhece, aliás, a constituição íntima da matéria tangível? Ela talvez somente seja compacta em relação aos nossos sentidos; prová-lo-ia a facilidade com que a atravessam os fluidos espirituais e os Espíritos, aos quais não oferece maior obstáculo, do que o que os corpos transparentes oferecem à luz.
Tendo por elemento primitivo o fluído cósmico etéreo, à matéria tangível há de ser possível, desagregando-se, voltar ao estado de eterização, do mesmo modo que o diamante, o mais duro dos corpos, pode volatilizar-se em gás impalpável. Na realidade, a solidificação da matéria não é mais do que um estado transitório do fluido universal, que pode volver ao seu estado primitivo, quando deixam de existir as condições de coesão.
Quem sabe mesmo se, no estado de tangibilidade, a matéria não é suscetível de adquirir uma espécie de eterização que lhe daria propriedades particulares? Certos fenômenos, que parecem autênticos, tenderiam a fazer supô-lo. Ainda não conhecemos senão as fronteiras do mundo invisível; o porvir, sem dúvida, nos reserva o conhecimento de novas leis, que nos permitirão compreender o que se nos conserva em mistério.

Formação e propriedades do perispírito
7. - O perispírito, ou corpo fluídico dos Espíritos, é um dos mais importantes produtos do fluido cósmico; é uma condensação desse fluido em torno de um foco de inteligência ou alma. Já vimos que também o corpo carnal tem seu princípio de origem nesse mesmo fluido condensado e transformado em matéria tangível. No perispírito, a transformação molecular se opera diferentemente, porquanto o fluido conserva a sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O corpo perispirítico e o corpo carnal têm pois origem no mesmo elemento primitivo; ambos são matéria, ainda que em dois estados diferentes.

8. - Do meio onde se encontra é que o Espírito extrai o seu perispírito, isto é, esse envoltório ele o forma dos fluidos ambientes. Resulta daí que os elementos constitutivos do perispírito naturalmente variam, conforme os mundos. Dando-se Júpiter como orbe muito adiantado em comparação com a Terra, como um orbe onde a vida corpórea não apresenta a materialidade da nossa, os envoltórios perispirituais hão de ser lá de natureza muito mais quintessenciada do que aqui. Ora, assim como não poderíamos existir naquele mundo com o nosso corpo carnal, também os nossos Espíritos não poderiam nele penetrar com o perispírito terrestre que os reveste. Emigrando da Terra, o Espírito deixa aí o seu invólucro fluídico e toma outro apropriado ao mundo onde vai habitar.
9. - A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do Espírito. Os Espíritos inferiores não podem mudar de envoltório a seu bel-prazer, pelo que não podem passar, a vontade, de um mundo para outro. Alguns há, portanto, cujo envoltório fluídico, se bem que etéreo e imponderável com relação à matéria tangível, ainda é por demais pesado, se assim nos podemos exprimir, com relação ao mundo espiritual, para não permitir que eles saiam do meio que lhes é próprio. Nessa categoria se devem incluir aqueles cujo perispírito é tão grosseiro, que eles o confundem com o corpo carnal, razão por que continuam a crer-se vivos. Esses Espíritos, cujo número é avultado, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando-se entregues às suas ocupações terrenas. Outros um pouco mais desmaterializados não o são, contudo, suficientemente, para se elevarem acima das regiões terrestres.
Os Espíritos superiores, ao contrário, podem vir aos mundos inferiores, e, até, encarnar neles. Tiram, dos elementos constitutivos do mundo onde entram, os materiais para a formação do envoltório fluídico ou carnal apropriado ao meio em que se encontrem. Fazem como o nobre que despe temporariamente suas vestes, para envergar os trajes plebeus, sem deixar por isso de ser nobre.
É assim que os Espíritos da categoria mais elevada podem manifestar-se aos habitantes da Terra ou encarnar em missão entre estes. Tais Espíritos trazem consigo, não o invólucro, mas a lembrança, por intuição, das regiões donde vieram e que, em pensamento, eles vêem. São videntes entre cegos.
10. - A camada de fluidos espirituais que cerca a Terra se pode comparar às camadas inferiores da atmosfera, mais pesadas, mais compactas, menos puras, do que as camadas superiores. Não são homogêneos esses fluidos; são uma mistura de moléculas de diversas qualidades, entre as quais necessariamente se encontram. as moléculas elementares que lhes formam a base, porém mais ou menos alteradas. Os efeitos que esses fluidos produzem estarão na razão da soma das partes puras que eles encerram. Tal, por comparação, o álcool retificado, ou misturado, em diferentes proporções, com água ou outras substâncias: seu peso específico aumenta, por efeito dessa mistura, ao mesmo tempo que sua força e sua inflamabilidade diminuem, embora no todo continue a haver álcool puro.
Os Espíritos chamados a viver naquele meio tiram dele seus perispíritos; porém, conforme seja mais ou menos depurado o Espírito, seu perispírito se formará das partes mais puras ou das mais grosseiras do fluido peculiar ao mundo onde ele encarna. O Espírito produz aí, sempre por comparação e não por assimilação, o efeito de um reativo químico que atrai a si as moléculas que a sua natureza pode assimilar.
Resulta disso este fato capital: a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a Terra ou o espaço que a circunda. O mesmo já não se dá com o corpo carnal, que, como foi demonstrado, se forma dos mesmos elementos, qualquer que seja a superioridade ou a inferioridade do Espírito. Por isso, em todos, são os mesmos os efeitos que o corpo produz, semelhantes as necessidades, ao passo que diferem em tudo o que respeita ao perispírito.
Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; que os Espíritos superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo.
11. - O meio está sempre em relação com a natureza dos seres que têm de nele viver: os peixes, na água; os seres terrestres, no ar; os seres espirituais no fluido espiritual ou etéreo, mesmo que estejam na Terra. O fluido etéreo está para as necessidades do Espírito, como a atmosfera para as dos encarnados. Ora, do mesmo modo que os peixes não podem viver no ar; que os animais terrestres não podem viver numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões, os Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos fluidos mais etéreos. Não morreriam no meio desses fluidos, porque o Espírito não morre, mas uma força instintiva os mantêm afastados dali, como a criatura terrena se afasta de um fogo muito ardente ou de uma luz muito deslumbrante. Eis aí por que não podem sair do meio que lhes é apropriado à natureza; para mudarem de meio, precisam antes mudar de natureza, despojar-se dos instintos materiais que os retêm nos meios materiais; numa palavra, que se depurem e moralmente se transformem. Então, gradualmente se identificam com um meio mais depurado, que se lhes torna uma necessidade, como os olhos, para quem viveu longo tempo nas trevas, insensivelmente se habituam à luz do dia e ao fulgor do Sol.
12 - Assim, tudo no Universo se liga, tudo se encadeia; tudo se acha submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a mais compacta materialidade, até a mais pura espiritualidade. A Terra é qual vaso donde se escapa uma fumaça densa que vai clareando à medida que se eleva e cujas parcelas rarefeitas se perdem no espaço infinito.
A potência divina refulge em todas as partes desse grandioso conjunto e, no entanto, quer-se que Deus, não contente com o que há feito, venha perturbar essa harmonia! que se rebaixe ao papel de mágico, produzindo efeitos pueris, dignos de um prestidigitador! E ousa-se, ainda por cima, dar-lhe como rival em habilidade o próprio Satanás! Não haveria modo de amesquinhar mais a majestade divina e admiram-se de que a incredulidade progrida.
Tendes razão de dizer: «A fé vai-se.» Mas, a que se vai é a fé em tudo o que aberra do bom-senso e da razão; é a fé idêntica à que outrora levava a dizerem: «Vão-se os deuses!» A fé, porém, nas coisas sérias, a fé em Deus e na imortalidade, essa está sempre vivaz no coração do homem e, por mais sufocada que tenha sido sob o amontoado de histórias pueris com que a oprimiram, ela se reerguerá mais forte, desde que se sinta libertada, tal como a planta que, comprimida, se levanta de novo, logo que a banham os raios do Sol!
Efetivamente, tudo é milagre em a Natureza, porque tudo é admirável e dá testemunho da sabedoria divina! Esses milagres se patenteiam a toda gente, a todos os que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir e não em proveito apenas de alguns! Não! milagres não há no sentido que comumente emprestam a essa palavra, porque tudo decorre das leis eternas da criação, leis essas perfeitas.

Ação dos Espíritos sobre os fluidos. - Criações fluídicas. -Fotografia do pensamento
13. - Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde eles tiram os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos especiais, perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos sentidos carnais, impressionáveis somente à matéria tangível; o meio onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos da luz ordinária; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar o é do som.
14. - Os Espíritos atuam sobre os fluidos espirituais, não manipulando-os como os homens manipulam os gases, mas empregando o pensamento e a vontade. Para os Espíritos, o pensamento e a vontade são o que é a mão para o homem. Pelo pensamento, eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os segundo certas leis. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual.
Algumas vezes, essas transformações resultam de uma intenção; doutras, são produto de um pensamento inconsciente. Basta que o Espírito pense uma coisa, para que esta se produza, como basta que modele uma ária, para que esta repercuta na atmosfera.
É assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a um encarnado que possua a vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores -enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. - que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado essas aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu pensamento à época em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.
Por análogo efeito, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos fluidicos são tão reais, como o eram, no estado material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem criações do pensamento, a existência deles é tão fugitiva quanto a deste.
15. - Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre os fluidos como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som.. Pode-se pois dizer, sem receio de errar, que há, nesses fluidos, ondas e raios de pensamentos, que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios.
Há mais: criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a idéia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico; que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo. Contudo, vendo a intenção, pode ela pressentir a execução do ato que lhe será a consequência, mas não pode determinar o instante em que o mesmo ato será executado, nem lhe assinalar os pormenores, nem, ainda, afirmar que ele se dê, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os planos assentados e mudar as disposições. Ele não pode ver o que ainda não esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou maus.

