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CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA IV

Causas da obsessão e meios de combate – IV
Revista Espírita, abril de 1863

Numa segunda edição de sua brochura sobre a epidemia de Morzine, o dr. Constant responde ao sr, Mirville, que criticou o seu ceticismo relativo aos demônios, e o censurou por ter estado nos lugares, "em Thonon, diz ele, não que tenha tido medo dos diabos, mas do caminho e não se julga o homem menos informado. Censura-me ainda, como a outro médico, por ter partido de Paris com juízo formado. Em bom direito, se me permite, posso devolver a censura: no caso estaremos, então, de igual para igual."

Não sabemos se sr. de Mirville lá teria ido com a idéia pré-estabelecida de não ver qualquer afecção física nos doentes de Morzines, mas é bem evidente que o dr. Constant lá foi com a de não ver nenhuma causa oculta. O preconcebido, num sentido qualquer, é a pior condição para um observador, porque então tudo vê e tudo refere do seu ponto de vista, negligenciando o que pode haver de contrário. Certo não é o meio de chegar a verdade. A opinião bem arraigada do sr. Constant, relativa à negação das causas ocultas, ressalta de que ele, a priori, repele como errônea que quer observação e qualquer conclusão que se afaste de sua maneira de ver, nos relatórios feitos antes do seu. Assim, enquanto o sr. Constant insiste sobre a constituição débil, linfática e raquítica dos habitantes, a insalubridade da região, a má qualidade e a insuficiência da alimentação, o sr. Arthaud, médico chefe dos alienados de Lyon, que foi enviado a Morzine, diz em seu relatório: "que a constituição dos habitantes é boa, as ecrófulas são raras; a despeito de todas as suas pesquisas, não descobriu senão um caso de epilepsia e um de imbecilidade.” Mas replica o Sr. Constant, “o sr. Arthaud só passou três dias na região e só teria podido ver pequena parte da população e é muito difícil obter informações sobre as famílias."

Um outro relatório assim se exprime sobre o mesmo assunto:

“Nós, abaixo assinados, declaramos que tendo ouvido falar dos casos extraordinários, tidos como possessão de demônios, e ocorridos em Morzine, transportamo-nos para aquela paróquia onde chegamos a 30 de setembro último (1857) para testemunhar o que se passava e examinar tudo com maturidade e prudência, esclarecendo-nos por todos os meios fornecidos pela presença no lugar, a fim de poder formar um juízo razoável em semelhante matéria.

"1º - Vimos oito jovens que estão libertas e cinco em estado de crise; a mais jovem tem dez anos e a mais velha, vinte e dois.

"2º - Conforme tudo quanto nos dizem e que pudemos observar, essas jovens estão em perfeita saúde; fazem todas as obras e trabalhos peculiares à sua posição, de modo que não se vê, quanto ao, outros hábitos e ocupações, nenhuma diferença entre elas e as outras jovens da montanha.

"3º - Vimos estas moças, as não curadas, nos momentos lúcidos. Ora, podemos assegurar que nada foi observado nelas, quer idiotia, quer predisposição para as crises atuais, por falhas de caráter ou por exaltação de espírito. Aplicamos a mesma observação às que são curadas. Todas as pessoas que consultamos sobre os antecedentes e os primeiros anos dessas moças nos asseguraram que elas eram, do ponto de vista de inteligência, no mais perfeito estado.

"4º - O maior número destas moças pertence a famílias que tem um honesto conforte de fortuna.

"5º - Asseguramos que pertencem a famílias que gozam de boa reputação, entre as quais algumas são de uma virtude e uma piedade exemplares."

Daremos em pouco a continuação deste relatório concernente aos fatos. Queríamos apenas constatar que nem todos viram as coisas com cores tão negras quanto o sr. Constant, que apresenta os habitantes como na extrema miséria e dos mais cabeçudos, teimosos e mentirosos, posto que no fundo bons e, sobretudo, piedosos, ou antes, devotos. Ora, quem tem razão: o sr. Constant, sozinho, ou vários outros, não menos honrados que certificam ter bem observado? De nossa parte não hesitamos em nos colocar ao lado dos últimos, depois daquilo que vimos e do que nos disseram várias autoridades médicas e administrativas da região, e a manter a opinião emitida em nossos artigos preceidentes.

Para nós a causa primeira nem está na constituição nem no regime higiênico dos habitantes, porque, como fizemos notar, há muitas regiões, a começar pelo Valais, limítrofe, em que as condições de toda a natureza, morais e outras, são infinitamente mais desfavoráveis e onde, entretanto, não grassa essa doença. Nós a veremos já circunscrita, não ao vale, mas apenas nos limites da comuna de Morzines. Se, como afirma o dr. Constant, a causa fosse inerente à localidade, no gênero de vida e à inferioridade moral dos habitantes, perguntamos, ainda, por que o efeito é epidêmico e não endêmico, como a papeira e o cretinismo no Valais? Por que as epidemias do mesmo gênero, de que fala a história, se produzem nas casas religiosas onde nada falta e que se acham nas melhores condições de insalubridade?

Alias, este é o quadro que o sr. Constant faz de caráter da gente de Morzine.

“Uma demora prolongada, visitas sucessivas e diárias mais ou menos em cada casa, permitiram-me chegar a outras constatações.

"Os habitantes de Morzine são suaves, honestos, de grande piedade; seria talvez mais justo dizer de grande devoção.

"São cabeçudos e dificilmente renunciam à idéia que adotaram, o que, além de outros inconvenientes, acrescenta o de os tornarem teimosos: outra fonte de mal-estar e de miséria, porque as conciliações são raras. Mas só em exceções muito raras é que a justiça criminal encontra culpados entre eles.

Tem um aspecto grave e sério, que parece um reflexo da natureza áspera que os rodeia e que lhes imprime uma espécie de cunho particular, que os faria tomar por membros de uma vasta comunidade religiosa. Com efeito, sua existência difere pouco da de um convento.

"Seriam inteligentes, se seu raciocínio não fosse obscurecido por uma porção do crenças absurdas ou exageradas, por um invencível arrastamento para o maravilhoso, legado pelos séculos passados e do que não os curou o século atual.

"Todos gostam dos contos e histórias impossíveis. Posto que fundamentalmente honestos, alguns mentem com imperturbável aprumo, para sustentar o que disseram no gênero. Se bem acabem, estou convicto, por mentir de boa fé, por crer em suas próprias mentiras, sem cessar de crer nas dos outros. Para ser justo, é preciso dizer que a maioria não mente: apenas conta inexatamente o que viu”.

Aos nossos olhos, a causa é independente das questões dos homens e das coisas. Se formulamos tal opinião, não é com o propósito de ver por toda a parte a ação dos Espíritos, porque ninguém admite sua intervenção com mais circunspeção do que nós; mas, por uma analogia que notamos entre certos efeitos e os que nos são demonstrados como resultado evidente de uma causa oculta. Mas, ainda uma vez, como admitir essa quando não se acredita na existência dos Espíritos? Como admitir, com Raspall, afecções produzidas por seres microscópicos, se nega a existência desses animais, porque não o vimos? Antes da invenção do microscópico, Raspall teria passado por um louco, por ver animais em toda a parte; hoje que se está um pouco mais esclarecido, não se vêem Espíritos. Para isso, entretanto, quase que só falta por óculos.

Não negamos que haja efeitos patológicos na afecção de que se trata, porque a experiência no-los mostra, por vezes, em casos semelhantes. Mas dizemos que são consecutivos e não causais. Se um médico Espírita tivesse ido a Morzine, teria visto o que outros não viram, sem, contudo, desprezar os fatos fisiológicos.

Depois de haver falado do sr. de Mirville que, diz ele, para no caminho, acrescenta o sr. Constant:

"O sr. Allan Kardec fez a viagem completa. Nos números de dezembro de 1862 e janeiro de 1863 da sua Revista Espírita, já publicou dois artigos, apenas preliminares. O exame dos fatos virá no número de fevereiro. Enquanto isto, nos adverte que a epidemia de Morzine é semelhante à que caiu sobre a Judéia, ao tempo do Cristo. É bem possível.

"Com o risco de incorrer na censura de alguns leitores que acharão que faria melhor se não falasse dos Espíritos, aconselbo aos que lerem esta brochura a ler o mesmo assunto nos autores que acabo de citar.

"Contudo, não deveriam enganar-se quanto ao meu convite: quanto mais leitores sérios houver para as obras sobre o Espiritismo, mais cedo será feita justiça a uma crença, a uma ciência, como dizem, sobre a qual talvez eu pudesse arriscar uma opinião, depois de tantas vezes haver verificado o seu resultado: o contingente bastante notável que ele fornece anualmente à população dos asilos de alienados".

Pode ver-se por aí com que idéias o sr. Constant foi a Morzine. Certo não procuraremos lhe trazer nossa opinião: apenas lhe diremos que o resultado da leitura das obras espíritas demonstrou pela experiência o contrário do que ele espera, pois que essa leitura, em vez de fazer pronta justiça a essa pretensa ciência, anualmente multiplica os adeptos aos milhares; que hoje são contados no mundo inteiro por cinco ou seis milhões, dos quais a décima parte só na França. Se ele objetasse que são apenas tolos e ignorantes, nós 1he perguntaríamos por que essa doutrina conta no número de seus mais firmes partidários tão grande número de médicos em todos os países, o que atesta nossa correspondência, o número de médicos assinantes da Revista e o dos que presidem ou fazem parte de grupos e sociedades espíritas, sem falar do número não menor de adeptos pertencentes a posições sociais onde só se chega pela inteligência e pela instrução. Isto é um fato material que ninguém pode negar. Ora, como todo efeito tem uma causa, a causa desse efeito do Espiritismo não parece a todo mundo absurdo quando alguns se gabam de dizer. - Infelizmente é certo, exclamam os adversários da doutrina; assim, não temos mais que cobrir o rosto pelo erro da humanidade que marcha para a decadência.
Resta a questão da loucura, o bicho-papão com o auxílio do qua1 procuram apavorar as criaturas, que quase não se abalam, como bem se vê. Quando esse meio estiver esgotado, certamente inventarão outro; enquanto se espera remeteremos o leitor para o artigo publicado no número de fevereiro último, sob o título de A Loucura Espírita.

Os primeiros sintomas da epidemia de Morzine se declaravam em março de 1857 em duas meninas de uns doze anos. Em novembro seguinte o número de doentes era de vinte sete e em 1861 atingiu o máximo de cento e vinte.

Se déssemos conta do fato segundo o que vimos, poder-se-ia dizer que vimos o que quisemos ver. Alias, chegamos no declínio da doença e ficamos o bastante para tudo observar. Citando as observações alheias, não nos podem acusar de somente ver pelos próprios olhos.

Tomamos as observações que se seguem do relatório de que acima fizemos um extrato:

"Essas moças falam francês durante a crise com uma admirável facilidade, mesmo as que, fora daí, só sabem algumas palavras.

“Uma vez em crise, as moças perdem completamente qualquer reserva, seja para o que for; também perdem completamente toda afeição de família.

"A resposta é sempre pronta e fácil, que parece vir antes da interrogação. Esta resposta é sempre direta, exceto quando quem fala responde por tolices, insultos ou uma mesma recusa formal.

"Durante a crise o pulso fica calmo e, no maior furor, o personagem tem um ar de domínio, como alguém que tivesse a cólera sob comando, sem parecer nem exaltado nem tomado de um acesso de febre.

"Notamos durante as crises uma insolência incrível, que passa qualquer limite, em meninas que, fora daí, são delicadas e tímidas.

"Durante a crise há em todas as meninas um caráter de impiedade permanente, levado além de todo o limite, dirigido contra tudo o que lembra Deus, os mistérios da religião, Maria, os santos, os sacramentos, a prece, etc.; o caráter dominante destes momentos terríveis é o ódio a Deus e a tudo quanto a ele se refere.

“Constatamos muito bem que essas meninas revelam coisas que chegam de longe, bem como fatos passados de que não tinham conhecimento; também revelaram pensamento de várias pessoas.

"Algumas vezes anunciaram o começo, a duração e o fim das crises, o que farão mais tarde e o que não farão.

"Sabemos que deram respostas exatas a perguntas feitas em línguas desconhecidas, como alemão, latim, etc.

“No estado de crise as moças tem uma força sem proporção com a idade, pois são precisos três ou quatros homens para conter, durante o exorcismo, meninas de dez anos.

“É de notar-se que, durante a crise, as meninas não se maltratam, nem pelas contrações, que parecem de natureza a deslocar os membros, nem pelas quedas, nem pelas pancadas violentas que se dão.

“Em suas respostas há sempre, invariavelmente, distinção de várias entidades: a filha e ele, o demônio e o danado.

“Fora das crises as meninas não tem qualquer lembrança de que disseram ou fizeram; quer a crise tenha durado todo o dia, quer tenham feito trabalhos prolongados ou encargos dados no estado de crise.

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“Para concluir, diremos:

“Que a nossa impressão é de que tudo isto é sobrenatural, na causa e nos efeitos; segundo as regras da lógica sã e conforme tudo quanto a teologia, a história eclesiástica e o Evangelho nos ensinam e nos contam.

“Declaramos que, em nossa opinião, há uma verdadeira posessão do demônio.

“Em fé do que,

assinado:***

Morzine, 5 de outubro de 1857.

Assim o sr. Constant descreve as crises dos doentes, segundo suas observações:

“Em meio à mais completa calma, raramente à noite, de repente sobrevêm bocejos, espreguiçamento, tremores, pequenos solavancos de aspecto coreico nos braços; pouco a Pouco, em curto espaço de tempo, como por efeito de descargas sucessivas, tais movimentos se tornam rápidos, depois mais simples e em breve não parecem mais que exagero de movimentos fisiológicos; a pupila se dilata e se contrai e os olhos participam do movimento geral.

"Então as doentes, cujo aspecto a princípio parecia exprimir terror, entram num estado de furor, que vai sempre crescendo, como se a idéia que as domina produzisse dois efeitos quase que simultâneos: depressão e excitação logo depois.

"Elas batem nos móveis com força e vitalidade, começam a falar, ou antes a vociferar; o que dizem, mais ou menos todas, quando não superexcitadas por perguntas, se reduz a palavras indefinidamente repetidas: "s...não! s...ch...gue!... s...vermelho! (Elas chamam vermelhos aqueles em cuja piedade não acreditam). Algumas acrescentam juramentos.

"Se junto a elas não se acha nenhum espectador estranho; se não lhes fizessem perguntas, repetem incessantemente a mesma coisa, sem nada acrescentar. Ao contrário, respondem ao que pergunta o espectador e mesmo aos pensamentos que lhes atribuem, às objeções que prevêem, mas sem se afastarem da idéia dominante e tudo referido ao que dizem. Assim por vezes: "Ah! tu crês, b...descrente, que somos loucas, que apenas sofrermos da imaginação! Somos danadas, s...n de D...! Somos diabos do inferno!"

"É como sempre um diabo que fala por sua boca, o suposto diabo por vezes conta o que fazia na terra, o que fez depois no inferno etc.

"Em minha presença acrescentavam invariavelmente:

Não são os teus s...médicos que nos curarão! Nós nos f...perfeitamente de teus remédios! Bem podes fazer a menina tomar, elas os tormentarão, fá-la-ão sofrer; mas a nós eles nada farão, porque somos diabos! Nós precisamos de santos sacerdotes, de bispos etc."

"O que não os impede de insultar o sacerdote, quando está presente, sob o pretexto de que não são bastante santos para ter ação sobre os demônios. Perante o prefeito, os magistrados, era sempre a mesma idéia, mas com outras palavras.

"A medida que elas falam, sempre com a mesma veemência, suas fisionomias tem um só aspecto: o do furor. Por vezes o pescoço incha e a face se injeta; noutras, empalidece, como nas pessoas normais, que coram ou empalidecem, conforme a constituição, num violento acesso de cólera; os lábios estão sempre úmidos de saliva, o que leva a dizer que as doentes espumam.

"Limitados inicialmente às partes superiores, os movimentos vão ganhando o tronco e os membros inferiores; a respiração torna-se ofegante; as doentes redobram o furor, tornam-se agressivas, deslocam os móveis, atiram as cadeiras, os tamboretes, tudo quanto lhes cai às mãos, sobre os assistentes; precipitam-se sobre estes para lhes bater, tanto nos parentes quanto nos estranhos; jogam-se por terra, sempre com os mesmos gritos; rolam-se, batem as mãos no solo ou no peito, no ventre, na garganta e procuram arrancar algo que parece incomodar nesses pontos. Viram-se e reviram-se de um salto; vi duas que, levantando-se como que por uma mola, voltavam-se para trás de tal modo que a cabeça tocava o solo ao mesmo tempo que os pés.

"Esta crise dura, mais ou menos, dez, vinte minutos, meia hora, conforme a causa que a provocou. Se em presença de um estranho, sobretudo um padre, é raro que termine antes que a pessoa se afaste. Neste caso os movimentos convulsivos não são contínuos: depois de terem sido violentos, enfraquecem e param para recomeçar imediatamente, como se a força nervosa esgotada repousasse um momento para se refazer.

"Durante a crise nem o pulso, nem o batimento do coração se aceleram e, mais comumente se dá o contrário: o pulso se concentra, torna-se filiforme, lento, e as extremidades se esfriam; a despeito da violência da agitação e dos golpes furiosos, as mãos ficam geladas.

"Contrariamente ao que em geral se vê em casos análogos, nenhuma idéia exótica se mistura ou parece juntar-se à idéia demoníaca. Eu mesmo fui chocado por essa particularidade, por ser comum em todas as doentes: nenhuma diz qualquer palavra ou faz o menor gesto obsceno. Em seus mais desordenados movimentos, jamais se descobrem e se seus vestidos se levantam um pouco quando rolam por terra, é raro que não os componham imediatamente.

"Não parece que haja aqui lesão da sensibilidade genital; assim, jamais se tratou de íncubos e súcubos ou de cenas de Sabat. Todas as doentes pertencem, como demonomanas, ao segundo dos quatro grupos indicados pelo sr. Macário. Algumas escutam a voz dos diabos; muito mais geralmente falam por sua boca.

"Depois da grande desordem, pouco a pouco, os movimentos se tornam menos rápidos; certos gases se escapam pela boca e a crise termina. A doente olha em redor com um ar espantado, arranja os cabelos, apanha e coloca o seu gorro, bebe uns goles d'água e retoma o seu trabalho, se o tinha ao começar a crise. Quase todas dizem que não sofrem cansaço nem se lembram do que disseram ou fizeram.

"Esta última asserção nem sempre é sincera. Surpreendi algumas lembrando-se muito bem; apenas acrescentavam: "Bem sei que ele (o diabo) disse ou fez isto ou aquilo; mas não sou eu. Se minha boca falou, se minhas mãos bateram, era ele que as fazia falar e bater. Bem que eu queria ficar tranqüila; mas ele é mais forte que eu"

"Esta descrição é a do estado mais freqüente. Mas entre os extremos existem vários graus, desde as doentes que só tem crise, de dores gastrálgicas, até a que chega ao último paroxismo do furor. Feita reserva, em todas as doentes visitadas não encontrei diferenças dignas de nota senão nalgumas poucas.

“Uma, chamada Jean Br..., quarenta e oito anos, não casada, muito velha histérica, sente animais que não passam de diabos que lhe correm pelo rosto e a mordem.

"A mulher Nicolas B..., trinta e oito anos, doente há três anos, late durante as crises. Atribui sua doença a um copo de vinho que bebeu com um desses que fazem mal.

"Jeanne G..., trinta e sete anos, não casada, é aquela cujas crises diferem mais. Não tem movimentos clônicos gerais, que se vêem nas outras e quase nunca fala. Desde que sente vir a crise, vai sentar-se, põe-se a balançar a cabeça para frente e para trás; os movimento, a princípio lentos e pouco pronunciados, vão-se acelerando e acabam fazendo a cabeça descrever um círculo com incrível rapidez, até vir alternativa e regularmente bater as costas e peito. A intervalos o movimento cessa, e os músculos contraídos mantém a cabeça fixa na posição em que se encontrava ao parar, sem que seja possível erguê-la ou dobrá-la, mesmo com esforços.

“Victoire V..., vinte anos, foi uma das primeiras a adoecer, aos dezesseis anos. Conta seu pai o que ela sofreu: “Jamais tinha sentido nada, quando um dia foi tomada na igreja. Durante os dois ou três primeiros dias apenas saltava um pouco. Um dia me trouxe o jantar na cúria, onde eu trabalhava e tocou o Ângelus quando ela chegava; pôs-se a saltar, atirou-se no chão, gritando e gesticulando, jurando junto ao sineiro. Por acaso lá se achava o cura de Montriond; ela o injuriou, chamando-os s... ch... de Montriond. O cura de Morzine também veio para junto dela, quando a crise terminara, mas ela recomeçou porque ele fez o sinal da cruz em sua fronte. Tinham-na exorcizado várias vezes, mas vendo que nada a curava, nem exorcismos nem nada, levei-a a Genéve, ao sr. Lafontaine, o magnetizador. Lá ficou um mês e ficou curada. Ficou tranqüila cerca de três anos.