Qualidades dos fluidos
16. - Tem conseqüências de importância capital e direta para os encarnados a ação dos Espíritos sobre os fluidos espirituais. Sendo esses fluidos o veículo do pensamento e podendo este modificar-lhes as propriedades, é evidente que eles devem achar-se impregnados das qualidades boas ou más dos pensamentos que os fazem vibrar, modificando-se pela pureza ou impureza dos sentimentos. Os maus pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios corrompem o ar respirável. Os fluidos que envolvem os Espíritos maus, ou que estes projetam são, portanto, viciados, ao passo que os que recebem a influência dos bons Espíritos são tão puros quanto o comporta o grau da perfeição moral destes.
17. - Fora impossível fazer-se uma enumeração ou classificação dos bons e dos maus fluidos, ou especificar-lhes as respectivas qualidades, por ser tão grande quanto a dos pensamentos a diversidade deles.
Os fluidos não possuem qualidades sui generis, mas as que adquirem no meio onde se elaboram; modificam-se pelos eflúvios desse meio, como o ar pelas exalações, a água pelos sais das camadas que atravessa. Conforme as circunstâncias, suas qualidades são, como as da água e do ar, temporárias ou permanentes, o que os torna muito especialmente apropriados à produção de tais ou tais efeitos.
Também carecem de denominações particulares. Como os odores, eles são designados pelas suas propriedades, seus efeitos e tipos originais. Sob o ponto de vista moral, trazem o cunho dos sentimentos de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de violência, de hipocrisia, de bondade, de benevolência, de amor, de caridade, de doçura, etc. Sob o aspecto físico, são excitantes, calmantes, penetrantes, adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos, tóxicos, reparadores, expulsivos; tornam-se força de transmissão, de propulsão, etc. O quadro dos fluidos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e dos vícios da Humanidade e das propriedades da matéria, correspondentes aos efeitos que eles produzem.
18. - Sendo apenas Espíritos encarnados, os homens têm uma parcela da vida espiritual, visto que vivem dessa vida tanto quanto da vida corporal; primeiramente, durante o sono e, muitas vezes, no estado de vigília. O Espírito, encarnado, conserva, com as qualidades que lhe são próprias, o seu perispírito que, como se sabe, não fica circunscrito pelo corpo, mas irradia ao seu derredor e o envolve como que de uma atmosfera fluídica.
Pela sua união íntima com o corpo, o perispírito desempenha preponderante papel no organismo. Pela sua expansão, põe o Espírito encarnado em relação mais direta com os Espíritos livres e também com os Espíritos encarnados.
O pensamento do encarnado atua sobre os fluidos espirituais, como o dos desencarnados, e se transmite de Espírito a Espírito pelas mesmas vias e, conforme seja bom ou mau, saneia ou vicia os fluidos ambientes.
Desde que estes se modificam pela projeção dos pensamentos do Espírito, seu invólucro perispirítico, que é parte constituinte do seu ser e que recebe de modo direto e permanente a impressão de seus pensamentos, há de, ainda mais, guardar a de suas qualidades boas ou más. Os fluidos viciados pelos eflúvios dos maus Espíritos podem depurar-se pelo afastamento destes, cujos perispíritos, porém, serão sempre os mesmos, enquanto o Espírito não se modificar por si próprio.
Sendo o perispírito dos encarnados de natureza idêntica à dos fluidos espirituais, ele os assimila com facilidade, como uma esponja se embebe de um líquido. Esses fluidos exercem sobre o perispírito uma ação tanto mais direta, quanto, por sua expansão e sua irradiação, o perispírito com eles se confunde.
Atuando esses fluidos sobre o perispírito, este, a seu turno, reage sobre o organismo material com que se acha em contacto molecular. Se os eflúvios são de boa natureza, o corpo ressente uma impressão salutar; se são maus, a impressão é penosa. Se são permanentes e enérgicos, os eflúvios maus podem ocasionar desordens físicas; não é outra a causa de certas enfermidades.
Os meios onde superabundam os maus Espíritos são, pois, impregnados de maus fluidos que o encarnado absorve pelos poros perispiríticos, como absorve pelos poros do corpo os miasmas pestilenciais.
19. - Assim se explicam os efeitos que se produzem nos lugares de reunião. Uma assembléia é um foco de irradiação de pensamentos diversos. É como uma orquestra, um coro de pensamentos, onde cada um emite uma nota. Resulta daí uma multiplicidade de correntes e de eflúvios fluídicos cuja impressão cada um recebe pelo sentido espiritual, como num coro musical cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da audição.
Mas, do mesmo modo que há radiações sonoras, harmoniosas ou dissonantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes. Se o conjunto é harmonioso, agradável é a impressão; penosa, se aquele é discordante. Ora, para isso, não se faz mister que o pensamento se exteriorize por palavras; quer ele se externe, quer não, a irradiação existe sempre.
Tal a causa da satisfação que se experimenta numa reunião simpática, animada de pensamentos bons e benévolos. Envolve-a uma como salubre atmosfera moral, onde se respira à vontade; sai-se reconfortado dali, porque impregnado de salutares eflúvios fluídicos. Basta, porém, que se lhe misturem alguns pensamentos maus, para produzirem o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido, ou o de uma nota desafinada num concerto. Desse modo também se explica a ansiedade, o indefinível mal-estar que se experimenta numa reunião antipática, onde malévolos pensamentos provocam correntes de fluido nauseabundo.
20. - O pensamento, portanto, produz uma espécie de efeito físico que reage sobre o moral, fato este que só o Espiritismo podia tornar compreensível. O homem o sente instintivamente, visto que procura as reuniões homogêneas e simpáticas, onde sabe que pode haurir novas forças morais, podendo-se dizer que, em tais reuniões, ele recupera as perdas fluídicas que sofre todos os dias pela irradiação do pensamento, como recupera, por meio dos alimentos, as perdas do corpo material. É que, com efeito, o pensamento é uma emissão que ocasiona perda real de fluidos espirituais e, conseguintemente, de fluidos materiais, de maneira tal que o homem precisa retemperar-se com os eflúvios que recebe do exterior.
Quando se diz que um médico opera a cura de um doente, por meio de boas palavras, enuncia-se uma verdade absoluta, pois que um pensamento bondoso traz consigo fluidos reparadores que atuam sobre o físico, tanto quanto sobre o moral.
21. - Dir-se-á que se podem evitar os homens sabidamente mal-intencionados. É fora de dúvida; mas, como fugiremos à influência dos maus Espíritos que pululam em torno de nós e por toda parte se insinuam, sem serem vistos?
O meio é muito simples, porque depende da vontade do homem, que traz consigo o necessário preservativo. Os fluidos se combinam pela semelhança de suas naturezas; os dessemelhantes se repelem; há incompatibilidade entre os bons e os maus fluidos, como entre o óleo e a água.
Que se faz quando está viciado o ar? Procede-se ao seu saneamento, cuida-se de depurá-lo, destruindo o foco dos miasmas, expelindo os eflúvios malsãos, por meio de mais fortes correntes de ar salubre. A invasão, pois, dos maus fluidos, cumpre se oponham os fluidos bons e, como cada um tem no seu próprio perispírito uma fonte fluídica permanente, todos trazem consigo o remédio aplicável. Trata-se apenas de purificar essa fonte e de lhe dar qualidades tais, que se constitua para as más influências um repulsor, em vez de ser uma força atrativa. O perispírito, portanto, é uma couraça a que se deve dar a melhor têmpera possível. Ora, como as suas qualidades guardam relação com as da alma, importa se trabalhe por melhorá-la, pois que são as imperfeições da alma que atraem os Espíritos maus.
As moscas são atraídas pelos focos de corrupção; destruídos esses focos, elas desaparecerão. Os maus Espíritos, igualmente, vão para onde o mal os atrai; eliminado o mal, eles se afastarão. Os Espíritos realmente bons, encarnados ou desencarnados, nada tem que temer da influência dos maus.

II. EXPLICAÇÃO DE ALGUNS FENÔMENOS CONSIDERADOS SOBRENATURAIS
Vista espiritual ou psíquica. Dupla vista. Sonambulismo. Sonhos
22. - O perispírito é o traço de união entre a vida corpórea e a vida espiritual. É por seu intermédio que o Espírito encarnado se acha em relação contínua com os desencarnados; é, em suma, por seu intermédio, que se operam no homem fenômenos especiais, cuja causa fundamental não se encontra na matéria tangível e que, por essa razão, parecem sobrenaturais.
É nas propriedades e nas irradiações do fluido perispirítico que se tem de procurar a causa da dupla vista, ou vista espiritual, a que também se pode chamar vista psíquica, da qual muitas pessoas são dotadas, freqüentemente a seu mau grado, assim como da vista sonambúlica.
O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito, por meio do qual este percebe coisas espirituais que escapam aos sentidos corpóreos. Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas sensações são localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido espiritual, ou psíquico, elas se generalizam o Espírito vê, ouve e sente, por todo o seu ser, tudo o que se encontra na esfera de irradiação do seu fluido perispirítico.
No homem, tais fenômenos constituem a manifestação da vida espiritual; é a alma a atuar fora do organismo. Na dupla vista ou percepção pelo sentido psíquico, ele não vê com os olhos do corpo, embora, muitas vezes, por hábito, dirija o olhar para o ponto que lhe chama a atenção. Vê com os olhos da alma e a prova está em que vê perfeitamente bem com os olhos fechados e vê o que está muito além do alcance do raio visual. Lê o pensamento figurado no raio fluídico
23. - Embora, durante a vida, o Espírito se encontre preso ao corpo pelo perispírito, não se lhe acha tão escravizado, que não possa alongar a cadeia que o prende e transportar-se a um ponto distante, quer sobre a Terra, quer do espaço. Repugna ao Espírito estar ligado ao corpo, porque a sua vida normal é a de liberdade e a vida corporal é a do servo preso à gleba.
Ele, por conseguinte, se sente feliz em deixar o corpo, como o pássaro em se encontrar fora da gaiola, pelo que aproveita todas as ocasiões que se lhe oferecem para dela se escapar, de todos os instantes em que a sua presença não é necessária à vida de relação. Tem-se então o fenômeno a que se dá o nome de emancipação da alma, fenômeno que se produz sempre durante o sono. De todas as vezes que o corpo repousa, que os sentidos ficam inativos, o Espírito se desprende. (O Livro dos Espíritos, Parte 2ª, Cap. VIII.)
Nesses momentos ele vive da vida espiritual, enquanto que o corpo vive apenas da vida vegetativa; acha-se, em parte, no estado em que se achará após a morte: percorre o espaço, confabula com os amigos e outros Espíritos, livres ou encarnados também.
O laço fluídico que o prende ao corpo só por ocasião da morte se rompe definitivamente; a separação completa somente se dá por efeito da extinção absoluta da atividade vital. Enquanto o corpo vive, o Espírito, a qualquer distância que esteja, é instantaneamente chamado à sua prisão, desde que a sua presença aí se torne necessária. Ele, então, retoma o curso da vida exterior de relação. Por vezes, ao despertar, conserva das suas peregrinações uma lembrança, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui o sonho. Quando nada, traz delas intuições que lhe sugerem idéias e pensamentos novos e justificam o provérbio: A noite é boa conselheira.
Assim igualmente se explicam certos fenômenos característicos do sonambulismo natural e magnético, da catalepsia, da letargia, do êxtase, etc., e que mais não são do que manifestações da vida espiritual.
24. - Pois que a visão espiritual não se opera por meio dos olhos do corpo, segue-se que a percepção das coisas não se verifica mediante a luz ordinária: de fato, a luz material é feita para o mundo material; para o mundo espiritual, uma luz especial existe, cuja natureza desconhecemos, porém que é, sem dúvida, uma das propriedades do fluido etéreo, adequada às percepções visuais da alma. Há, portanto, luz material e luz espiritual. A primeira emana de focos circunscritos aos corpos luminosos; a segunda tem o seu foco em toda parte: tal a razão por que não há obstáculo para a visão espiritual, que não é embaraçada nem pela distância, nem pela opacidade da matéria, não existindo para ela a obscuridade. O mundo espiritual é, pois, iluminado pela luz espiritual, que tem seus efeitos próprios, como o mundo material é iluminado pela luz solar.
25. - Assim, envolta no seu perispírito, a alma tem consigo o seu princípio luminoso. Penetrando a matéria por virtude da sua essência etérea, não há, para a sua visão, corpos opacos.
Entretanto, a vista espiritual não é idêntica, quer em extensão, quer em penetração, para todos os Espíritos. Somente os Espíritos puros a possuem em todo o seu poder. Nos inferiores ela se acha enfraquecida pela relativa grosseria do perispírito, que se lhe interpõe qual nevoeiro.
Manifesta-se em diferentes graus, nos Espíritos encarnados, pelo fenômeno da segunda vista, tanto no sonambulismo natural ou magnético, quanto no estado de vigília. Conforme o grau de poder da faculdade, diz-se que a lucidez é maior ou menor. Com o auxílio dessa faculdade é que certas pessoas vêem o interior do organismo humano e descrevem as causas das enfermidades.
26. - A vista espiritual, portanto, faculta percepções especiais que, não tendo por sede os órgãos materiais, se operam em condições muito diversas das que decorrem da vida corporal. Efetuando-se fora do organismo, tem ela uma mobilidade que derrui todas as previsões. Indispensável se torna estudá-la em seus efeitos e em suas causas e não assimilando-a à vista ordinária, que ela não se destina a suprir, salvo casos excepcionais, que se não poderiam tomar como regra.
27. - Necessariamente incompleta e imperfeita é a vista espiritual nos Espíritos encarnados e, por conseguinte, sujeita à aberrações. Tendo por sede a própria alma, o estado desta há de influir nas percepções que aquela vista faculte. Segundo o grau de desenvolvimento, as circunstâncias e o estado moral do indivíduo, pode ela dar, quer durante o sono, quer no estado de vigília:
1° a percepção de certos fatos materiais e reais, como o conhecimento de alguns que ocorram a grande distância, os detalhes descritivos de uma localidade, as causas de uma enfermidade e os remédios convenientes;
2° a percepção de coisas igualmente reais do mundo espiritual, como a presença dos Espíritos;
3° imagens fantásticas criadas pela imaginação, análogas às criações fluídicas do pensamento (veja-se, acima, o n° 14).
Estas criações se acham sempre em relação com as disposições morais do Espírito que as gera. É assim que o pensamento de pessoas fortemente imbuídas de certas crenças religiosas e com elas preocupadas lhes apresenta o inferno, suas fornalhas, suas torturas e seus demônios, tais quais essas pessoas os imaginam. Ás vezes, é toda uma epopéia. Os pagãos viam o Olimpo e o Tártaro, como os cristãos vêem o inferno e o paraíso. Se, ao despertarem, ou ao saírem do êxtase, conservam lembrança exata de suas visões, os que as tiveram tomam-nas como realidades confirmativas de suas crenças, quando tudo não passa de produto de seus próprios pensamentos .
Cumpre, pois, se faça uma distinção muito rigorosa nas visões extáticas, antes que se lhes dê crédito. A tal propósito, o remédio para a excessiva credulidade é o estudo das leis que regem o mundo espiritual.
(28. - Os sonhos propriamente ditos apresentam os três caracteres das visões acima descritas. Às duas primeiras categorias dessas visões pertencem os sonhos de previsões, pressentimentos e avisos. Na terceira, isto e, nas criações fluídicas do pensamento, é que se pode deparar com a causa de certas imagens fantásticas, que nada têm de real, com relação à vida corpórea, mas que apresentam às vezes, para o Espírito, uma realidade tal, que o corpo lhe sente o contrachoque, havendo casos em que os cabelos embranquecem sob a impressão de um sonho. Podem essas criações ser provocadas: pela exaltação das crenças; por lembranças retrospectivas; por gostos, desejos, paixões, temor, remorsos; pelas preocupações habituais; pelas necessidades do corpo, ou por um embaraço nas funções do organismo; finalmente, por outros Espíritos, com objetivo benévolo ou maléfico, conforme a sua natureza.

Catalepsia. - Ressurreições
29. - A matéria inerte é insensível; o fluido perispirítico igualmente o é, mas transmite a sensação ao centro sensitivo, que é o Espírito. As lesões dolorosas do corpo repercutem, pois, no Espírito, qual choque elétrico, por intermédio do fluido perispiritual, que parece ter nos nervos os seus fios condutores. É o influxo nervoso dos fisiologistas que, desconhecendo as relações desse fluido com o princípio espiritual, ainda não puderam achar explicação para todos os efeitos.
A interrupção pode dar-se pela separação de um membro, ou pela secção de um nervo, mas, também, parcialmente ou de maneira geral e sem nenhuma lesão, nos momentos de emancipação, de grande sobreexcitação ou preocupação do Espírito. Nesse estado, o Espírito não pensa no corpo e, em sua febril atividade, atrai a si, por assim dizer, o fluido perispiritual que, retirando-se da superfície, produz aí uma insensibilidade momentânea. Poder-se- ia também admitir que, em certas circunstâncias, no próprio fluido perispiritual uma modificação molecular se opera, que lhe tira temporariamente a propriedade de transmissão. É por isso que, muitas vezes, no ardor do combate, um militar não percebe que está ferido e que uma pessoa, cuja atenção se acha concentrada num trabalho, não ouve o ruído que se lhe faz em torno. Efeito análogo, porém mais pronunciado, se verifica nalguns sonâmbulos, na letargia e na catalepsia. Finalmente, do mesmo modo também se pode explicar a insensibilidade dos convulsionários e de muitos mártires. (Revue Spirite, janeiro, de 1868: «Estudo sobre os Aissaouas».)
A paralisia já não tem absolutamente a mesma causa: aí o efeito é todo orgânico; são os próprios nervos, os fios condutores que se tornam inaptos à circulação fluídica; são as cordas do instrumento que se alteraram.
30. - Em certos estados patológicos, quando o Espírito há deixado o corpo e o perispírito só por alguns pontos se lhe acha aderido, apresenta ele, o corpo, todas as aparências da morte e enuncia-se uma verdade absoluta, dizendo que a vida aí está por um fio. Semelhante estado pode durar mais ou menos tempo; podem mesmo algumas partes do corpo entrar em decomposição, sem que, no entanto, a vida se ache definitivamente extinta. Enquanto não se haja rompido o último fio, pode o Espírito, quer por uma ação enérgica, da sua própria vontade, quer por um influxo fluídico estranho, igualmente forte, ser chamado a volver ao corpo. É como se explicam certos fatos de prolongamento da vida contra todas as probabilidades e algumas supostas ressurreições. É a planta a renascer, como às vezes se dá, de uma só fibrila da raiz. Quando, porém, as últimas moléculas do corpo fluídico se têm destacado do corpo carnal, ou quando este último há chegado a um estado irreparável de degradação, impossível se torna todo regresso à vida.

Curas
31. - Como se há visto, o fluido universal é o elemento primitivo do corpo carnal e do perispírito, os quais são simples transformações dele. Pela identidade da sua natureza, esse fluido, condensado no perispírito, pode fornecer princípios reparadores ao corpo; o Espírito, encarnado ou desencarnado, é o agente propulsor que infiltra num corpo deteriorado uma parte da substância do seu envoltório fluídico. A cura se opera mediante a substituição de uma molécula malsã por uma molécula sã. O poder curativo estará, pois, na razão direta da pureza da substância inoculada; mas, depende também da energia da vontade que, quanto maior for, tanto mais abundante emissão fluídica provocará e tanto maior força de penetração dará ao fluido. Depende ainda das intenções daquele que deseje realizar a cura, seja homem ou Espírito. Os fluidos que emanam de uma fonte impura são quais substâncias medicamentosas alteradas.
32. - São extremamente variados os efeitos da ação fluídica sobre os doentes, de acordo com as circunstâncias. Algumas vezes é lenta e reclama tratamento prolongado, como no magnetismo ordinário; doutras vezes é rápida, como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de tal poder, que operam curas instantâneas nalguns doentes, por meio apenas da imposição das mãos, ou, até, exclusivamente por ato da vontade Entre os dois pólos extremos dessa faculdade, há infinitos matizes. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e só diferem pela intensidade e pela rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo: o fluido, a desempenhar o papel de agente terapêutico e cujo efeito se acha subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais.

33. - A ação magnética pode produzir-se de muitas maneiras:
1º pelo próprio fluido do magnetizador; é o magnetismo propriamente dito, ou magnetismo humano, cuja ação se acha adstrita à força e, sobretudo, à qualidade do fluido;
2º pelo fluido dos Espíritos, atuando diretamente e sem intermediário sobre um encarnado, seja para o curar ou acalmar um sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer sobre o indivíduo uma influência física ou moral qualquer. É o magnetismo espiritual, cuja qualidade está na razão direta das qualidades do Espírito;
3º pelos fluidos que os Espíritos derramam sobre o magnetizador, que serve de veículo para esse derramamento. É o magnetismo misto, semi-espiritual, ou, se o preferirem, humano-espiritual. Combinado com o fluido humano, o fluido espiritual lhe imprime qualidades de que ele carece. Em tais circunstâncias, o concurso dos Espíritos é amiúde espontâneo, porém, as mais das vezes, provocado por um apelo do magnetizador.
34. - É muito comum a faculdade de curar pela influência fluídica e pode desenvolver-se por meio do exercício; mas, a de curar instantaneamente, pela imposição das mãos, essa é mais rara e o seu grau máximo se deve considerar excepcional. No entanto, em épocas diversas e no seio de quase todos os povos, surgiram indivíduos que a possuíam em grau eminente. Nestes últimos tempos, apareceram muitos exemplos notáveis, cuja autenticidade não sofre contestação. Uma vez que as curas desse gênero assentam num princípio natural e que o poder de operá-las não constitui privilégio, o que se segue é que elas não se operam fora da Natureza e que só são miraculosas na aparência.

Aparições. - Transfigurações
35. - Para nós, o perispírito, no seu estado normal, é invisível; mas, como é formado de substância etérea, o Espírito, em certos casos, pode, por ato da sua vontade, fazê-lo passar por uma modificação molecular que o torna momentaneamente visível. É assim que se produzem as aparições, que não se dão, do mesmo modo que os outros fenômenos, fora das leis da Natureza. Nada tem esse de mais extraordinário, do que o do vapor que, quando muito rarefeito, é invisível, mas que se torna visível, quando condensado.
Conforme o grau de condensação do fluido perispirítico, a aparição é às vezes vaga e vaporosa; doutras vezes, mais nitidamente definida; doutras, enfim, com todas as aparências da matéria tangível. Pode, mesmo, chegar, até, à tangibilidade real, ao ponto de o observador se enganar com relação à natureza do ser que tem diante de si.
São freqüentes as aparições vaporosas, forma sob a qual muitos indivíduos, depois de terem morrido, se apresentam às pessoas que lhes são afeiçoadas. As aparições tangíveis são mais raras, se bem haja delas numerosíssimos casos, perfeitamente autenticados. Se o Espírito quer dar-se a conhecer, imprime ao seu envoltório todos os sinais exteriores que tinha quando vivo.
36. - É de notar-se que as aparições tangíveis só têm da matéria carnal as aparências; não poderiam ter dela as qualidades. Em virtude da sua natureza fluídica, não podem ter a coesão da matéria, porque, em realidade, não há nelas carne. Formam-se instantaneamente e instantaneamente desaparecem, ou se evaporam pela desagregação das moléculas fluídicas (2). Os seres que se apresentam nessas condições não nascem, nem morrem, como os outros homens. São vistos e deixam de ser vistos, sem que se saiba donde vêm, como vieram, nem para onde vão. Ninguém os poderia matar, nem prender, nem encarcerar, visto carecerem de corpo carnal. Atingiriam o vácuo os golpes que se lhes desferissem.
Tal o caráter dos agêneres, com os quais se pode confabular, sem suspeitar de que eles o sejam, mas que não demoram longo tempo entre os humanos e não podem tornar-se comensais de uma casa, nem figurar entre os membros de uma família.
Ao demais, denotam sempre, em suas atitudes, qualquer coisa de estranho e de insólito que deriva ao mesmo tempo da materialidade e da espiritualidade: neles, o olhar é simultaneamente vaporoso e brilhante, carece da nitidez do olhar através dos olhos da carne; a linguagem, breve e quase sempre sentenciosa, nada tem do brilho e da volubilidade da linguagem humana; a aproximação deles causa uma sensação singular e indefinível de surpresa, que inspira uma espécie de temor; e quem com eles se põe em contacto, embora os tome por indivíduos quais todos os outros, é levado a dizer involuntariamente: Ali está uma criatura singular.
37. - Sendo o mesmo o perispírito, assim nos encarnados, como nos desencarnados, um Espírito encarnado, por efeito completamente idêntico, pode, num momento de liberdade, aparecer em ponto diverso do em que repousa seu corpo, com os traços que lhe são habituais e com todos os sinais de sua identidade. Foi esse fenômeno, do qual se conhecem muitos casos autênticos, que deu lugar à crença nos homens duplos.
38. - Um efeito peculiar aos fenômenos dessa espécie consiste em que as aparições vaporosas e, mesmo, tangíveis, não são perceptíveis a toda gente, indistintamente. Os Espíritos só se mostram quando o querem e a quem também o querem. Um Espírito, pois, poderia aparecer, numa assembléia, a um ou a muitos dos presentes e não ser visto pelos demais. Dá-se isso, porque as percepções desse gênero se efetuam por meio da vista espiritual, e não por intermédio da vista carnal; pois não só aquela não é dada a toda gente, como pode, se for conveniente, ser retirada, pela só vontade do Espírito, àquele a quem ele não queira mostrar-se, como pode dá-la, momentaneamente, se entender necessário.
À condensação do fluido perispirítico nas aparições, indo mesmo até à tangibilidade, faltam as propriedades da matéria ordinária: se tal não se desse, as aparições seriam perceptíveis pelos olhos do corpo e, então, todas as pessoas presentes as perceberiam. (1)
(1) Devem acolher-se com extrema reserva as narrativas de aparições puramente individuais que, em certos casos, poderiam não passar de efeito de uma imaginação sobreexcitada e, porventura, de uma invenção com fins interesseiros. Convém, pois, levar em conta, muito escrupulosamente, as circunstâncias, a honradez da pessoa, assim como o interesse que ela possa ter em abusar da credulidade de indivíduos excessivamente confiantes.
39. - Podendo o Espírito operar transformações na contextura do seu envoltório perispirítico e irradiando-se esse envoltório em torno do corpo qual atmosfera fluídica, pode produzir-se na superfície mesma do corpo um fenômeno análogo ao das aparições. Pode a imagem real do corpo apagar-se mais ou menos completamente, sob a camada fluídica, e assumir outra aparência; ou, então, vistos através da camada fluídica modificada, os traços primitivos podem tomar outra expressão. Se, saindo do terra-a-terra, o Espírito encarnado se identifica com as coisas do mundo espiritual, pode a expressão de um semblante feio tornar-se bela, radiosa e até luminosa; se, ao contrário, o Espírito é presa de paixões más, um semblante belo pode tomar um aspecto horrendo.
Assim se operam as transfigurações, que refletem sempre qualidades e sentimentos predominantes no Espírito. O fenômeno resulta, portanto, de uma transformação fluídica; é uma espécie de aparição perispirítica, que se produz sobre o próprio corpo do vivo e, algumas vezes, no momento da morte, em lugar de se produzir ao longe, como nas aparições propriamente ditas. O que distingue as aparições desse gênero é o serem, geralmente, perceptíveis por todos os assistentes e com os olhos do corpo, precisamente por se basearem na matéria carnal visível, ao passo que, nas aparições puramente fluídicas, não há matéria tangível.