"Há seis semanas recail, mas já não tinha crises. Não queria ver ninguém e se trancava em casa. Só comia quando eu tinha algo de bom para lhe dar; do contrário, não podia engolir, Não se mantinha nas pernas nem movia os braços. Várias vezes tentei pô-la de pé, mas e1a não se sentia e caía desde que não era sustentada. Resolvi levá-la ao sr. Lafontaine. Não sabia como transportá-la. Ela me disse: Quando estiver na comuna de Montriond andarei bem. Ajudado pelos vizinhos carregamo-la até Montriond. Mas logo do outro lado da ponte ela andou só e só se queixava de um gosto horrível na boca. Depois de duas sessões com o sr. Lafontaine ficou melhor e agora está empregada como doméstica."

"Foi geralmente notado, diz o sr. Constant, que desde que fora da comuna, só raramente as doentes tem crises.

"Um dia, o prefeito, que me acompanhava, foi surpreendido por uma doente e violentamente batido com uma pedra no rosto. Quase ao mesmo instante outra doente se atirava sobre ele, com um pedaço de pau, para lhe bater. Vendo esta vir, ele mostrou a ponta ferrada de sua bengala, ameaçando-a, se avançasse. Ela parou, deixou cair o pau e contentou-se a injuriá-lo.

"A despeito das corridas, dos saltos, dos movimentos violentos e desordenados das doentes, das pancadas que dão, seus terrores e divagações, não se citam tentativas de suicídio nem acidentes graves com qualquer delas. Não perdem, pois, toda a consciência e ao menos subsiste o instinto de conservação.

"Se no começo da crise uma mulher tem o filho nos braços, acontece muitas vezes que um diabo menos mau que o que a vai trabalhar lhe diz: “Deixa esta criança; e1e (o outro diabo) far-lhe-á mal.” O mesmo se dá quando tem uma faca ou outro instrumento capaz de ferir.

"Como as mulheres, os homens sofreram a influência da crença que a todos deprime em graus diversos; mas neles os efeitos foram menores e bastante diferentes. Alguns sentem realmente as mesmas dores que as mulheres; como estas sentem sufocação, uma sensação de estrangulamento e da bola histérica, mas nenhum chegou às convulsões; e se houve alguns raros casos de acidentes convulsivos, quase sempre podem ser atribuídos a um estado mórbido anterior e diferente. O único representante do sexo masculino que pareceu ter tido crises da mesma natureza que as moças foi o jovem T... São geralmente as moças de quinze a vinte e cinco anos que foram atingidas. Ao contrário, no outro sexo, com exceção do jovem T..., conforme acabo de dizer, são apenas homens maduros, aos quais as vicissitudes da vida talvez tivessem trazido preocupações pré-existentes ou acrescentar as causadas pela doença."

Depois de haver discutido a maioria dos fatos extraordinários contados a respeito das doentes de Morzine, e tentado provar o estado de degenerescência física e moral dos habitantes por força de afecções hereditárias, acrescenta o sr. Constant:

“É, pois, necessário ter como certo que tudo quanto se diz em Morzine, uma vez trazido à verdade, se acha consideravelmente reduzido. Cada um arranjou a sua história e quis ultrapassar o outro. Mesmo que muitos fatos fossem autênticos em todos os pontos e escapassem a toda interpretação, seria motivo para lhes buscar uma explicação além das leis naturais? Seria o mesmo que dizer que os agentes, cujo modo de agir ainda não foram descobertos e escapam à nossa análise são necessariamente sobrenaturais.

"Tudo o que se viu em Morzine, sobretudo aquilo que se conta, poderá muito bem ficar para certas pessoas como um sinal manifesto de uma possessão, mas é, também, muito certamente a de uma moléstia complexa que recebeu o nome de histero-demoniomania.

“Em resumo, acabamos de ver uma região cujo clima é rude e a temperatura muito variável, onde a histeria em todos os tempos foi considerada endêmica; uma população cuja alimentação, sempre a mesma para todos, mais pobres ou menos pobres, e sempre má, é composta de alimentos por vezes alterados, que podem provocar, e provocam, desarranjos das funções dos órgãos de nutrição e, por aí, nevroses particulares; uma população de uma constituição pouco robusta e especial, às vezes marcada de predisposições hereditárias; ignorante e vivendo num isolamento quase completo; muito piedosa, mas de uma piedade que tem por base mais o medo que a esperança; muito supersticiosa e cuja superstição, essa chaga que São Tomás chamava um vício oposto à religião por excesso, tem sido mais acariciada que combativa; embalada por histórias de feitiçaria que são, fora das cerimônias da Igreja, a única distração não impedida pela severidade religiosa exagerada; uma imaginação viva, muito impressionável, que teria necessidade de qualquer alimento, e que não tem outro senão essas mesmas cerimônias."

Resta-nos examinar as relações que podem existir entre os fenômenos acima descritos e os que se produzem nos casos de obsessão e subjugação bem constatados, o que cada um terá notado, o efeito dos meios curativos empregados, as causas da ineficácia do exorcismo e as condições nas quais podem ser úteis. É o que faremos no próximo e último artigo.

Enquanto isto, diremos ao sr. Constant que não há necessidade de buscar no sobrenatural a explicação dos efeitos desconhecidos. Neste ponto estamos ambos de perfeito acordo. Para nós os fenômenos espíritas nada tem de sobrenatural. Revelam-nos uma das leis, uma das forças da natureza que não conhecíamos e que produz efeitos até agora inexplicados. Esta lei que brota dos fatos e da observação, será mais desarrazoada porque tem como promotores seres inteligentes em vez de animais ou a matéria bruta? Será tão insensato crer em inteligências ativas além do túmulo, quando sobretudo elas se manifestam de maneira ostensiva? O conhecimento desta lei, levando certos efeitos à sua causa verdadeira, simples e natural, é o melhor antídoto das idéias supersticiosas.

CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA III

Causas da obsessão e meios de combate-la III
Revista Espírita, fevereiro de 1863
O estudo dos fenômenos de Morzine não oferecerá dificuldades quando tivermos bem penetrado os fatos particulares que citamos, e as considerações que um estudo atento permitiu deduzir das mesmas. Basta os relatar para que cada um encontre em si mesmo sua aplicação por analogia. Os dois fatos seguintes ainda nos ajudarão a orientar o leitor. O primeiro nos é transmitido pelo dr. Chaigneau, membro honorário da Sociedade de Paris, presidente da Sociedade Espírita de Saint-Jean d’Ángely.

"Uma família fazia evocações com um ardor desenfreado, arrastada por um Espírito que nos foi indicado como muito perigoso. Era um de seus parentes, morto depois de uma vida pouco decente e terminada por vários anos de alienação mental. Sob nome suposto, por surpreendentes provas mecânicas, belas promessas e conselhos de uma moralidade sem reservas, tinha conseguido de tal modo fascinar aquela gente muito crédula, que submetia todos às suas exigências e os obrigava aos atos mais excêntricos. Não podendo mais satisfazer todos os seus desejos, pediram o nosso conselho e tivemos muito trabalho para os dissuadir e lhes provar que tratavam com um Espírito da pior espécie. Conseguimo-lo, entretanto, e pudemos obter que, ao menos por algum tempo, se abstivessem. Desde então a obsessão tomou outro caráter: o Espírito se apoderava completamente do filho mais moço, de quatorze anos, o reduzia ao estado de catalepsia e, por sua boca, solicitava entretenimentos, dava ordens, fazia ameaças. Aconselhamos o mais absoluto mutismo, que foi observado rigorosamente. Os pais entregaram-se às preces e vinham procurar um de nós para os assistir. O recolhimento e a força de vontade nos deram sempre domínio em poucos minutos.

Praticamente, hoje, tudo cessou. Esperamos que na casa a ordem dê lugar à desordem. Longe de se desgostarem do Espiritismo, crêem mais que nunca, mas crêem mais seriamente. Agora compreendem seu fim e as conseqüências morais. Todos compreendem que receberam uma lição; alguns uma punição, talvez merecida."

Este exemplo prova, mais uma vez, o inconveniente de nos entregarmos às evocações em conhecimento de causa e sem objetivo sério. Graças aos conselhos da experiência, que aquelas pessoas escutaram, puderam desembaraçar-se de um inimigo, talvez terrível.

Ressalta outro ensinamento não menos importante. Aos olhos dos desconhecedores do Espiritismo, o rapaz teria passado por um louco. Não deixariam de lhe dar o tratamento correspondente e talvez desenvolvendo uma loucura real. Com a assistência de um médico espírita, o mal foi atacado em sua verdadeira causa e não teve conseqüências.

Já o mesmo não se deu no fato seguinte. Um senhor de nosso conhecimento, residente numa cidade provinciana muito hostil às idéias espíritas, de súbito foi tomado de uma espécie de delírio, no qual dizia coisas absurdas. Como se ocupasse do Espiritismo, naturalmente falava de Espíritos. Sem aprofundar as coisas, e alarmados, os que o cercavam trataram de chamar médicos, que o declararam atacado de loucura, com muita satisfação dos inimigos do Espiritismo, e já falavam em interná-lo numa casa de saúde. Tudo quanto coligimos em relação aquele senhor prova que ele se achou, de repente, sob o império de uma subjugação momentânea, talvez favorecida por certas condições físicas. Foi a idéia que ele teve. Escreveu-nos e nós lhe respondemos. Infelizmente nossa carta não lhe chegou a tempo e dela só teve conhecimento muito mais tarde. "É muito lamentável", disse-nos ele posteriormente, "que não tenha recebido vossa carta consoladora; naquele momento, ela me teria feito um bem imenso, confirmando o pensamento de que eu era joguete de uma obsessão, o que me teria tranqüilizado. Ao passo que eu ouvia tanto repetir que eu estava louco, acabei acreditando. A idéia me torturava a ponto que se tivesse continuado não sei o que teria acontecido". Consultado a respeito, um Espírito respondeu: "Esse senhor não é louco, mas a maneira por que o tratam poderá torná-lo louco. Mais ainda: poderiam matá-lo. O remédio para o seu mal está no próprio Espiritismo, e o consideram erradamente."

- Seria possível, daqui, agir sobre ele?

- "Sim, sem dúvida. Podeis fazer-lhe o bem; mas a vossa ação é paralisada pela má vontade dos que o cercam."

Casos análogos ocorreram em todas as épocas; e muitos foram presos como loucos, sem o serem. Só um observador experimentado nestes assuntos os pode apreciar. E como hoje se encontram muitos médicos espíritas, em casos semelhantes convém a estes recorrer. Um dia a obsessão será colocada entre as causas patológicas, como o é hoje a ação de animais microscópicos, de cuja existência não se suspeitava antes da invenção do microscópio. Mas então reconhecer-se-á que nem as duchas nem as sangrias poderão curá-la. O médico que não admite nem busca senão causas puramente materiais é tão impróprio a compreender e tratar tais afecções, quanto um cego o é para distinguir as cores.