Manifestações físicas. - Mediunidade
40. - Os fenômenos das mesas girantes e falantes, da suspensão etérea de corpos pesados, da escrita mediúnica, tão antigos quanto o mundo, porém vulgares hoje, facultam a explicação de alguns outros, análogos e espontâneos, aos quais, pela ignorância da lei que os rege, se atribuía caráter sobrenatural e miraculoso. Tais fenômenos têm por base as propriedades do fluido perispirítico, quer dos encarnados, quer dos Espíritos livres.
41. - Por meio do seu perispírito é que o Espírito atuava sobre o seu corpo vivo; ainda por intermédio desse mesmo fluido é que ele se manifesta; atuando sobre a matéria inerte, é que produz ruídos, movimentos de mesa e outros objetos, que os levanta, derriba, ou transporta. Nada tem de surpreendente esse fenômeno, se considerarmos que, entre nós, os mais possantes motores se encontram nos fluidos mais rarefeitos e mesmo imponderáveis, como o ar, o vapor e a eletricidade.
É igualmente com o concurso do seu perispírito que o Espírito faz que os médiuns escrevam, falem, desenhem. Já não dispondo de corpo tangível para agir ostensivamente quando quer manifestar-se, ele se serve do corpo do médium, cujos órgãos toma de empréstimo, corpo ao qual faz que atue como se fora o seu próprio, mediante o eflúvio fluídico que verte sobre ele.
42. - Pelo mesmo processo atua o Espírito sobre a mesa, quer para que esta se mova, sem que o seu movimento tenha significação determinada, quer para que dê pancadas inteligentes, indicativas das letras do alfabeto, a fim de formarem palavras e frases, fenômeno esse denominado tiptologia. A mesa não passa de um instrumento de que o Espírito se utiliza, como se utiliza do lápis para escrever. Para esse efeito, dá-lhe ele uma vitalidade momentânea, por meio do fluido que lhe inocula, porém absolutamente não se identifica com ela.
Praticam um ato ridículo as pessoas que, tomadas de emoção ao manifestar-se um ser que lhes é caro, abraçam a mesa; é exatamente como se abraçassem a bengala de que um amigo se sirva para bater no chão. O mesmo fazem os que dirigem a palavra à mesa, como se o Espírito se achasse metido na madeira, ou como se a madeira se houvesse tornado Espírito.
Quando comunicações são transmitidas por esse meio, deve-se imaginar que o Espírito está, não na mesa, mas ao lado, tal qual estaria se vivo se achasse e como seria visto, se no momento pudesse tornar-se visível. O mesmo ocorre nas comunicações pela escrita: ver-se-ia o Espírito ao lado do médium, dirigindo-lhe a mão ou transmitindo-lhe pensamentos por meio de uma corrente fluídica.
43. - Quando a mesa se destaca do solo e flutua no espaço sem ponto de apoio, o Espírito não a ergue com a força de um braço; envolve-a e penetra-a de uma espécie de atmosfera fluídica que neutraliza o efeito da gravitação, como faz o ar com os balões e papagaios. O fluido que se infiltra na mesa dá-lhe momentaneamente maior leveza específica. Quando fica pregada ao solo, ela se acha numa situação análoga à da campânula pneumática sob a qual se fez o vácuo. Não há aqui mais que simples comparações destinadas a mostrar a analogia dos efeitos e não a semelhança absoluta das causas. (O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. IV.)
Compreende-se, depois do que fica dito, que não há para o Espírito, maior dificuldade em arrebatar uma pessoa, do que em arrebatar uma mesa, em transportar um objeto de um lugar para outro, ou em atirá-lo seja onde for. Todos esses fenômenos se produzem em virtude da mesma lei. (1)
(1) Tal o princípio dos fenômenos de trazimento, fenômeno este muito real, mas que não convém se admita, senão com extrema reserva, porquanto é um dos que mais se prestam à imitação e à trapaçaria. Devem tomar-se em séria consideração a honradez irrecusável da pessoa que os obtém, seu absoluto desinteresse, material e moral, e o concurso das circunstâncias acessórias. Importa, sobretudo, desconfiar da produção de tais efeitos, quando eles se dêem com excessiva facilidade e ter por suspeitos os que se renovem com extrema freqüência e, por assim dizer, à vontade. Os prestidigitadores fazem coisas mais extraordinárias. Não menos positivo é o fato do erguimento de uma pessoa; mas, tem que ser muito mais raro, porque mais difícil de ser imitado. É sabido que o Sr. Home se elevou mais de uma vez até ao teto, dando assim volta à sala. Dizem que S. Cupertino possuía a mesma faculdade, não sendo o fato mais miraculoso com este do que com aquele.
Quando as pancadas são ouvidas na mesa ou algures, não é que o Espírito esteja a bater com a mão, ou com qualquer objeto. Ele apenas dirige sobre o ponto donde vem o ruído um jato de fluido e este produz o efeito de um choque elétrico. Tão possível lhe é modificar o ruído, como a qualquer pessoa modificar os sons produzidos pelo ar.
44. - Fenômeno muito freqüente na mediunidade é a aptidão de certos médiuns para escrever em língua que lhes é estranha; a explanar, oralmente ou por escrito, assuntos que lhes estão fora do alcance da instrução recebida. Não é raro o caso de alguns que escrevem correntemente sem nunca terem aprendido a escrever; de outros que compõem poesias, sem jamais na vida terem sabido fazer um verso; de outros que desenham, pintam, esculpem, compõem música, tocam um instrumento, sem conhecerem desenho, pintura, escultura, ou a arte musical. Ocorre freqüentemente o fato de um médium escrevente reproduzir com perfeição a grafia e a assinatura que os Espíritos, que por ele se comunicam, tinham quando vivos, se bem não as haja ele conhecido.
Nada, porém, apresenta esse fenômeno de mais maravilhoso, do que o de se fazer que uma criança escreva, guiando-se-lhe a mão; pode-se, dessa maneira, conseguir que ela execute tudo o que se queira. Pode-se fazer que qualquer pessoa escreva num idioma que ela ignore, ditando-se-lhe as palavras letra por letra. Compreende-se que o mesmo se possa dar com a mediunidade, desde que se atente na maneira por que os Espíritos se comunicam com os médiuns que, para eles, mais não são do que instrumentos passivos. Se, porém, o médium tem o mecanismo, se venceu as dificuldades práticas, se lhe são familiares as expressões, se, finalmente, possui no cérebro os elementos daquilo que o Espírito quer fazê-lo executar, ele se acha na posição do homem que sabe ler e escrever correntemente; o trabalho se torna mais fácil e mais rápido; ao Espírito já não resta senão transmitir seus pensamentos ao intérprete, para que este os reproduza pelos meios de que dispõe.
A aptidão de um médium para coisas que lhe são estranhas também tem freqüentemente suas raízes nos conhecimentos que ele possuiu noutra existência e dos quais seu Espírito conservou a intuição. Se, por exemplo, ele foi poeta ou músico, mais facilidade encontrará para assimilar o pensamento poético ou musical que um Espírito queira fazê-lo expressar. A língua que ele hoje ignora pode ter-lhe sido familiar noutra existência, donde maior aptidão sua para escrever mediunicamente nessa língua. (1)
(1) A aptidão, que algumas pessoas denotam para línguas que elas manejam, sem, por assim dizer, as haver aprendido, não tem como origem senão a lembrança intuitiva do que souberam noutra existência. O caso do poeta Méry, relatado na Revue Spirite de novembro de 1864, pág. 328, é uma prova do que dizemos. É evidente que, se na sua mocidade, Méry fora médium, teria escrito em latim tão facilmente como em francês e toda gente houvera visto nesse fato um prodígio.

Obsessões e possessões
45. - Pululam em torno da Terra os maus Espíritos, em conseqüência da inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja desses Espíritos é parte integrante dos flagelos com que a Humanidade se vê a braços neste mundo. A obsessão que é um dos efeitos de semelhante ação, como as enfermidades e todas as atribulações da vida, deve, pois, ser considerada como provação ou expiação e aceita com esse caráter.
Chama-se obsessão à ação persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito diferentes, que vão desde a simples influência moral, sem perceptíveis sinais exteriores, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Ela oblitera todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade audiente e psicográfica, traduz-se pela obstinação de um Espírito em querer manifestar-se, com exclusão de qualquer outro.

46 - Assim como as enfermidades resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às perniciosas influências exteriores, a obsessão decorre sempre de uma imperfeição moral, que dá ascendência a um Espírito mau, A uma causa física, opõe-se uma força física; a uma causa moral preciso é se contraponha uma força moral. Para preservá-lo das enfermidades, fortifica-se o corpo; para garanti-la contra a obsessão, tem-se que fortalecer a alma; donde, para o obsidiado, a necessidade de trabalhar por se melhorar a si próprio, o que as mais das vezes basta para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de terceiros. Necessário se torna este socorro, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque nesse caso o paciente não raro perde a vontade e o livre-arbítrio.
Quase sempre a obsessão exprime vingança tomada por um Espírito e cuja origem freqüentemente se encontra nas relações que o obsidiado manteve com o obsessor, em precedente existência,
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que importa desembaraçá-lo, Ora, um fluído mau não pode ser eliminado por outro igualmente mau. Por meio de ação idêntica à do médium curador, nos casos de enfermidade, preciso se faz expelir um fluido mau com o auxílio de um fluido melhor.
Nem sempre, porém, basta esta ação mecânica; cumpre, sobretudo, atuar sobre o ser inteligente, ao qual é preciso se possua o direito de falar com autoridade, que, entretanto, falece a quem não tenha superioridade moral, Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.
Mas, ainda não é tudo: para assegurar a libertação da vítima, indispensável se torna que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que se faça que o arrependimento desponte nele, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com o objetivo de dar-lhe educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.
O trabalho se torna mais fácil quando o obsidiado, compreendendo a sua situação, para ele concorre com a vontade e a prece. Outro tanto não sucede quando, seduzido pelo Espírito que o domina, se ilude com relação às qualidades deste último e se compraz no erro a que é conduzido, porque, então, longe de a secundar, o obsidiado repele toda assistência. É o caso da fascinação, infinitamente mais rebelde sempre, do que a mais violenta subjugação. (O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXIII.)
Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso meio de que se dispõe para demover de seus propósitos maléficos o obsessor.
47. - Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado por uma como teia e constrangido a proceder contra a sua vontade.
Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção. (Cap. XI, nº 18.)
De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra; quem o haja conhecido em vida, reconhece-lhe a linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia.
48. - Na obsessão há sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria seu fato a outro encarnado. Isso se verifica sem qualquer perturbação ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo.
Quando é mau o Espírito possessor, as coisas se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante força moral para lhe resistir. Fá-lo por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo, já por estrangulação, já atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a excentricidades e a atos que apresentam todos os caracteres da loucura furiosa.
São numerosos os fatos deste gênero, em diferentes graus de intensidade, e não derivam de outra causa muitos casos de loucura. Amiúde, há também desordens patológicas, que são meras conseqüências e contra as quais nada adiantam os tratamentos médicos, enquanto subsiste a causa originária. Dando a conhecer essa fonte donde provém uma parte das misérias humanas, o Espiritismo indica o remédio a ser aplicado: atuar sobre o autor do mal que, sendo um ser inteligente, deve ser tratado por meio da inteligência.
49. - São as mais das vezes individuais a obsessão e a possessão; mas, não raro são epidêmicas. Quando sobre uma localidade se lança uma revoada de maus Espíritos, é como se uma tropa de inimigos a invadisse. Pode então ser muito considerável o número dos indivíduos atacados.


Senhora Reynaud, sonâmbula – Revista Espírita, março de 1859

Sonâmbula, falecida em Annonay, há mais ou menos um ano; sua lucidez era, sobretudo, notável para as questões médicas, embora iletrada em seu estado natural.
Um de nossos correspondentes, que a conhecera em vida, pensando que se poderia obter dela notícias úteis, endereçou-nos algumas perguntas que nos pediu fazer-lhe, se julgássemos oportuno interrogá-la, o que fizemos na sessão da Sociedade do dia 28 de janeiro de 1859. Às questões de nosso correspondente, acrescentamos todas as que nos pareceram ter algum interesse.
1. Evocação. - R. Estou aqui; o que quereis de mim?
2. Tendes uma lembrança exata de vossa existência corpórea? - R. Sim, muito precisa.
3. Poderíeis pintar-nos vossa situação atual? - R. É a mesma de todos os Espíritos que habitam nossa Terra: geralmente possuem a intuição do bem, e todavia não podem obter a felicidade perfeita, reservada unicamente à maior perfeição.
4. Quando vivíeis, éreis sonâmbula lúcida; poderíeis dizer se a vossa lucidez, então, era análoga a que tendes agora como Espírito? - R. Não: diferia em que não tinha a prontidão e a justeza que meu Espírito possui hoje.
5. A lucidez sonambúlica é uma antecipação da vida espírita, quer dizer, um isolamento do Espírito, com relação à matéria? - R. E uma das fases da vida terrestre; mas a vida terrestre é a mesma que a vida celeste.
6. Que entendeis dizendo que a vida terrestre é a mesma que a vida celeste? - R. Que a cadeia de existências está formada por anéis seguidos e contínuos: nenhuma interrupção lhe vem deter o curso. Pode-se dizer, pois, que a vida terrestre é a continuação da vida celeste precedente e o prelúdio da vida celeste futura e, assim, sem interrupção, por todas as encarnações que um Espírito pode ter que sofrer: o que faz com que não haja, entre essas duas existências, uma separação tão absoluta como o credes.
Nota. Durante a vida terrestre, o Espírito, ou a alma, pode agir independentemente da matéria, e o homem goza, em certos momentos, da vida espírita, seja durante o sono, seja mesmo no estado de vigília. As faculdades do Espírito se exercendo apesar da presença do corpo, há entre a vida terrestre e a vida de além-túmulo uma correlação constante, o que fez a senhora Reynaud dizer que é a mesma: a resposta seguinte definiu claramente seu pensamento.
7. Por que, então, todo o mundo não é sonâmbulo? - R. Ignorais ainda, pois, que todos vós o sois, mesmo sem sono e muito despertos, em graus diferentes?
8. Concebemos que todos o somos, mais ou menos, durante o sono, uma vez que o estado de sonho é uma espécie de sonambulismo imperfeito; mas, que entendeis dizendo que o somos mesmo no estado de vigília? - R. Não tendes as intuições, das quais não vos apercebeis, e que não são outra coisa que uma faculdade do Espírito? O poeta é um médium, um sonâmbulo.
9. Vossa faculdade sonambúlica contribuiu para o vosso desenvolvimento como Espírito depois da morte? - R. Pouco.
10. No momento da morte, estivestes muito tempo na perturbação? - R. Não; eu me reconheci logo: estava cercada de amigos.
11. Atribuís à vossa lucidez sonambúlica o vosso pronto desligamento? - R. Sim, um pouco. Conheci antes a sorte dos agonizantes; mas isso não me teria servido para nada, se não possuísse uma alma capaz de encontrar uma vida melhor por melhores faculdades.

12. Pode-se ser bom sonâmbulo sem possuir um Espírito de uma ordem elevada? - R. Sim. As faculdades estão sempre em relação: somente vos enganais crendo que tais faculdades pedem boas disposições; não, o que credes bom, freqüentemente, é mau: desenvolveria isso, se me compreendêsseis.
Há sonâmbulos que conhecem a fundo o futuro, que contam fatos que chegam e dos quais não têm nenhum conhecimento no seu estado normal; há outros que sabem pintar perfeitamente os caracteres daqueles que os interrogam, indicar exatamente um número de anos, uma soma em dinheiro, etc.: isso não pede nenhuma superioridade real; é simplesmente um exercício da faculdade que o Espírito possui e que se manifesta no sonâmbulo adormecido. O que requer uma superioridade real é o uso que dela se pode fazer para o bem; é a consciência do bem e do mal; é conhecer Deus melhor do que os homens o conhecem; é poder dar conselhos próprios para fazer progredir no caminho do bem e da felicidade.
13. O uso que um sonâmbulo faz de sua faculdade influi sobre o seu estado de Espírito depois da morte? - R. Sim, muito, como o uso bom ou mau de todas as faculdades que Deus nos concedeu.
14. Poderíeis nos explicar como tínheis conhecimentos médicos, sem fazer nenhum estudo? - R. Sempre faculdade espiritual: outros Espíritos me aconselhavam; eu era médium: é o estado de todos os sonâmbulos.

15. Os medicamentos que um sonâmbulo prescreve, são sempre indicados por um Espírito, ou o são também por instinto, como entre os animais que vão procurar a erva que lhes é salutar? - R. Indicam-lhe se pede conselhos, no caso em que sua experiência não basta. Conhece-os pelas suas qualidades.

16. O fluido magnético é o agente da lucidez sonambúlica como a luz para nós? - R. Não, é o agente do sono.

17. O fluido magnético é o agente da visão, no estado de Espírito? - R. Não.

18. Vede-nos aqui tão claramente como se estivésseis viva, com o vosso corpo? - R. Melhor, agora: o que vejo a mais é o homem interior.

19. Ver-nos-íeis do mesmo modo se estivéssemos na obscuridade? - R. Igualmente bem.

20. Vede-nos tão bem, melhor ou menos bem do que veríeis em vida, mas em sonambulismo? - R. Melhor ainda.

21. Qual é o agente ou a intermediário de que vos servis para ver-nos? - R. Meu Espírito. Não tenho nem olho, nem pupila, nem retina, nem cílios, e, todavia, eu vos vejo melhor do que qualquer de vós vê seu vizinho: é pelo olho que vedes, mas é o vosso Espírito quem vê.

22. Tendes consciência da obscuridade? - R. Sei que ela existe para vós; para mim ela não existe.

Nota. Isso confirma o que sempre dissemos, que a faculdade de ver é uma propriedade inerente à própria natureza do Espírito e que reside em todo o seu ser; no corpo ela está localizada.

23. A dupla vista pode ser comparada ao estado sonambúlico? - R. Sim: a faculdade que não vem do corpo.

24. O fluido magnético emana do sistema nervoso ou está espalhado na massa atmosférica? - R. Do sistema nervoso; mas o sistema nervoso o aure na atmosfera, foco principal. A atmosfera não o possui por si mesma, ele vem de seres que povoam o Universo: não é o nada que o produz, ao contrário, é a acumulação da vida e da eletricidade que essa multidão de existências libera.

25. O fluido nervoso é um fluido próprio ou seria o resultado de uma combinação de todos os outros fluidos imponderáveis que penetram no corpo, tais como o calor, a luz, a eletricidade? - R. Sim e não: não conheceis bastante esses fenômenos para deles falar assim; vossas palavras não exprimem o que quereis dizer.

26. De onde vem o adormecimento produzido pela ação magnética? - R. A agitação produzida pela sobrecarga de fluido que obstrui o magnetizado.

27. A força magnética, no magnetizador, depende de sua constituição física? - R. Sim, mas sempre de seu caráter: em uma palavra, dele mesmo.

28. Quais são as qualidades morais que, num sonâmbulo, podem ajudar o desenvolvimento de suas faculdades? - R. As boas: perguntastes o que pode ajudar.

29. Quais são os defeitos que mais o prejudicam? - R. A má fé.

30. Quais são as qualidades mais essenciais no magnetizador? - R. O coração; as boas intenções sempre firmes; o desinteresse.

31. Quais são os defeitos que mais o prejudicam? - R. Os maus pendores, ou antes, o desejo de prejudicar.

32. Quando viva, víeis os Espíritos em vosso estado sonambúlico? - R. Sim.

33. Por que todos os sonâmbulos não os vêem? - R. Todos os vêem por momentos, e em diferentes graus de claridade.

34. De onde vem, para certas pessoas não sonâmbulas, a facul dade de ver os Espíritos no estado de vigília? - R. Isso é dado por Deus, como a outros a inteligência ou a bondade.

35. Essa faculdade procede de uma organização física especial? - R. Não.

36. Essa faculdade pode se perder? - R. Sim, como pode ser adquirida.

37. Quais são as causas que podem fazê-la perder? - R. As más intenções, dissemos. Por condição primeira, é preciso procurar propor-se, realmente, fazer dela um bom uso; uma vez definido isso, julgai se mereceis esse favor, porque ela não é dada inutilmente. O que prejudica àqueles que a possuem, é que, quase sempre, misturam-lhe essa infeliz paixão humana que conheceis tão bem (o orgulho), mesmo com o desejo de conseguir os melhores resultados; glorifica-se com o que não é senão obra de Deus, e, freqüentemente, se quer dela tirar proveito. - Adeus.

38. Para onde ides, em nos deixando? - R. Às minhas ocupações.

39. Poderíeis dizer-nos quais são as vossas ocupações? - R. Tenho-as como vós; trato primeiro de me instruir e, por isso, misturo-me às sociedades melhores do que eu; como lazer faço o bem, e minha vida se passa na esperança de alcançar maior felicidade. Não temos nenhuma necessidade material a satisfazer e, por conseguinte, toda a nossa atividade se dirige para o nosso progresso moral.

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CAPÍTULO IV
Da Teoria das Manifestações Físicas
Movimentos e suspensões - Ruídos - Aumento e diminuição de peso dos corpos


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Movimentos e suspensões.
72. Demonstrada, pelo raciocínio e pelos fatos, a existência dos Espíritos, assim como a possibilidade que têm de atuar sobre a matéria, trata-se agora de saber como se efetua essa ação e como procedem eles para fazer que se movam as mesas e outros corpos inertes.

Uma idéia se apresenta muito naturalmente e nós a tivemos. Dando-nos outra explicação muito diversa, pela qual longe estávamos de esperar, os Espíritos a combateram, constituindo isto uma prova de que a teoria deles não era efeito da nossa opinião. Ora, essa primeira idéia todos a podiam ter, como nós; quanto à teoria dos Espíritos, não cremos que jamais haja acudido à mente de quem quer que seja. Sem dificuldade se reconhecerá quanto é superior à que esposávamos, se bem que menos simples,porque dá solução a inúmeros outros fatos que, com a nossa, não encontravam explicação satisfatória.

73. Desde que se tornaram conhecidas a natureza dos Espíritos, sua forma humana, as propriedades semimateriais do perispírito, a ação mecânica que este pode exercer sobre a matéria; desde que, em casos de aparição, se viram mãos fluídicas e mesmo tangíveis tomar dos objetos e transportá-los, julgou-se, como era natural, que o Espírito se servia muito simplesmente de suas próprias mãos para fazer que a mesa girasse e que à força de braço é que ela se erguia no espaço. Mas, então, sendo assim, que necessidade havia de médium? Não pode o Espírito atuar só por si? Porque, é evidente que o médium, que as mais das vezes põe as mãos sobre a mesa em sentido contrário ao do seu movimento, ou que mesmo não coloca ali as mãos, não pode secundar o Espírito por meio de uma ação muscular qualquer. Deixemos, porém, que primeiro falem os Espíritos a quem interrogamos sobre esta questão.