O segundo caso nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Boulogne-sur-Mer. A mulher de um marinheiro desta cidade, de quarenta e cinco anos, está há quinze anos sob o domínio de uma triste subjugação. Quase todas as noites, sem excetuar as do período de gravidez, é despertada por volta de meia noite, tomada de tremores nos membros como se sob a ação de uma pilha galvânica. O estômago fica comprimido como que por um círculo de ferro e queimado por um ferro em brasa. O cérebro num estado de exaltação furiosa. É atirada fora do leito, por vezes semi nua, sai de casa e corre pelo campo, marcha sem saber por onde durante duas ou três horas e somente ao parar é que sabe onde se encontra. Não pode orar e, ao ajoelhar-se para o fazer, suas idéias se misturam com coisas bizarras e, até sujas. Não pode entrar em igrejas, posto deseje faze-lo, mas ao chegar à porta, sente uma barreira que a impede. Quatro homens tentaram levá-la para dentro da igreja dos Redentoristas e não o conseguiriam: ela gritava que a estavam matando, que lhe esmagavam o peito. Para fugir a essa horrível situação, a pobre tentou suicidar-se, por várias vezes, sem o conseguir. Tomou café no qual havia dissolvido fósforo; tomou água de "javelle" e nada sofreu; duas vezes aflorou na água e flutuava até que alguém a socorresse. Fora dos momentos de crise de que falei, é inteiramente normal e, ainda naqueles momentos, tem consciência do que faz e da força exterior que sobre ela atua. Toda a vizinhança diz que ela é vitima de um malefício ou um despacho."

A subjugação não poderia ser melhor caracterizada senão pelos fenômenos que, sem a menor dúvida, não podem deixar de ser obra de um Espírito da pior espécie. Dirão que foi o Espiritismo que o atraiu para ela ou lhe perturbou o cérebro. Mas há quinze anos não se cogitava disto. Aliás, a mulher não é louca e o que experimenta não é uma ilusão.

A medicina ordinária não verá nesses sintomas senão uma dessas afecções a que dá o nome de nevrose e cuja causa lhe é um mistério. A afecção é real, mas todo efeito tem uma causa. Ora, qual a primeira causa? Eis o problema em cuja via pode entrar o Espiritismo, demonstrando um novo agente no perispírito e a ação do mundo invisível sobre o mundo visível. Não generalizamos, e reconhecemos que, em certos casos, a causa pode ser puramente material. Outros há, porém, onde a intervenção de uma inteligência para-se o mal, ao passo que atacando apenas a suposta causa material nada se consegue.

Há um traço característico nos Espíritos perversos: é a sua aversão a tudo quanto se liga à religião. A maioria dos médiuns não obsedados que receberam comunicações de Espíritos maus, muitas vezes os viram blasfemar contra as coisas mais sagradas, rir-se da prece e a repelir até irritar-se, quando se lhes fala em Deus. No médium subjugado, o Espírito, dispondo de cerca de um terço do corpo para agir, exprime seus pensamentos, já não pela escrita, mas por gestos e palavras que provoca no médium.

Ora, como nenhum fenômeno espírita pode produzir-se sem uma aptidão mediúnica, pode dizer-se que a mulher de quem falamos é um médium espontâneo, inconsciente e involuntário. A impossibilidade em que se encontra de orar e entrar na igreja vem da repulsão do Espírito que dela se apoderou, pois sabe que a prece é um meio de faze-lo largar a presa. Em vez de uma pessoa, suponhamos, na mesma localidade, dez, vinte, trinta e mais no mesmo estado e teremos a reprodução do que se passou em Morzine.

Não é uma prova evidente de que são demônios? Dirão certas pessoas. Chamemo-los demônios, se isto vos agrada: o nome não os caluniaria. Mas não vedes diariamente homens que não valem nada e que, de pleno direito, poderiam ser chamados demônios encarnados? Não há os que blasfemam e renegam a Deus? Que parecem fazer o mal com prazer? Que se alegram à vista do sofrimento de seus semelhantes? Por que queríeis que, uma vez no mundo dos Espíritos, de súbito se transformassem? Aqueles a quem chamais demônios nós chamamos maus Espíritos, e concedemos toda a perversidade que lhes queirais atribuir.

Contudo, a diferença é que, em vossa opinião, os demônios são anjos decaídos, isto é, seres perfeitos que se tornaram maus e para sempre votados no mal e ao sofrimento. Em nossa opinião, são seres pertencentes à humanidade primitiva, espécie de selvagens ainda atrasados, mas a quem o futuro não está fechado e que melhorar-se-ão à medida que neles se desenvolver o senso moral, na série de existências sucessivas, o que nos parece mais conforme com a lei do progresso e justiça de Deus. Temos mais a nosso favor a experiência que prova a possibilidade de melhorar e de levar ao arrependimento Espíritos do mais baixo nível e aqueles que são colocados na categoria de demônios.

Vejamos uma fase especial desses Espíritos e cujo estudo é de alta importância para o assunto que nos ocupa.

Sabe-se que os Espíritos inferiores ainda se acham sob a influência da matéria e que entre eles se encontram todos os vícios e paixões da humanidade, paixões que eles carregam ao deixar a Terra e que trazem ao se reencarnarem, desde que se não emendaram, o que produz os homens perversos. Prova a experiência que uns são sensuais de diversas categorias, obscenos, lascivos, satisfeitos com os lugares baixos, impelindo e excitando à orgia e ao deboche, a cuja vista se repastam. Perguntaremos a que categoria de Espíritos poderiam pertencer, após a morte, seres como Tibério, Nero, Cláudio, Messalina, Calígula, Heliogábalo?

Que gênero de obsessão poderiam ter provocado e se é necessário, para explicar essas obsessões, recorrer a seres especiais, que Deus teria criado muito especialmente para impelir o homem ao mal? Há certos gêneros de obsessões que não deixam dúvidas quanto à qualidade dos Espíritos que as produzem. São as obsessões desse gênero que deram lugar à fábula dos íncubos e súcubos, em que acreditava firmemente Santo Agostinho. Poderíamos citar mais de um exemplo em apoio à asserção. Quando se estudam as várias impressões corporais e os contatos sensíveis por vezes produzidos por certos Espíritos; quando se conhecem os gostos e as tendências de alguns deles. E se, por outro, se examina o caráter de certos fenômenos histéricos, a gente pergunta se não representariam um papel nessa afecção, como representam na loucura obsessional? Nós a vimos várias vezes, acompanhada de sintomas menos equívocos da subjugação.

Vejamos agora o que se passa em Morzine e, para começar, digamos algumas palavras sobre o lugar, o que não é sem importância. Morzine é uma comuna do Chablais, na Alta Sabóia, a oito léguas de Thonon, na extremidade do vale do Drance, nos confins do Valais, na Suíça, da qual é separada por uma montanha. Sua população, de cerca de 2.500 almas, além da aldeia principal, compreende várias outras espalhadas nas alturas circundantes. É cercada e dominada por todos os lados por altas montanhas dependentes da cadeia dos Alpes, mas na maior parte, cobertas de bosques e cultivadas até a alturas consideráveis. Aliás, em parte alguma se vêem neves ou gelos perpétuos e, segundo nos dizem, a1i a neve é menos persistente do que no Jura.

Enviado em 1861 pelo governo francês, a fim de estudar a doença, o dr. Constant lá ficou três meses. Ele faz da região e de seus habitantes um quadro pouco lisonjeiro. Vindo com a idéia de que o mal era puramente físico, só buscou causas físicas. A sua mesma preocupação o levava a bastar-se com aquilo que poderia corroborar sua opinião e, provavelmente, essa idéia fê-lo ver os homens e as coisas de um angulo desfavorável. Em sua opinião, a moléstia é uma afecção nervosa, cuja fonte primeira é a constituição dos habitantes, debilitados pela insalubridade das habitações, insuficiência e má qualidade dos alimentos e cuja causa imediata está num estado histérico da maioria dos doentes do sexo feminino. Sem contestar a existência dessa afecção, é bom notar que se o mal ataca em grande parte às mulheres, os homens também são atingidos, bem como mulheres em idade avançada. Não se poderia ver na histeria uma causa exclusiva. Alias, qual a causa da histeria?

Fizemos uma curta visita a Morzine, mas devemos dizer que nossas observações e os dados que recolhemos entre pessoas notáveis, do um médico da região e das autoridades locais, diferem um pouco das do sr. Constant. A aldeia principal é geralmente bem construída, as casas das aldeias circunvizinhas certamente não são hotéis, mas não tem o aspecto miserável que se vêem em muitas regiões da França, como, por exemplo, na Bretanha, onde o camponês mora em verdadeiras choças. A população não nos pareceu estiolada nem raquítica, nem, sobretudo, com bócio, como diz o dr. Constant. Vimos alguns bócios rudimentares, mas nenhum pronunciado, como se vêem em todas as mulheres da Mauriana. Os idiotas e cretinas ali são raros, posto o diga o dr. Constant, ao passo que na outra encosta da montanha, no Valais, eles sejam muito numerosos. Quanto à alimentação, a região produz além do consumo. Se em toda parte não há abundância, também não há miséria propriamente dita, nem, sobretudo, essa horrível miséria que encontramos em outras regiões. Nalgumas, a população campenisa é infinitamente pior alimentada. Um fato característico é que não vimos um só mendigo a pedir esmola. A própria região oferece importantes recursos em madeira e pedra, mas que ficam improdutivas pela impossibilidade de transporte.

A dificuldade de comunicações é a chaga da região, sem o que seria uma das mais ricas do país. Pode julgar-se da dificuldade, pelo fato de o correio do Thonon não poder ir além de duas léguas da cidade. Para frente não há estrada, mas simples caminho, que, alternativamente, sobe a pique na floresta e desce à margem do Drance, torrente furiosa nas grandes águas, que rola através de enorme massas de rochedos de granito, precipitados em seu leito do alto das montanhas para o fundo de uma garganta estreita. Durante várias léguas é a imagem do caos. Transposta a passagem, o vale toma um aspecto risonho até Morzine, onde termina. Mas a dificuldade para lá chegar afasta os viajantes, de sorte que a região só é visitada por caçadores bastante fortes para escalar rochedos. Desde a anexação, os caminhos foram melhoradas. Antes, só eram praticáveis a cavalo. Dizem que o governo está estudando o prolongamento da estrada de Thonon a Morzine, margeando o rio. É um trabalho difícil, mas que transformará a região, permitindo a exportação de seus produtos.

Tal é o aspecto geral da região que, alias, não oferece causa de insalubridade. Admitindo que a principal aldeia de Morzine esteja no fundo do vale, à margem do rio, seja úmida, o que não observamos, devemos considerar que a maioria dos doentes são das aldeias vizinhas, situadas na altura e, pois, em posições aéreas e muito salubres.

Se, como pretende o dr. Constant, a doença se devesse a causas locais, à constituição dos habitantes, aos hábitos e gênero de vida, essas causas permanentes deveriam produzir efeitos permanentes e o mal seria endêmico, como as febres intermitentes de Camargue e dos pântanos Pontinos. Se o cretinismo e o bócio são endêmicos no vale do Ródano e não no vale do Drance, que é limítrofe, é que num existe uma causa local permanente que não existe no outro.

Se o que se chama a possessão de Morzine é apenas temporária, sua causa é acidental. O dr. Constant diz que suas observações não lhe revelaram nenhuma causa sobrenatural. Mas ele, que só acredita em causas materiais, é capaz de julgar efeitos resultantes da ação de uma força extra-material? Estudou os efeitos dessa força? Sabe em que consistem? Por que sintomas podem ser reconhecidos? Não. E desde então se lhe afiguram aquilo que não são, crendo talvez que consistam em milagres e aparições fantásticas.

Os sintomas, ele os viu e descreveu-os em seu relatório. Mas, não admitindo uma causa oculta, buscou, alhures, no mundo material, onde não a encontrou. Os doentes se diziam atormentados por seres invisíveis, mas como ele nem viu duendes nem fantasmas, concluiu que os doentes eram loucos. E o que o confirmava nesta idéia é que por vezes diziam coisas notoriamente absurdas, mesmo aos olhos do mais firme crente nos Espíritos. Mas para ele tudo devia ser absurdo. Ele devia saber, ele médico, que até em meio a divagações da loucura há, por vezes, revelação da verdade. Esses infelizes, diz ele, e seus habitantes em geral, estão imbuídos de idéias supersticiosas.

Mas que há de admirar numa população rural, ignorante e isolada no meio das montanhas? Ainda mais essa gente, aterrada pelos fenômenos, não os amplificou? E por que nos relatos que faziam se misturavam aparições ridículas, partindo do seu ponto de vista, concluiu que tudo deveria ser ridículo, sem contar que aos olhos de quem quer que não admitia a ação do mundo invisível, todos os efeitos resultantes dessa ação são relegados entre as crenças supersticiosas. Em favor desta última tese insiste sobre um fato, na ocasião contado pelos jornais, inspirada em alguma imaginação aterrada, exaltada ou doente e, segundo o qual, certos doentes sobem com agilidade de gatos em árvores de quarenta metros de altura, andam sobre os galhos sem que estes verguem, postam-se nas cristas dos pés para cima e descem de cabeça para baixo sem nada sofrerem. Discute longamente para provar a impossibilidade da coisa e demonstrar que, segundo a direção do raio visual, a árvore assinalada não podia ser vista das casas de onde diziam ter visto o fato. Tanto esforço era inútil, pois lá nos disseram que a coisa não era verdadeira. Apenas um rapazinho havia subido numa árvore de porte comum, mas sem malabarismo.

Assim descreve o dr. Constant o histórico e os efeitos da doença.

(continua no próximo artigo)

CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA - II

Causas da obsessão e meios de combate - II
Revista Espírita, janeiro de 1863

Em nosso artigo precedente (de dezembro último), foi exposta a maneira por que se exerce a ação dos Espíritos sobre o homem, ação, por assim dizer, material. Sua causa está inteiramente no perispírito – princípio não só de todos os fenômenos espíritas propriamente ditos, mas de uma porção de efeitos morais, fisiológicos e patológicos, incompreendidos antes do conhecimento desse agente, cuja descoberta, se assim se pode dizer, abrirá horizontes novos à ciência, quando esta se decidir a reconhecer a existência do mundo invisível.

Como vimos, o perispírito representa importante papel em todos os fenômenos da vida: é a fonte de múltiplas afecções, cuja causa é em vão buscada pelo escalpelo na alteração dos órgãos, e contra as quais é impotente a terapêutica. Por sua expansão explicam-se, ainda, as reações de indivíduo a indivíduo, as atrações e repulsões instintivas, a ação magnética, etc. No Espírito livre ou desencarnado substitui o corpo material. É o agente sensitivo, o órgão através do qual ele age. Pela natureza fluídica e expansiva do perispírito, o Espírito atinge o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza.

O homem que vive em meio ao mundo invisível está incessantemente submetido a essas influências, do mesmo modo que às da atmosfera que respira. E aquelas se traduzem por efeitos morais e fisiológicos, dos quais não se dá conta e que, freqüentemente, atribui a causas inteiramente contrárias. Essa influência difere, naturalmente, segundo as boas ou más qualidades do Espírito, como ficou explicado no artigo precedente. Se ele for bom e benevolente, a influência será agradável e salutar; é como as carícias de uma terna mãe, que toma o filho nos braços. Se for mau e perverso, será dura, penosa, de ânsia e por vezes perversa: não abraça – constrange. Vivemos num oceano fluídico, incessantemente a braços com correntes contrárias, que atraímos, ou repelimos, e às quais nos abandonamos, conforme nossas qualidades pessoais, mas em cujo meio o homem sempre conserva o seu livre arbítrio, atributo essencial de sua natureza, em virtude do qual pode sempre escolher o caminho.

Como se vê, isto é inteiramente independente da faculdade mediúnica, tal qual esta é vulgarmente compreendida. Estando a ação do mundo invisível na ordem das coisas naturais, ela se exerce sobre o homem, abstração feita de qualquer conhecimento espírita. Estamos a elas submetidos como o estamos à ação da eletricidade atmosférica, mesmo sem saber física, como ficamos doentes, sem conhecer medicina. Ora, assim como a física nos ensina a causa de certos fenômenos e a medicina a de certas doenças, o estudo da ciência espírita nos ensina a dos fenômenos devidos às influências ocultas do mundo invisível e nos explica o que, sem isto, parecerá inexplicável.

A mediunidade é o meio direto de observação. O médium – permitam-nos a comparação – é o instrumento de laboratório pelo qual a ação do mundo invisível se traduz de maneira patente. E, pela facilidade oferecida de repetição das experiências, permite-nos estudar o modo e as nuanças desta ação. Destes estudos e observações nasceu a ciência espírita.

Todo indivíduo que, desta ou daquela maneira, sofre a influência dos Espíritos, é, por isso mesmo, médium. Por isso mesmo pode dizer-se que todo o mundo é médium. Mas é pela mediunidade efetiva, consciente e facultativa, que se chegou a constatar a existência do mundo invisível e, pela diversidade das manifestações obtidas ou provocadas, que foi possível esclarecer a qualidade dos seres que o compõem e o papel que representam na natureza. O médium fez pelo mundo invisível o mesmo que o microscópio pelo mundo dos infinitamente pequenos.

É, pois, uma força nova, uma nova energia, uma nova lei, numa palavra, que nos foi revelada. É realmente inconcebível que a incredulidade repila mesmo a idéia, por isso que esta idéia supõe em nós uma alma, um princípio inteligente que sobrevive ao corpo. Se tratasse da descoberta de uma substância material e não inteligente, seria aceita sem dificuldade. Mas uma ação inteligente fora do homem é para eles superstição. Se, da observação dos fatos produzidos pela mediunidade, remontamos aos fatos gerais, poderemos, pela similitude dos efeitos, concluir pela similitude de causas. Ora, é comparando a analogia dos fenômenos de Morzine com aqueles que diariamente a mediunidade põe aos nossos olhos, que, nos parece evidente a participação de Espíritos malfeitores naquelas circunstâncias; e não o será menos para quantos hajam meditado os numerosos casos isolados, referidos na Revista Espírita. A única diferença está no caráter epidêmico da afecção.

Mas a História registra vários fatos semelhantes, entre os quais o das religiosas de Loudun, dos convulsionários de Saint-Médard, dos das Cévenes e dos possessos do tempo de Cristo. Estes últimos, sobretudo, apresentam notável analogia com os de Morzine. E é digno de nota que, em qualquer parte onde se produzissem, a idéia de que fossem devidos aos Espíritos era dominante.

Se compararmos o nosso primeiro artigo com a teoria da obsessão, contida em O Livro dos Médiuns e com os fatos relatados na Revista, veremos que a ação dos maus Espíritos, sobre as criaturas de quem se apoderam, apresenta nuanças de intensidade e duração extremamente variadas, conforme o grau de malignidade e de perversidade do Espírito e, também, de acordo com o estado moral da pessoa, que lhe dá acesso mais ou menos fácil. Por vezes tal ação é temporária e acidental, mais maliciosa e desagradável que perigosa, como no caso, que relatamos no artigo precedente. O fato seguinte é desta categoria.

O sr. Indermuhle, de Berne, membro da Sociedade Espírita de Paris, contou-nos que em sua propriedade de Zimmerwald, seu administrador, homem de força hercúla, sentiu-se, à noite, agarrado por um indivíduo que o sacudia vigorosamente. Dir-se-ia um pesadelo. Mas não: o homem estava bem desperto, levantou-se e lutou algum tempo com o que o agarrava. E quando se sentiu livre, tomou do sabre, pendurado ao lado do leito e pôs-se a esgrimi-lo no escuro, sem nada atingir. Acendeu uma vela, procurou em vão por toda a parte: a porta estava bem fechada. Apenas voltando ao leito o jardineiro, que estava no quarto ao lado, começou a pedir socorro, debatendo-se e gritando que o estrangulavam. O caseiro correu para o vizinho de quarto mais, como no seu caso, não viu ninguém. Uma criada, que dormia no mesmo prédio, ouviu todo o barulho. Apavorados, todos vieram, no dia seguinte, contar ao sr. Indermuhle o que se havia passado. Informado de todos os detalhes e certo de que nenhum estranho poderia ter-se introduzido nos quartos, foi ele levado a crer se tratasse de um Espírito perturbador; que desde algum tempo inequívocas manifestações físicas de diversas modalidades se produziriam em sua casa. Tranqüilizou os seus serviçais, recomendando que observassem cuidadosamente tudo quanto se passasse, caso a coisa se repetisse.