74. As respostas seguintes nos foram dadas pelo Espírito São Luís. Muitos outros, depois, as confirmaram.

I. Será o fluido universal uma emanação da divindade?

"Não."

II. Será uma criação da divindade?

"Tudo é criado, exceto Deus."

III. O fluido universal será ao mesmo tempo o elemento universal ?

"Sim, é o princípio elementar de todas as coisas."

IV. Alguma relação tem ele com o fluido elétrico, cujos efeitos conhecemos?

"E o seu elemento."

V. Em que estado o fluido universal se nos apresenta, na sua maior simplicidade?

"Para o encontrarmos na sua simplicidade absoluta, precisamos ascender aos Espíritos puros. No vosso mundo, ele sempre se acha mais ou menos modificado, para formar a matéria compacta que vos cerca. Entretanto, podeis dizer que o estado em que se encontra mais próximo daquela simplicidade é o do fluido a que chamais fluido magnético animal."

VI. Já disseram que o fluido universal é a fonte da vida. Será ao mesmo tempo a fonte da inteligência?

"Não, esse fluido apenas anima a matéria."

VII. Pois que é desse fluido que se compõe o perispírito, parece que, neste, ele se acha num como estado de condensação, que o aproxima, até certo ponto, da matéria propriamente dita?

"Até certo ponto, como dizes, porquanto não tem todas as propriedades da matéria. E mais ou menos condensado, conforme os mundos."

VIII. Como pode um Espírito produzir o movimento de um corpo sólido?

"Combinando uma parte do fluido universal com o fluido, próprio àquele efeito, que o médium emite."

IX. Será com os seus próprios membros, de certo modo solidificados, que os Espíritos levantam a mesa?

"Esta resposta ainda não te levará até onde desejas. Quando, sob as vossas mãos, uma mesa se move, o Espírito haure no fluido universal o que é necessário para lhe dar uma vida factícia. Assim preparada a mesa, o Espírito a atrai e move sob a influência do fluido que de si mesmo desprende, por efeito da sua vontade. Quando quer pôr em movimento uma massa por demais pesada para suas forças, chama em seu auxílio outros Espíritos, cujas condições sejam idênticas às suas. Em virtude da sua natureza etérea, o Espírito, propriamente dito, não pode atuar sobre a matéria grosseira, sem intermediário, isto é, sem o elemento que o liga à matéria. Esse elemento, que constitui o que chamais perispírito, vos faculta a chave de todos os fenômenos espíritas de ordem material. Julgo ter-me explicado muito claramente, para ser compreendido."

NOTA. Chamamos a atenção para a seguinte frase, primeira da resposta acima: Esta resposta AINDA te não levará até onde desejas. O Espírito compreendera perfeitamente que todas as questões precedentes só haviam sido formuladas para chegarmos a esta última e alude ao nosso pensamento que. com efeito, esperava por outra resposta muito diversa, isto é, pela confirmação da idéia que tínhamos sobre a maneira por que o Espirito obtém o movimento da mesa.

X. Os Espíritos, que aquele que deseja mover um objeto chama em seu auxílio, são-lhe inferiores? Estão-lhe sob as ordens?

"São-lhe iguais, quase sempre. Muitas vezes acodem espontaneamente."

XI. São aptos, todos os Espíritos, a produzir fenômenos deste gênero?

"Os que produzem efeitos desta espécie são sempre Espíritos inferiores, que ainda se não desprenderam inteiramente de toda a influência material."

XII. Compreendemos que os Espíritos superiores não se ocupam com coisas que estão muito abaixo deles. Mas, perguntamos se, uma vez que estão mais desmaterializados, teriam o poder de fazê-lo, dado que o quisessem?

"Os Espíritos superiores têm a força moral, como os outros têm a força física. Quando precisam desta força, servem-se dos que a possuem. Já não se vos disse que eles se servem dos Espíritos inferiores, como vós vos servis dos carregadores?"

NOTA. Já foi explicado que a densidade do perispírito, se assim se pode dizer, varia de acordo com o estado dos mundos. Parece que também varia, em um mesmo mundo, de indivíduo para indivíduo. Nos Espíritos moralmente adiantados, é mais sutil e se aproxima da dos Espíritos elevados; nos Espíritos inferiores, ao contrário, aproxima-se da matéria e é o que faz que os Espíritos de baixa condição conservem por muito tempo as ilusões da vida terrestre. Esses pensam e obram como se ainda fossem vivos; experimentam os mesmos desejos e quase que se poderia dizer a mesma sensualidade. Esta grosseria do perispírito, dando-lhe mais afinidade com a matéria, torna os Espíritos inferiores mais aptos às manifestações físicas. Pela mesma razão é que um homem de sociedade, habituado aos trabalhos da inteligência, franzino e delicado de corpo, não pode suspender fardos pesados, como o faz um carregador. Nele, a matéria é, de certa maneira, menos compacta, menos resistentes os órgãos; há menos fluido nervoso. Sendo o perispírito, para o Espírito, o que o corpo é para o homem e como à sua maior densidade corresponde menor inferioridade espiritual, essa densidade substitui no Espírito a força muscular, isto é, dá-lhe, sobre os fluidos necessários às manifestações, um poder maior do que o de que dispõem aqueles cuja natureza é mais etérea. Querendo um Espírito elevado produzir tais efeitos, faz o que entre nós fazem as pessoas delicadas: chama para executá-los um Espírito do ofício.

XIII. Se compreendemos bem o que disseste, o princípio vital reside no fluido universal; o Espírito tira deste fluido o envoltório semimaterial que constitui o seu perispírito e é ainda por, meio deste fluido que ele atua sobre a matéria inerte. É assim?

"É. Quer dizer: ele empresta à matéria uma espécie de vida factícia; a matéria se anima da vida animal. A mesa, que se move debaixo das vossas mãos, vive como animal; obedece por si mesma ao ser inteligente. Não é este quem a impele, como faz o homem com um fardo. Quando ela se eleva, não é o Espírito quem a levanta, com o esforço do seu braço: é a própria mesa que, animada, obedece à impulsão que lhe dá o Espírito."

XIV. Que papel desempenha o médium nesse fenômeno?

"Já eu disse que o fluido próprio do médium se combina com o fluido universal que o Espírito acumula. E necessária a união desses dois fluidos, isto é, do fluido animalizado e do fluido universal para dar vida à mesa. Mas, nota bem que essa vida é apenas momentânea, que se extingue com a ação e, às vezes, antes que esta termine, logo que a quantidade de fluido deixa de ser bastante para a animar."

XV. Pode o Espírito atuar sem o concurso de um médium?

"Pode atuar à revelia do médium. Quer isto dizer que muitas pessoas, sem que o suspeitem, servem de auxiliares aos Espíritos. Delas haurem os Espíritos, como de uma fonte, o fluido animalizado de que necessitem. Assim é que o concurso de um médium, tal como o entendeis, nem sempre é preciso, o que se verifica Principalmente nos fenômenos espontâneos."

XVI. Animada, atua a mesa com inteligência? Pensa?

"Pensa tanto quanto a bengala com que fazes um sinal inteligente. Mas, a vitalidade de que se acha animada lhe permite obedecer â impulsão de uma inteligência. Fica, pois, sabendo que a mesa que se move não se torna Espírito e que não tem, em si mesma, capacidade de pensar, nem de querer."

NOTA. Muito amiúde, na linguagem usual, servimo-nos de uma expressão análoga. Diz-se de uma roda, que gira velozmente, que está animada de um movimento rápido.

XVII. Qual a causa preponderante, na produção desse fenômeno: o Espírito, ou o fluido?

"O Espírito é a causa, o fluido o instrumento, ambos são necessários."

XVIII. Que papel, nesse caso, desempenha a vontade do médium?

"O de atrair os Espíritos e secundá-los no impulso que dão ao fluido." a) É sempre indispensável a ação da vontade? "Aumenta a força, mas nem sempre é necessária, pois que o movimento pode produzir-se contra essa vontade, ou a seu malgrado, e isso prova haver uma causa independente do médium."

NOTA. Nem sempre o contacto das mãos é necessário para que um objeto se mova. As mais das vezes esse contacto só se faz preciso para dar o primeiro impulso; porém, desde que o objeto está animado, pode obedecer à vontade do Espírito, Sem contacto material. Depende isto, ou da potencialidade do médium, ou da natureza do Espírito. Nem sempre mesmo é indispensável um primeiro contacto, do que são provas os movimentos e deslocamentos espontâneos, que ninguém cogitou de provocar.

XIX. Por que é que nem toda gente pode produzir o mesmo efeito e não têm todos os médiuns o mesmo poder?

"Isto depende da organização e da maior ou menor facilidade com que se pode operar a combinação dos fluidos. Influi também a maior ou menor simpatia do médium para com os Espíritos que encontram nele a força fluídica necessária. Dá-se com esta força o que se verifica com a dos magnetizadores, que não é igual em todos. A esse respeito, há mesmo pessoas que são de todo refratárias; outras com as quais a combinação só se opera por um esforço de vontade da parte delas; outras, finalmente, com quem a combinação dos fluidos se efetua tão natural e facilmente, que elas nem dão por isso e servem de instrumento a seu mau grado, como atrás dissemos." (Vede aqui adiante o capítulo das Manifestações espontâneas.)

NOTA. Estes fenômenos têm sem dúvida por princípio o magnetismo, porém, não como geralmente o entendem. A prova está na existência de poderosos magnetizadores que não conseguiram fazer que uma pequenina mesa se movesse e na de pessoas que não logram magnetizar a ninguém, nem mesmo a uma criança, às quais, no entanto, basta que ponham os dedos sobre uma mera pesada, para que esta se agite. Assim, desde que a força mediúnica não guarda proporção com a força magnética, é que outra causa existe.

XX. As pessoas qualificadas de elétricas podem ser consideradas médiuns?

"Essas pessoas tiram de si mesmas o fluido necessário à produção do fenômeno e podem operar sem o concurso de outros Espíritos. Não são, portanto, médiuns, no sentido que se atribui a esta palavra. Mas, também pode dar-se que um Espírito as assista e se aproveite de suas disposições naturais."

NOTA. Sucede com essas pessoas o que ocorre com os sonâmbulos, que podem operar com ou sem o concurso de Espíritos estranhos. (Veja-se, no capítulo dos Médiuns, o artigo relativo aos médiuns sonambúlicos.)

XXI. O Espírito que atua sobre os corpos sólidos, para movê-los, se coloca na substância mesma dos corpos, ou fora dela?

"Dá-se uma e outra coisa. Já dissemos que a matéria não constitui obstáculos para os Espíritos. Em tudo eles penetram. Uma porção do perispírito se identifica, por assim dizer, com o objeto em que penetra."

Ruídos.
XXII. Como faz o Espírito para bater? Serve-se de algum objeto material?

"Tanto quanto dos braços para levantar a mesa. Sabes perfeitamente que nenhum martelo tem o Espírito à sua disposição. Seu martelo é o fluido que, combinado, ele põe em ação, pela sua vontade, para mover ou bater. Quando move um objeto, a luz vos dá a percepção do movimento; quando bate, o ar vos traz o som."

XXIII. Concebemos que seja assim, quando o Espírito bate num corpo duro; mas como pode fazer que se ouçam ruídos, ou sons articulados na massa instável do ar?

"Pois que é possível atuar sobre a matéria, tanto pode ele atuar sobre uma mesa, como sobre o ar. Quanto aos sons articulados, pode imitá-los, como o pode fazer com quaisquer outros ruídos."

XXIV. Dizes que o Espírito não se serve de suas mãos para deslocar a mesa. Entretanto, já se tem visto, em certas manifestações visuais, aparecerem mãos a dedilhar um teclado, a percutir as teclas e a tirar dali sons. Neste caso, o movimento das teclas não será devido, como parece, à pressão dos dedos? E não é também direta e real essa pressão, quando se faz sentir sobre nós, quando as mãos que a exercem deixam marcas na pele?