Como ele e a sua senhora fossem médiuns, evocou o Espírito perturbador, que confessou e desculpou-se, dizendo: "Eu vos queria falar, pois sou infeliz e necessito de vossas preces. Há muito tempo faço tudo o que posso para vos chamar a atenção. Eu vos toco e, até já vos puxei a orelha (do que se recordou o sr. Indermuhle), mas sem resultado. Então pensei que fazendo a cena da noite passada pensaríeis em me chamar. Fizeste-o e estou contente. Asseguro-vos que não tinha más intenções. Prometei chamar-me algumas vezes e orar por mim." O sr. Indermuhle o prometeu, renovou a palestra, deu-lhe uma lição de moral, que ele escutou com prazer, orou por ele e disse à sua gente que fizesse o mesmo, o que foi feito, pois são piedosos. Desde então, tudo ficou em ordem. Infelizmente nem todos tem tão boa disposição. Esse não era mau. Alguns, porém, exercem uma ação tenaz, permanente, e pode até haver conseqüências desagradáveis para a saúde das criaturas, melhor dito, para as faculdades intelectuais, caso o Espírito chegue a subjugar a vítima, a ponto de neutralizar seu livre arbítrio e levá-la a dizer e fazer extravagâncias. Tal é o caso da loucura obsessiva, muito diversa nas causas, senão nos efeitos, da loucura patológica.

Em nossa viagem vimos o jovem obsediado, do qual falamos na Revista de janeiro de 1861, sob o título de Espírito batedor de Aube, e ouvimos do pai e de testemunhas oculares a confirmação dos fatos. O rapaz tem agora dezesseis anos, é saudável, grande, perfeitamente constituído e, contudo, queixa-se do estômago e de fraqueza nos membros, o que, segundo ele, o impede de trabalhar. Vendo-o, pode-se facilmente crer seja a preguiça sua principal doença, o que nada tira à realidade dos fenômenos produzidos há cinco anos e que, sob muitos aspectos, lembram os de Bergzabern (Revista de maio, junho e julho de 1858). Já não é o mesmo com sua saúde moral. Em criança era muito vivo e na escola aprendia com facilidade. Desde então suas faculdades enfraqueceram sensivelmente. É preciso acrescentar que só recentemente seus pais tem conhecimento do Espiritismo, ainda por ouvir dizer e muito superficialmente, pois nada leram. Antes nunca tinha ouvido falar. Não era possível, assim, ter uma causa provocadora. Os fenômenos materiais praticamente cessaram ou são hoje muito raros, mas o estado moral é o mesmo, o que é tanto mais lamentável para os pais que vivem do trabalho. Sabe-se da influência da prece em tais casos, mas como nada se pode esperar do rapaz em questão, seria necessário o concurso dos pais.

Estes estão persuadidos de que o filho está sob malévola influência oculta, mas sua crença não vai além e sua fé religiosa é das mais fracas. Dissemos aos pais que era necessário orar, mas seriamente e com fervor. "É o que já me disseram", respondeu ele, "orei algumas vezes, mas sem proveito. Se soubesse que orando algumas vezes durante vinte e quatro horas e que assim isto acabasse, eu o faria agora." Vê-se por aqui de que maneira a gente é acompanhada, no caso, pelos maiores interessados.

Eis a contra partida do caso e uma prova da eficácia da prece, quando feita com o coração e não com os lábios. Certa moça, contrariada em suas inclinações, havia-se casado com um homem a quem não amava. A mágoa que sofreu levou-a a um distúrbio mental. Sob o domínio de uma idéia fixa, perdeu a razão e teve de ser internada. Ela jamais ouvira falar de Espiritismo. Se dele se tivesse ocupado teriam dito que os Espíritos lhe haviam transtornado a cabeça. O mal provinha, assim, de uma causa moral acidental e exclusivamente pessoal. Compreende-se que em tais casos os remédios normais nenhum efeito produzem, e como não havia obsessão, podia-se, também, duvidar do efeito da prece.

Um amigo da família e membro da Sociedade Espírita de Paris, julgou dever interrogar um Espírito superior, que respondeu: "A idéia fixa dessa senhora, por sua mesma causa, atrai em sua volta uma porção de Espíritos maus, que a envolvem com seus fluidos e alimentam as suas idéias, impedindo que lhe cheguem as boas influências. Os Espíritos dessa natureza abundam sempre em semelhantes meios e constituem, sempre, obstáculo à cura dos doentes. Contudo podereis curá-la, mas para tanto é necessário uma força moral capaz de vencer a resistência. E tal força não é dada a um só. Cinco ou seis espíritas sinceros se reúnam todos os dias, durante alguns instantes e peçam com fervor a Deus e aos bons Espíritos que a assistam; que a vossa prece seja, ao mesmo tempo, uma magnetização mental. Para tanto não necessitais estar junto a ela, ao contrário. Pelo pensamento podeis levar-lhe uma salutar corrente fluídica, cuja força estará na razão de vossa intenção, aumentada pelo número. Por tal meio podereis neutralizar o mau fluido que a envolve. Fazei isto: tende fé em Deus e esperai."

Seis pessoas se dedicaram a esta obra de caridade e, durante um mês não faltaram à missão aceita. Depois de alguns dias a doente estava sensivelmente mais calma; quinze dias mais tarde a melhora era manifesta e agora voltou para sua casa em estado perfeitamente normal, ignorando ainda, como o seu marido, de onde lhe veio a cura.

A maneira de agir é aqui indicada claramente e nada teríamos a acrescentar de mais preciso à explicação dada pelo Espírito. A prece não tem apenas o efeito de levar ao doente um socorro estranho, mas o de exercer uma ação magnética. Que não poderia o magnetismo ajudado pela prece! Infelizmente certos magnetizadores, a exemplo de muitos médicos, fazem abstração do elemento espiritual; vêem apenas a ação mecânica, assim se privando de poderoso auxiliar. Esperamos que os verdadeiros espíritas vejam no fato mais uma prova do bem que podem fazer em circunstâncias semelhantes.

Aqui se apresenta uma pergunta de grande importância: O exercício da mediunidade pode provocar o desarranjo da saúde e das faculdades mentais? É de se notar que, assim formulada, esta é a pergunta feita pela maioria dos antagonistas do Espiritismo ou, melhor dito, em vez de uma pergunta, eles transformam o princípio em axioma, afirmando que a mediunidade conduz à loucura. Referimo-nos à loucura real e não a esta, mais burlesca do que séria, com que gratificam os nossos adeptos. A pergunta seria concebível da parte de quem acreditasse na existência dos Espíritos e na ação que eles pudessem exercitar, porque para eles existe algo de real. Mas para os que não acreditam, a pergunta é insensata porque se nada existe, esse nada não produzirá algo. Sendo a tese insustentável, eles se escudam nos perigos da superexcitação cerebral que, em sua opinião, pode causar a simples crença nos Espíritos. Não insistiremos sobre tal ponto, já estudado. Apenas perguntaremos se já foi feita a estatística de todos os cérebros transtornados pelo medo do Diabo e dos terríveis quadros das torturas do inferno e da danação eterna e se é mais prejudicial acreditarmos tenhamos junto a nós Espíritos bons e benevolentes, os pais, os amigos e anjo da guarda, do que o demônio.

A pergunta se torna mais racional e mais séria se, aceitas a existência dos Espíritos e sua ação, for assim formulada: O exercício da mediunidade pode provocar numa pessoa a invasão de maus Espíritos e suas conseqüências?

Jamais dissimulamos os escolhos encontradiços na mediunidade, razão por que multiplicamos, em O Livro dos Médiuns, as instruções a tal respeito e não temos cessado de recomendar o seu estudo prévio, antes de se entregarem à prática. Assim, desde a publicação daquele livro, o número de obsediados diminui sensível e notoriamente, porque poupa uma experiência que os noviços muitas vezes só adquirem às próprias custas. Dizemo-lo ainda, sim, sem experiência a mediunidade tem inconvenientes, dos quais o menor, seria ser mistificado pelos Espíritos enganadores e levianos. Fazer Espiritismo experimental sem estudo é fazer manipulações químicas sem saber química.

Os numerosos exemplos de pessoas obsediadas e subjugadas da mais desagradável maneira, sem jamais terem ouvido falar de Espiritismo, provam à sociedade que o exercício da mediunidade não tem o privilégio de atrair os maus Espíritos. Mais ainda: prova a experiência que é um meio de os afastar, permitindo reconhece-los. Contudo, como por vezes alguns vagam em redor de nós, pode acontecer que, encontrando oportunidade para se manifestarem, aproveitem-na, desde que encontrem no médium uma predisposição física ou moral, que o torne acessível à sua influência. Ora, se tal predisposição está no indivíduo e em causas pessoais anteriores, não surge da mediunidade. Pode-se dizer que o exercício da faculdade é ocasião e não causa. Mas se algumas criaturas estiverem neste caso, outras há que oferecerem uma resistência intransponível aos maus Espíritos, que a elas não se dirigem. Falamos de Espíritos realmente maus e malfeitores, os únicos realmente perigosos, e não de Espíritos levianos e zombeteiros, que se insinuam por toda a parte.

A presunção de julgar-se invulnerável pelos maus Espíritos muitas vezes tem sido punida de modo crudelíssimo, porque jamais são impunemente desafiados pelo orgulho. O orgulho é a parte que lhes dá mais fácil acesso, pois ninguém oferece menos resistência do que o orgulhoso, quando tomado pelo seu lado fraco. Antes de nos dirigirmos aos Espíritos, convém, pois, encouraçarmos-nos contra o assalto dos maus, assim como se marchássemos em terreno onde tememos picadas de cobras. Isto se consegue, inicialmente, pelo estudo prévio, que indica a rota e as precauções a tomar. A seguir, a prece. Mas é necessário bem nos compenetrarmos da verdade que o único preservativo está em nós, na própria força, e nunca nas coisas exteriores. Que nem há talismãs, nem amuletos, nem palavras sacramentais, nem fórmulas sagradas ou profanas que tenham a menor eficácia se não tivermos em nós mesmos as qualidades necessárias. Assim, essas qualidades é que devem ser adquiridas.

Se estivéssemos bem compenetrados do objetivo essencial e sério do Espiritismo; se nos preparássemos sempre para o exercício da mediunidade por um fervoroso apelo ao anjo da guarda e aos Espíritos protetores, se nos estudássemos, esforçando-nos por nos purificarmos de nossas imperfeições, os casos de obsessão mediúnica seriam ainda mais raros. Infelizmente muitos vêem apenas o fato das mistificações. Não contentes com as provas morais, que abundam em seu redor, querem a fina força se dar ao luxo de comunicar-se com os Espíritos, forçando o desenvolvimento de uma faculdade, por vezes inexistente, guiados mais pela curiosidade do que pelo sincero desejo de melhora.

Disso resulta que, em vez de se envolverem numa atmosfera fluídica salutar e se cobrirem com as asas protetoras dos anjos da guarda, de buscar o domínio das fraquezas morais, escancaram a porta aos Espíritos obsessores, que os teriam atormentado de outra maneira e em outra ocasião, mas que aproveitam esta que lhes se oferece. Que dizer, então, daqueles que fazem um jogo das manifestações e nelas vêem apenas um motivo para distração e curiosidade ou nelas procuram meios de satisfazer a ambição, a cupidez ou os interesses materiais? Neste sentido pode se dizer que o exercício da mediunidade pode provocar a invasão dos maus Espíritos. Sim: é perigoso brincar com estas coisas. Quantas pessoas lêem O Livro dos Médiuns unicamente para saber como agir, desde que o que mais lhes interessa é a receita ou a maneira de proceder! O lado moral do problema é acessório. Assim, não se deve imputar ao Espiritismo o que é feito de seu abuso.

Voltemos aos possessos de Morzine. Aquilo que um Espírito pode fazer a uma criatura, vários deles o podem sobre diversas, simultaneamente, e dar à obsessão um caráter epidêmico. Uma nuvem de maus Espíritos pode invadir uma localidade e aí se manifestarem de várias maneiras. Foi uma epidemia de tal gênero que se alastrou na Judéia, ao tempo de Cristo, e, em nossa opinião, é uma epidemia semelhante que ocorre em Morzine.

É o que procuraremos estabelecer no próximo artigo, no qual destacaremos os caracteres essencialmente obsessivos da afecção. Analisemos os relatórios dos médicos que a observaram, entre outros o do dr. Constant, bem como os meios de cura empregados pela medicina, isto é, por via de exorcismos.

CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA

Estudo sobre os Possessos de Morzine, As causas da obsessão e os meios de combatê-la - Revista Espírita, dezembro de 1862

As observações que fizemos sobre a epidemia que maltratou e maltrata ainda a comunidade de Morzine, na Haute-Savoie, não nos deixam nenhuma dúvida sobre a sua causa; mas, para apoiar nossa opinião, nos é preciso entrar em algumas explicações preliminares, que farão melhor ressaltar a analogia desse mal com os casos análogos, cuja origem não poderia ser duvidosa, para quem está familiarizado com os fenômenos espíritas e reconhece a ação do mundo invisível sobre a Humanidade. É necessário para isto remontar à própria fonte do fenômeno, e seguir-lhe a gradação, desde os casos mais simples, e explicar, ao mesmo tempo, o modo pelo qual ele se opera; dela deduziremos muito melhor os meio de combater o mal. Embora tenhamos já tratado desse assunto em O Livro dos Médiuns, no capítulo da obsessão, e em vários artigos desta Revista, a isso acrescentaremos algumas considerações novas que tornarão a coisa mais fácil de ser concebida.

O primeiro ponto no qual importa penetrar é a natureza dos Espíritos do ponto de vista moral. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, e não sendo os homens todos bons, não é racional admitir que o Espírito de um homem perverso se transforme subitamente, de outro modo não haveria necessidade de castigo na vida futura. A experiência vem confirmar esta teoria ou, melhor dizendo, esta teoria é o fruto da experiência. As relações com o mundo invisível nos mostram, com efeito, ao lado de Espíritos sublimes de sabedoria e de saber, outros Espíritos ignóbeis, tendo ainda todos os vícios e todas as paixões da Humanidade. A alma de um homem de bem será, depois de sua morte, um bom Espírito; do mesmo modo um bom Espírito, se encarnando, fará um homem de bem; pela mesma razão, um homem perverso, morrendo, dá ao mundo invisível um Espírito perverso, e um mau Espírito, se encarnando, não pode fazer um homem virtuoso, e isto enquanto o Espírito não estiver depurado ou não tiver sentido o desejo de se melhorar; porque, uma vez entrado no caminho do progresso, despoja-se pouco a pouco de seus maus instintos; ele se eleva gradualmente na hierarquia dos Espíritos, até que haja alcançado a perfeição acessível a todos, não podendo Deus ter criado seres votados ao mal ou infelizes para a eternidade. Assim, o mundo visível e o mundo invisível se derramam, incessante e alternativamente, um no outro, podendo-se assim se exprimir, e se alimentam mutuamente, ou, melhor dizendo, esses dois mundos não fazem em realidade senão um, em dois estados diferentes. Esta consideração é muito importante para compreender a solidariedade que existe entre eles.

Sendo a Terra um mundo inferior, quer dizer, pouco avançado, disso resulta que a imensa maioria dos Espíritos que o povoam, seja no estado errante, seja como encarnado, deve se compor de Espíritos imperfeitos que produzem mais mal do que bem; daí a predominância do mal sobre a Terra; ora, sendo a Terra, ao mesmo tempo, um mundo de expiação, é o contato do mal que torna os homens infelizes; porque se todos os homens fossem bons, todos seriam felizes. E um estado onde ainda não chegou o nosso globo, e é a esse estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações que o homem de bem experimenta neste mundo, seja da parte dos homens, seja da dos Espíritos, são a conseqüência desse estado de inferioridade. Poder-se-ia dizer que a Terra é a Botany-Bay dos mundos: nela se encontra a selvageria primitiva e a civilização, a criminalidade e a expiação.

É preciso, pois, imaginar o mundo invisível como formando uma população inumerável, compacta, por assim dizer, que envolve a Terra e se agita no espaço. É uma espécie da atmosfera moral da qual os Espíritos encarnados ocupam os baixios, e se agitam como no lodo. Ora, do mesmo modo que o ar dos lugares baixos é pesado e malsão, esse ar moral é também malsão, porque é corrompido pelos miasmas dos Espíritos impuros; para isso resistir, é preciso temperamentos morais de um grande vigor.

Dizemos, como parêntese, que esse estado de coisas é inerente aos mundos inferiores; mas esses mundos seguem a lei do progresso, e quando tiver alcançado a época própria, Deus os saneia, expulsando deles os Espíritos imperfeitos, que ali não se reencarnarão mais e serão substituídos por Espíritos mais avançados, que fazem reinar entre eles a felicidade, a justiça e a paz. E uma revolução desse gênero que se prepara neste momento.

Examinemos agora o modo recíproco de ação dos Espíritos encarnados e desencarnados.

Sabemos que os Espíritos estão revestidos de um envoltório vaporoso, formando neles um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, cujos elementos são hauridos no fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas. Quando o Espírito se une ao corpo, nele existe com seu perispírito, que serve de laço entre o Espírito propriamente dito e a matéria corpórea; é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas esse perispírito não está confinado no corpo como dentro de uma caixa; pela sua natureza fluídica, irradia ao redor e forma, em torno do corpo, uma espécie de atmosfera, como o vapor que dele se libera. Mas o vapor que se libera de um corpo malsão é igualmente malsão, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas malsãs. Do mesmo modo que esse vapor está impregnado das qualidades do corpo, o perispírito está impregnado das qualidades, quer dizer, do pensamento do Espírito, e faz irradiar essas qualidades em torno do corpo.

Aqui um outro parêntese para responder imediatamente a uma objeção que alguns opõem à teoria que o Espiritismo dá do estado da alma; acusam-no de materializar a alma, ao passo que, segundo a religião, a alma é puramente imaterial. Esta objeção, como a maioria daquelas que são feitas, provém de um estudo incompleto e superficial. O Espiritismo jamais definiu a natureza da alma, que escapa às nossas investigações; nunca disse que o perispírito constitui a alma: a palavra perispírito diz positivamente o contrário, uma vez que especifica um envoltório ao redor do Espírito. Que diz O Livro dos Espíritos a esse respeito? "Há no homem três coisas: a alma, ou Espírito, princípio inteligente; o corpo, envoltório material; o perispírito, envoltório fluídico semi-material, servindo de laço entre o Espírito e o corpo. "De que na morte do corpo a alma conserva o envoltório fluídico, não quer dizer que esse envoltório e a alma sejam uma só e mesma coisa, não mais que o corpo não faça senão um com a roupa, não mais que a alma não faça senão um com o corpo. A Doutrina Espírita não tira nada à imaterialidade da alma, só lhe dá dois envoltórios em lugar de um durante a vida corpórea, e um depois da morte do corpo, o que é, não uma hipótese, mas um resultado da observação, e com a ajuda desse envoltório ela faz conceber melhor a individualidade e explicar melhor a sua ação sobre a matéria.

Voltemos ao nosso assunto.

O perispírito, pela sua natureza fluídica, é essencialmente móvel, elástico, podendo-se assim se exprimir; como agente direto do Espírito, põe em ação e projeta raios pela vontade do Espírito; por esses raios serve à transmissão do pensamento, porque é de alguma sorte animado pelo pensamento do Espírito.

Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por esse intermediário que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que são a expressão de sua vontade; é também por esse intermediário que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito. O corpo sólido destruído pela morte, o Espírito não age mais e não percebe mais senão pelo seu corpo fluídico, ou perispírito, é porque age mais facilmente e percebe melhor, sendo-lhe o corpo um entrave. Tudo isto é ainda um resultado da observação.

Suponhamos agora duas pessoas perto uma da outra, envolvida cada uma de sua atmosfera perispiritual, - que se nos permita ainda esse neologismo.- Esses dois fluidos vão se pôr em contato, penetrar um no outro; se são de natureza antipática, se repelirão, e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar com a aproximação um do outro, sem disso se darem conta; sendo ao contrário movidos por um sentimento bom e benevolente, levarão consigo um pensamento benevolente que atrai. Tal é a causa pela qual duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo não sei o quê diz freqüentemente que a pessoa que se tem diante de si deve estar animada de tal ou tal sentimento; ora, esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento. Compreende-se, desde então, que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é bem mais livre do que no estado de encarnação, não têm mais necessidade de sons articulados para se entenderem.

O fluido perispiritual do encarnado, portanto, é posto em ação pelo Espírito; se, pela sua vontade, o Espírito irradia, por assim dizer, seus raios sobre um outro indivíduo, esses raios o penetram; daí a ação magnética mais ou menos possante segundo a vontade, mais ou menos benfazeja segundo esses raios sejam de uma natureza mais ou menos boa, mais ou menos vivificante; porque, pela sua ação, podem penetrar os órgãos, e, em certos casos, restabelecer o estado normal. Sabe-se qual é a influência das qualidades morais no magnetizador.

O que pode fazer o Espírito encarnado irradiando seu próprio fluido sobre um indivíduo, um Espírito desencarnado pode fazê-lo igualmente, uma vez que tem o mesmo fluido, quer dizer, que pode magnetizar, e, segundo seja bom ou mau, sua ação será benfazeja ou malfazeja.

Dá-se conta facilmente assim da natureza das impressões que se recebe segundo os meios onde se encontra. Se uma assembléia é composta de pessoa animadas de maus sentimentos, elas encherão o ar ambiente do fluido impregnado de seus pensamentos; daí, para as almas boas, um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas exalações mefíticas: a alma é asfixiada. As pessoas, ao contrário, se têm intenções puras, acham-se em sua atmosfera como num ar vivificante e salutar. O efeito será naturalmente o mesmo num meio cheio de Espíritos segundo sejam bons ou maus.