"Não podeis compreender a natureza dos Espíritos nem a maneira por que atuam, senão mediante comparações, que de uma e outra coisa apenas vos dão idéia incompleta, e errareis sempre que quiserdes assimilar aos vossos os processos de que eles usam. Estes, necessariamente, hão de corresponder à organização que lhes é própria. Já te não disse eu que o fluido do perispírito penetra a matéria e com ela se identifica, que a anima de uma vida factícia? Pois bem! Quando o Espírito põe os dedos sobre as teclas, realmente os põe e de fato as movimenta. Porém, não é por meio da força muscular que exerce a pressão. Ele as anima, como o faz com a mesa, e as teclas, obedecendo-lhe à vontade, se abaixam e tangem as cordas do piano. Em tudo isto uma coisa ainda se dá, que difícil vos será compreender: é que alguns Espíritos tão pouco adiantados se encontram e, em comparação com os Espíritos elevados, tão materiais se conservam, que guardam as ilusões da vida terrena e julgam obrar como quando tinham o corpo de carne. Não percebem a verdadeira causa dos efeitos que produzem, mais do que um camponês compreende a teoria dos sons que articula. Perguntai-lhes como é que tocam piano e vos responderão que batendo com os dedos nas teclas, porque julgam ser assim que o fazem. O efeito se produz instintivamente neles, sem que saibam como, se bem lhes resulte da ação da vontade. O mesmo ocorre, quando se exprimem por palavras.

NOTA. Destas explicações decorre que os Espíritos podem produzir todos os efeitos que nós outros homens produzimos, mas por meios apropriados à sua organização. Algumas forças, que lhes são próprias, substituem os músculos de que precisamos para atuar, da mesma maneira que, para um mudo, o gesto substitui a palavra que lhe falta.

XXV. Entre os fenômenos que se apontam como probantes da ação de uma potência oculta, alguns há evidentemente contrários a todas as conhecidas leis da Natureza. Nesses casos, não será legítima a dúvida?

"É que o homem está longe de conhecer todas as leis da Natureza. Se as conhecesse todas, seria Espírito superior. Cada dia que se passa desmente os que, supondo tudo saberem, pretendem impor limites à Natureza, sem que por isso, entretanto, se tornem menos orgulhosos. Desvendando-lhe, incessantemente, novos mistérios, Deus adverte o homem de que deve desconfiar de suas próprias luzes, porquanto dia virá em que a ciência do mais sábio será confundida. Não tendes todos os dias, sob os olhos, exemplos de corpos animados de um movimento que domina a força da gravitação? Uma pedra, atirada para o ar, não sobrepuja momentaneamente aquela força? Pobres homens, que vos considerais muito sábios e cuja tola vaidade a todos os momentos está sendo desbancada, ficai sabendo que ainda sois muito pequeninos."

75. Estas explicações são claras, categóricas e isentas de ambigüidade. Delas ressalta, como ponto capital, que o fluido universal, onde se contém o principio da vida, é o agente principal das manifestações, agente que recebe impulsão do Espírito, seja encarnado, seja errante. Condensado, esse fluido constitui o perispírito, ou invólucro semimaterial do Espírito. Encarnado este, o perispírito se acha unido à matéria do corpo; estando o Espírito na erraticidade, ele se encontra livre. Quando o Espírito está encarnado, a substância do perispírito se acha mais ou menos ligada, mais ou menos aderente, se assim nos podemos exprimir. Em algumas pessoas se verifica, por efeito de suas organizações, uma espécie de emanação desse fluido e é isso, propriamente falando, o que constitui o médium de influências físicas. A emissão do fluido animalizado pode ser mais ou menos abundante, como mais ou menos fácil a sua combinação, donde os médiuns mais ou menos poderosos. Essa emissão, porém, não é permanente, o que explica a intermitência do poder mediúnico.

76. Façamos uma comparação. Quando se tem vontade de atuar materialmente sobre um ponto colocado a distância, quem quer é o pensamento, mas o pensamento por si só não irá percutir o ponto; é-lhe preciso um intermediário, posto sob a sua direção: uma vara, um projetil, uma corrente de ar, etc. Notai também que o pensamento não atua diretamente sobre a vara, porquanto, se esta não for tocada, não se moverá. O pensamento, que não é senão o Espírito encarnado, está unido ao corpo pelo perispírito e não pode atuar sobre o corpo sem o perispírito, como não o pode sobre a vara sem o corpo. Atua sobre o perispírito, por ser esta a substância com que tem mais afinidade; o perispírito atua sobre os músculos, os músculos tomam a vara e a vara bate no ponto visado. Quando o Espírito não está encarnado, faz-se-lhe mister um auxiliar estranho e este auxiliar é o fluido, mediante o qual torna ele o objeto, sobre que quer atuar, apto a lhe obedecer à impulsão da vontade.

77. Assim, quando um objeto é posto em movimento, levantado ou atirado para o ar, não é que o Espírito o tome, empurre e suspenda, como o faríamos com a mão. O Espírito o satura, por assim dizer, do seu fluido, combinado com o do médium, e o objeto, momentaneamente vivificado desta maneira, obra como o faria um ser vivo, com a diferença apenas de que, não tendo vontade própria, segue o impulso que lhe dá a vontade do Espírito.

Pois que o fluido vital, que o Espírito, de certo modo, emite, dá vida factícia e momentânea aos corpos inertes; pois que o perispírito não é mais do que esse mesmo fluido vital, segue-se que, quando o Espírito está encarnado, é ele próprio quem dá vida ao seu corpo, por meio do seu perispírito, conservando-se unido a esse corpo, enquanto a organização deste o permite. Quando se retira, o corpo morre. Agora, se, em vez de uma mesa, esculpirmos uma estátua de madeira e sobre ela atuarmos, como sobre a mesa, teremos uma estátua que se moverá, que baterá, que responderá com os seus movimentos e pancadas. Teremos, em suma, uma estátua animada momentaneamente de uma vida artificial. Em lugar de mesas falantes, ter-se-iam estátuas falantes. Quanta luz esta teoria não projeta sobre uma imensidade de fenômenos até agora sem solução! Quantas alegorias e efeitos misteriosos ela não explica!

78. Os incrédulos ainda objetam que o fenômeno da suspensão das mesas, sem ponto de apoio, é impossível, por ser contrário à lei de gravitação. Responder-lhes-emos que, em primeiro lugar, a negativa não constitui uma prova; em segundo lugar, que, sendo real o fato, pouco importa contrarie ele todas as leis conhecidas, circunstância que só provaria uma coisa: que ele decorre de uma lei desconhecida e os negadores não podem alimentar a pretensão de conhecerem todas as leis da Natureza.

Acabamos de explicar uma dessas leis, mas isso não é razão para que eles a aceitem, precisamente porque ela nos é revelada por Espíritos que despiram a veste terrena, em vez de o ser por Espíritos que ainda trazem essa veste e têm assento na Academia. De modo que, se o Espírito de Arago, vivo na Terra, houvesse enunciado essa lei, eles a teriam admitido de olhos fechados; mas, desde que vem do Espírito de Arago, morto, e uma utopia. Por que isto? Porque acreditam que, tendo Arago morrido, tudo o que nele havia também morreu. Não temos a presunção de os dissuadir; entretanto, como tal objeção pode causar embaraço a algumas pessoas, tentaremos dar-lhes resposta, colocando-nos no ponto de vista em que eles se colocam, isto é, abstraindo, por instante, da teoria da animação factícia.

Aumento e diminuição de peso dos corpos
79. Quando se produz o vácuo na campânula da máquina pneumática, essa campânula adere com força tal ao seu suporte, que impossível se toma suspendê-la, devido ao peso da coluna de ar que sobre ela faz pressão. Deixe-se entrar o ar e a campânula pode ser levantada com a maior facilidade, porque o ar que lhe fica por baixo contrabalança o ar que, pela parte exterior, a comprime. Contudo, se ninguém lhe tocar, ela permanecerá assente no suporte, por efeito da lei de gravidade. Agora, comprima-se-lhe o ar no interior, dê-se-lhe densidade maior que a do que está por fora, e a campânula se erguerá, apesar da gravidade. Se a corrente de ar for violenta e rápida, a mesma campânula se manterá suspensa no espaço, sem nenhum ponto visível de apoio, à guisa desses bonecos que se fazem rodopiar em cima de um repuxo dágua. Por que então o fluido universal, que é o elemento de toda a Natureza, acumulado em torno da mesa, não poderia ter a propriedade de lhe diminuir ou aumentar o peso específico relativo, como faz o ar com a campânula da máquina pneumática, como faz o gás hidrogênio com os balões, sem que para isso seja necessária a derrogação da lei de gravidade? Conheceis, porventura, todas as propriedades e todo o poder desse fluido? Não. Pois, então, não negueis a realidade de um fato, apenas por não o poderdes explicar.

80. Voltemos à teoria do movimento da mesa. Se, pelo meio indicado, o Espírito pode suspender uma mesa, também pode suspender qualquer outra coisa: uma poltrona, por exemplo. Se pode levantar uma poltrona, também pode, tendo força suficiente, levantá-la com uma pessoa assentada nela. Aí está a explicação do fenômeno que o Sr. Home produziu inúmeras vezes consigo mesmo e com outras pessoas. Repetiu-o durante uma viagem a Londres e, para provar que os espectadores não eram joguetes de uma ilusão de ótica, fez no forro, enquanto suspenso, uma marca a lápis e que muitas pessoas lhe passassem por baixo. Sabe-se que o Sr. Home é um poderoso médium de efeitos físicos. Naquele caso, era ao mesmo tempo a causa eficiente e o objeto.

81. Falamos, há pouco, do possível aumento de peso. Efetivamente, esse é um fenômeno que às vezes se produz e que nada apresenta de mais anormal do que a prodigiosa resistência da campânula, sob a pressão da coluna atmosférica. Têm-se visto, sob a influência de certos médiuns, objetos muito leves oferecerem idêntica resistência e, em seguida, cederem de repente ao menor esforço. Na experiência de que acima tratamos, a campânula não se torna realmente mais nem menos pesada em si mesma; mas, parece ter maior peso, por efeito da causa exterior que sobre ela atua. O mesmo provavelmente se dá aqui. A mesa tem sempre o mesmo peso intrínseco, porquanto sua massa não aumentou; porém, uma força estranha se lhe opõe ao movimento e essa causa pode residir nos fluidos ambientes que a penetram, como reside no ar a que aumenta ou diminui o peso aparente da campânula. Fazei a experiência da campânula pneumática diante de um campônio ignorante, incapaz de compreender que o que atua é o ar, que ele não vê, e não vos será difícil persuadi-lo de que aquilo é obra do diabo.

Dirão talvez que, sendo imponderável esse fluido, um acúmulo dele não pode aumentar o peso de qualquer objeto. De acordo; mas notai que, se nos servimos do termo acúmulo, foi por comparação, não por que assimilemos em absoluto aquele fluido ao ar. Ele é imponderável: seja. Entretanto, nada prova que o é. Desconhecemos a sua natureza íntima e estamos longe de lhe conhecer todas as propriedades. Antes que se houvesse experimentado a gravidade do ar, ninguém suspeitava dos efeitos dessa mesma gravidade. Também a eletricidade se classifica entre os fluidos imponderáveis; no entanto, um corpo pode ser fixado por uma corrente elétrica e oferecer grande resistência a quem queira suspendê-lo. Tornou-se, assim, aparentemente mais pesado. Fora ilógico afirmar-se que o suporte não existe, simplesmente por não ser visível. O Espírito pode ter alavancas que nos sejam desconhecidas: a Natureza nos prova todos os dias que o seu poder ultrapassa os limites do testemunho dos sentidos.

Só por uma causa semelhante se pode explicar o singular fenômeno, tantas vezes observado, de uma pessoa fraca e delicada levantar com dois dedos, sem esforço e como se se tratasse de uma pena, um homem forte e robusto, juntamente com a cadeira em que está assentado. As intermitências da faculdade provam que a causa é estranha a pessoa que produz o fenômeno.

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Segunda Parte
Das manifestações espíritas
CAPÍTULO I
Da Ação dos Espíritos Sobre a Matéria

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52. Posta de lado a opinião materialista, porque condenada pela razão e pelos fatos, tudo se resume em saber se a alma, depois da morte, pode manifestar-se aos vivos. Reduzida assim à sua expressão mais singela, a questão fica extraordinariamente desembaraçada. Caberia, antes de tudo, perguntar por que não poderiam seres inteligentes, que de certo modo vivem no nosso meio, se bem que invisíveis por natureza, atestar-nos de qualquer forma sua presença. A simples razão diz que nisto nada absolutamente há de impossível, o que já é alguma coisa. Demais, esta crença tem a seu favor o assentimento de todos os povos, porquanto com ela deparamos em toda parte e em todas as épocas. Ora, nenhuma intuição pode mostrar-se tão generalizada, nem sobreviver ao tempo, se não tiver algum fundamento. Acresce que se acha sancionada pelo testemunho dos livros sagrados e pelo dos Pais da Igreja, tendo sido preciso o cepticismo e o materialismo do nosso século para que fosse lançada ao rol das idéias supersticiosas. Se estamos em erro, aquelas autoridades o estão igualmente. Mas, isso não passa de considerações de ordem moral. Uma causa, especialmente, há contribuído para fortalecer a dúvida, numa época tão positiva como a nossa, em que toda gente faz questão de se inteirar de tudo, em que se quer saber o porquê e o como de todas as coisas. Essa causa é a ignorância da natureza dos Espíritos e dos meios pelos quais se podem manifestar. Adquirindo o conhecimento daquela natureza e destes meios, as manifestações nada mais apresentam de espantosas e entram no cômputo dos fatos naturais.

53. A idéia que geralmente se faz dos Espíritos torna à primeira vista incompreensível o fenômeno das manifestações. Como estas não podem dar-se, senão exercendo o Espírito ação sobre a matéria, os que julgam que a idéia de Espírito implica a de ausência completa de tudo o que seja matéria perguntam, com certa aparência de razão, como pode ele obrar materialmente. Ora, aí o erro, pois que o Espírito não é uma abstração, é um ser definido, limitado e circunscrito. O Espírito encarnado no corpo constitui a alma. Quando o deixa, por ocasião da morte, não sai dele despido de todo o envoltório. Todos nos dizem que conservam a forma humana e, com efeito, quando nos aparecem, trazem as que lhes conhecíamos.

Observemo-los atentamente, no instante em que acabem de deixar a vida; acham-se em estado de perturbação; tudo se lhes apresenta confuso, em tomo; vêem perfeito ou mutilado, conforme o gênero da morte, o corpo que tiveram; por outro lado se reconhecem e sentem vivos; alguma coisa lhes diz que aquele corpo lhes pertence e não compreendem como podem estar separados dele. Continuam a ver-se sob a forma que tinham antes de morrer e esta visão, nalguns, produz, durante certo tempo, singular ilusão: a de se crerem ainda vivos. Falta-lhes a experiência do novo estado em que se encontram, para se convencerem da realidade. Passado esse primeiro momento de perturbação, o corpo se lhes torna uma veste imprestável de que se despiram e de que não guardam saudades. Sentem-se mais leves e como que aliviados de um fardo. Não mais experimentam as dores físicas e se consideram felizes por poderem elevar-se, transpor o espaço, como tantas vezes o fizeram em sonho, quando vivos (1). Entretanto, mau grado à falta do corpo, comprovam suas personalidades; têm uma forma, mas que os não importuna nem os embaraça; têm, finalmente, a consciência de seu eu e de sua individualidade. Que devemos concluir daí? Que a alma não deixa tudo no túmulo, que leva consigo alguma coisa.

(1) Quem se quiser reportar a tudo o que dissemos em O Livro dos Espíritos sobre os sonhos e o estado do Espírito durante o sono (ns. 400 a 418), conceberá que esses sonhos que quase toda gente tem, em que nos vemos transportados através do espaço e como que voando, são mera recordação do que o nosso Espírito experimentou, quando, durante o sono, deixara momentaneamente o corpo material, levando consigo apenas o corpo fluídico, o que ele conservará depois da morte. Esses sonhos, pois, nos podem dar uma idéia do estado do Espírito, quando se houver desembaraçado dos entraves que o retêm preso ao solo.

54. Numerosas observações e fatos irrecusáveis, de que mais tarde falaremos, levaram à consequência de que há no homem três componentes:

1º, a alma, ou Espírito, princípio inteligente, onde tem sua sede o senso moral;

2º, o corpo, invólucro grosseiro, material, de que ele se revestiu temporariamente, em cumprimento de certos desígnios providenciais;

3º, o perispírito, envoltório fluídico, semimaterial, que serve de ligação entre a alma e o corpo.

A morte é a destruição, ou, antes, a desagregação do envoltório grosseiro, do invólucro que a alma abandona. O outro se desliga deste e acompanha a alma que, assim, fica sempre com um envoltório. Este último, ainda que fluídico, etéreo, vaporoso, invisível, para nós, em seu estado normal, não deixa de ser matéria, embora até ao presente não tenhamos podido assenhorear-nos dela e submetê-la à análise.

Esse segundo invólucro da alma, ou perispírito, existe, pois, durante a vida corpórea; é o intermediário de todas as sensações que o Espírito percebe e pelo qual transmite sua vontade ao exterior e atua sobre os órgãos do corpo. Para nos servirmos de uma comparação material, diremos que é o fio elétrico condutor, que serve para a recepção e a transmissão do pensamento; é, em suma, esse agente misterioso, imperceptível, conhecido pelo nome de fluido nervoso, que desempenha tão grande papel na economia orgânica e que ainda não se leva muito em conta nos fenômenos fisiológicos e patológicos.

Tomando em consideração apenas o elemento material ponderável, a Medicina, na apreciação dos fatos, se priva de uma causa incessante de ação. Não cabe, aqui, porém, o exame desta questão. Somente faremos notar que no conhecimento do perispírito está a chave de inúmeros problemas até hoje insolúveis.

O perispírito não constitui uma dessas hipóteses de que a ciência costuma valer-se, para a explicação de um fato. Sua existência não foi apenas revelada pelos Espíritos, resulta de observações, como teremos ocasião de demonstrar. Por ora e por nos não anteciparmos, no tocante aos fatos que havemos de relatar, limitar-nos-emos a dizer que, quer durante a sua união com o corpo, quer depois de separar-se deste, a alma nunca está desligada do seu perispírito.

55. Hão dito que o Espírito é uma chama, uma centelha. Isto se deve entender com relação ao Espírito propriamente dito, como princípio intelectual e moral, a que se não poderia atribuir forma determinada. Mas, qualquer que seja o grau em que se encontre, o Espírito está sempre revestido de um envoltório, ou perispírito, cuja natureza se eteriza, à medida que ele se depura e eleva na hierarquia espiritual. De sorte que, para nós, a idéia de forma é inseparável da de Espírito e não concebemos uma sem a outra. O perispírito faz, portanto, parte integrante do Espírito, como o corpo o faz do homem. Porém, o perispírito, só por só, não é o Espírito, do mesmo modo que só o corpo não constitui o homem, porquanto o perispírito não pensa. Ele é para o Espírito o que o corpo é para o homem: o agente ou instrumento de sua ação.

56. Ele tem a forma humana e, quando nos aparece, é geralmente com a que revestia o Espírito na condição de encarnado. Daí se poderia supor que o perispírito, separado de todas as partes do corpo, se modela, de certa maneira, por este e lhe conserva o tipo; entretanto, não parece que seja assim. Com pequenas diferenças quanto às particularidades e exceção feita das modificações orgânicas exigidas pelo meio em o qual o ser tem que viver, a forma humana se nos depara entre os habitantes de todos os globos. Pelo menos, é o que dizem os Espíritos. Essa igualmente a forma de todos os Espíritos não encarnados, que só têm o perispírito; a com que, em todos os tempos, se representaram os anjos, ou Espíritos puros. Devemos concluir de tudo isto que a forma humana é a forma tipo de todos os seres humanos, seja qual foro grau de evolução em que se achem. Mas a matéria sutil do perispírito não possui a tenacidade, nem a rigidez da matéria compacta do corpo; é, se assim nos podemos exprimir, flexível e expansível, donde resulta que a forma que toma, conquanto decalcada na do corpo, não é absoluta, amolga-se à vontade do Espírito, que lhe pode dar a aparência que entenda, ao passo que o invólucro sólido lhe oferece invencível resistência.

Livre desse obstáculo que o comprimia, o perispírito se dilata ou contrai, se transforma: presta-se, numa palavra, a todas as metamorfoses, de acordo com a vontade que sobre ele atua. Por efeito dessa propriedade do seu envoltório fluídico, é que o Espírito que quer dar-se a conhecer pode, em sendo necessário, tomar a aparência exata que tinha quando vivo, até mesmo com os acidentes corporais que possam constituir sinais para o reconhecerem.

Os Espíritos, portanto, são, como se vê, seres semelhantes a nós, constituindo, ao nosso derredor, toda urna população, invisível no estado normal. Dizemos - no estado normal, porque, conforme veremos, essa invisibilidade nada tem de absoluta.

57. Voltemos à natureza do perispírito, pois que isto é essencial para a explicação que temos de dar. Dissemos que, embora fluídico, o perispírito não deixa de ser uma espécie de matéria, o que decorre do fato das aparições tangíveis, a que volveremos. Sob a influência de certos médiuns, tem-se visto aparecerem mãos com todas as propriedades de mãos vivas, que, como estas, denotam calor, podem ser palpadas, oferecem a resistência de um corpo sólido, agarram os circunstantes e, de súbito, se dissipam, quais sombras. A ação inteligente dessas mãos, que evidentemente obedecem a uma vontade, executando certos movimentos, tocando até melodias num instrumento, prova que elas são parte visível de um ser inteligente invisível. A tangibilidade que revelam, a temperatura, a impressão, em suma, que causam aos sentidos, porquanto se há verificado que deixam marcas na pele, que dão pancadas dolorosas, que acariciam delicadamente, provam que são de uma matéria qualquer. Seus desaparecimentos repentinos provam, além disso, que essa matéria é eminentemente sutil e se comporta como certas substâncias que podem alternativamente passar do estado sólido ao estado fluídico e vice-versa.

58. A natureza íntima do Espírito propriamente dito, isto é, do ser pensante, desconhecemo-la por completo. Apenas pelos seus atos ele se nos revela e seus atos não nos podem impressionar os sentidos, a não ser por um intermediário material. O Espírito precisa, pois, de matéria, para atuar sobre a matéria. Tem por instrumento direto de sua ação o perispírito, como o homem tem o corpo. Ora, o perispírito é matéria, conforme acabamos de ver. Depois, serve-lhe também de agente intermediário o fluido universal, espécie de veículo sobre que ele atua, como nós atuamos sobre o ar, para obter determinados efeitos, por meio da dilatação, da compressão, da propulsão, ou das vibrações.

Considerada deste modo, facilmente se concebe a ação do Espírito sobre a matéria. Compreende-se, desde então, que todos os efeitos que daí resultam cabem na ordem dos fatos naturais e nada têm de maravilhosos. Só pareceram sobrenaturais, porque se lhes não conhecia a causa. Conhecida esta, desaparece o maravilhoso e essa causa se inclui toda nas propriedades semimateriais do perispírito. E uma ordem nova de fatos que uma nova lei vem explicar e dos quais, dentro de algum tempo, ninguém mais se admirará como ninguém se admira hoje de se corresponder com outra pessoa, a grande distância, em alguns minutos, por meio da eletricidade.

59. Perguntar-se-á, talvez, como pode o Espírito, com o auxilio de matéria tão sutil, atuar sobre corpos pesados e compactos, suspender mesas, etc. Semelhante objeção certo que não será formulada por um homem de ciência, visto que, sem falar das propriedades desconhecidas que esse novo agente pode possuir, não temos exemplos análogos sob as vistas? Não é nos gases mais rarefeitos, nos fluidos imponderáveis que a indústria encontra os seus mais possantes motores? Quando vemos o ar abater edifícios, o vapor deslocar enormes massas, a pólvora gaseificada levantar rochedos, a eletricidade lascar árvores e fender paredes, que dificuldades acharemos em admitir que o Espírito, com o auxilio do seu perispírito, possa levantar uma mesa, sobretudo sabendo que esse perispírito pode tornar-se visível, tangível e comportar-se como um corpo sólido?

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