Estando isto bem compreendido, chegamos sem dificuldade à ação material dos Espíritos errantes sobre os Espíritos encarnados, e daí à explicação da mediunidade.

Um Espírito quer agir sobre um indivíduo, aproxima-se dele e o envolve, por assim dizer, de seu perispírito, como de um casaco; os fluidos se penetrando, os dois pensamentos e as duas vontades se confundem, e o Espírito pode, então, se servir desse corpo como do seu próprio, fazê-lo agir segundo a sua vontade, falar, escrever, desenhar, etc.; tais são os médiuns. Se o Espírito é bom, sua ação é branda, benfazeja, não leva a fazer senão boas coisas; se ele é mau, leva a fazer coisas más; se é perverso e mau, o aperta como numa rede, paralisa até sua vontade, mesmo seu julgamento, que ele abafa sob seu fluido, como se abafa o fogo sob uma camada de ar; fá-lo pensar, falar, agir por si, leva-o, apesar dele, a atos extravagantes ou ridículos, em uma palavra, magnetiza-o, cataleptiza-o moralmente, e o indivíduo se torna um instrumento cego de suas vontades. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se mostram em graus de diversas intensidades. É o paradoxismo da subjugação, que se chama vulgarmente possessão. Há a se anotar que, nesse estado, o indivíduo, freqüentemente, tem a consciência de que o que faz é ridículo, mas é constrangido a fazê-lo, como se um homem, mais vigoroso do que ele, lhe fizesse mover, contra a sua vontade, seus braços, suas pernas e sua língua. Eis um exemplo curioso.

Em uma pequena reunião de Bordeaux, no meio de uma evocação, o médium, jovem de um caráter brando e de uma perfeita urbanidade, se põe de repente a golpear sobre a mesa, se levanta, os olhos ameaçadores, mostrando os punhos aos assistentes, dizendo-lhes as mais grosseiras injúrias, e querendo lançar-lhes o tinteiro na cabeça. Esta cena, tanto mais assustadora quanto se estava longe de esperá-la, durou em torno de dez minutos, depois dos quais o jovem retomou sua calma habitual, desculpando-se pelo que a acabara de se passar, e dizendo que sabia muito bem ter feito e dito coisas inconvenientes, mas que ele não pudera impedir isso. Tendo-nos sido contado o fato, dele pedimos a explicação numa sessão da Sociedade de Paris, e nos foi respondido que o Espírito que o havia provocado era antes farsante do que mau, e que quisera simplesmente se divertir com o medo dos assistentes. O que prova a verdade dessa explicação é que o fato não se renovou, e que o médium não continua a receber menos excelentes comunicações como no passado. É bom dizer o que havia provavelmente excitado a verve desse Espírito farsante. Um antigo chefe de orquestra do teatro de Bordeaux, Sr. Beck, havia experimentado, durante vários anos, antes de sua morte, um singular fenômeno. Cada noite, saindo do teatro, parecia-lhe que um homem lhe saltava sobre as costas, punha-se a desconjuntar-se sobre suas espáduas, e se agarrava a ele, até que chegasse à porta de sua casa; ali, o pretenso indivíduo saltava para a terra, e o Sr. Beck se achava desembaraçado. Nessa reunião, se quis evocar o Sr. Beck para lhe pedir uma explicação; foi então que o Espírito farsante encontrou prazer em se substituir a ele e fazer o médium desempenhar uma cena diabólica, em que encontrou, sem dúvida, as disposições fluídicas necessárias para secundá-lo.

O que não era senão acidental, nesta circunstância, toma algumas vezes um caráter de permanência quando o Espírito é mau, porque o indivíduo se torna para ele uma verdadeira vítima, à qual pode dar a aparência de uma verdadeira loucura. Dizemos aparência, porque a loucura propriamente dita resulta sempre de uma alteração dos órgãos cerebrais, ao passo que, nesse caso, os órgãos estão tão intactos quanto os do jovem do qual acabamos de falar; não há, pois, loucura real, mas loucura aparente contra a qual os remédios da terapêutica são impotentes, assim como o prova a experiência; bem mais, podem produzir o que não existe. As casas de alienados contêm muitos doentes desse gênero, aos quais o contato dos outros alienados não pode ser senão prejudicial, porque esse estado denota sempre uma certa fraqueza moral. Ao lado de todas as variedades de loucuras patológicas, convém, pois, acrescentara loucura obsessional, que requer meios especiais; mas como um médico materialista jamais poderia fazer essa diferença, ou mesmo admiti-la?

Bravo! vão gritar nossos adversários; não se pode demonstrar melhor os perigos do Espiritismo., e tínhamos muita razão em proibi-lo.

Um instante; o que dissemos prova precisamente a sua utilidade.

Credes que os maus Espíritos, que pululam no meio da Humanidade esperaram que fossem chamados para exercer sua influência perniciosa? Uma vez que os Espíritos existiram de todos os tempos, de todos os tempos também desempenharam o mesmo papel, porque esse papel está na Natureza, e a prova disto está no grande número de pessoas obsidiadas, ou possuídas, se o quereis, antes que os Espíritos fossem questão, ou quem, em nossos dias, jamais ouviu falar de Espiritismo nem de médiuns. A ação dos Espíritos, bons ou maus, é, pois, espontânea; a dos maus produz uma multidão de perturbações na economia moral e mesmo física que, por ignorância da causa verdadeira, se atribuíam a causas errôneas. O maus Espíritos são os inimigos invisíveis, tanto mais perigosos quanto não se suponha a sua ação. O Espiritismo, pondo-os a descoberto, vem revelar uma nova causa a certos males da Humanidade; conhecida a causa, não se procurará mais combater o mal por meios que, doravante, se sabe inúteis, procurar-se-ão os mais eficazes. Ora, o que foi que fez descobrir essa causa? A mediunidade; foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram sua presença; ela fez para eles o que o microscópio fez para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo. O Espiritismo não atraiu os maus Espíritos; ele os revelou, e deu os meios de paralisar a sua ação, e, por conseqüência, de afastá-los. Portanto, ele não trouxe o mal, porque o mal existia há muito tempo; ao contrário, ele trouxe o remédio ao mal, mostrando-lhe a causa. Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos, e a ciência, enriquecida dessa nova lei, verá se abrir diante dela novos horizontes. Quando a isso chegará? Quando não professar mais o materialismo, porque o materialismo detém seu vôo e lhe põe uma barreira intransponível.

Antes de falar do remédio, expliquemos um fato que embaraça muitos Espíritas, sobretudo no caso de obsessão simples, quer dizer, naqueles, muito freqüentes, em que o médium não pode se desembaraçar de um mau Espírito que se comunica, obstinadamente, a ele pela escrita ou pela audição; aquele, não menos freqüente, onde, no meio de uma boa comunicação, um Espírito vem se imiscuir para dizer coisas más. Pergunta-se, então, se os maus Espíritos são mais poderosos do que os bons.

Reportemo-nos ao que dissemos, em começando, da maneira pela qual o Espírito age, e imaginemos um médium envolvido, penetrado pelo fluido perispiritual de um mau Espírito; para que o de um bom possa agir sobre o médium é preciso que penetre esse envoltório, e sabe-se que a luz penetra dificilmente um espesso nevoeiro. Segundo o grau de obsessão, esse nevoeiro será permanente, tenaz ou intermitente e, consequentemente, mais ou menos fácil de dissipar.

Nosso correspondente de Parme, Sr. Superchi, nos enviou dois desenhos feitos por um médium vidente, que representam perfeitamente essa situação. Num vê-se a mão do médium escrevente cercada de uma nuvem escura, imagem do fluido perispiritual dos maus Espíritos, atravessada por um raio luminoso indo clarear a mão; é o bom fluido que a dirige e se opõe à ação do mau. No outro, a mão está na sombra; a luz está em torno do nevoeiro, que ela não pode penetrar. O que esse desenho limita à mão deve-se entender de toda a pessoa.

Resta sempre a questão de saber se o bom Espírito é menos poderoso do que o mau. Não é o bom Espírito que é mais fraco, é o médium que não é bastante forte para sacudir o casaco que lhe lançaram, para se libertar do aperto dos braços que o enlaçam e no qual, é preciso bem dize-lo, algumas vezes se compraz. Neste caso, compreende-se que o bom Espírito não possa ter vantagem, uma vez que se prefere um outro a. ele. Admitamos agora o desejo de se desembaraçar desse envoltório fluídico, do qual o seu está penetrado, como uma veste que está penetrada pela umidade, o desejo não bastará, a própria vontade nem sempre bastará.

Trata-se de lutar contra um adversário; ora, quando dois homens lutam corpo a corpo, é o que tem músculos mais fortes que derruba o outro. Com um Espírito é preciso lutar, não corpo a corpo, mas Espírito a Espírito, e é ainda o mais forte que o domina; aqui, a força está na autoridade que se pode tomar sobre o Espírito, e esta autoridade está subordinada à superioridade moral. A superioridade moral é como o Sol, que dissipa o nevoeiro pelo poder de seus raios. Esforçar-se por ser bom, tornar-se melhor se já se é bom, purificar-se de suas imperfeições, em uma palavra, se elevar moralmente o mais possível, tal é o meio de adquirir o poder de dominar os Espíritos inferiores para afastá-los, de outro modo eles zombam de vossas injunções. (O Livro dos Médiuns, no 252 e 279.)

No entanto, dir-se-á, por que os Espíritos protetores não lhes ordenam para se retirarem? Sem dúvida, o podem e o fazem algumas vezes; mas, permitindo a luta, deixam também o mérito da vitória; se deixam se debater pessoas merecedoras sob certos aspectos, é para experimentar sua perseverança e fazê-las adquirir mais força no bem; é para elas uma espécie de ,. ginástica moral.

Eis a resposta que demos a um coronel do estado-maior austríaco, em Hongrie, Sr. P..., que nos consultou sobre uma afecção que atribuía aos maus Espíritos, desculpando-se por nos dar o título de amigo, embora não nos conhecesse senão de nome:

"O Espiritismo é o laço fraternal por excelência, e tendes razão em pensar que aqueles que partilham essa crença podem, sem se conhecerem, se tratarem de amigos; eu vos agradeço por ter tido de mim tão boa opinião para me dar esse título.

"Estou feliz por encontrar em vós um adepto sincero e devotado desta consoladora Doutrina; mas por isso mesmo que é consoladora, deve dar a força moral e a resignação para suportar as provas da vida, que, freqüentemente, são expiações; a Revista Espírita disso vos fornece numerosos exemplos.

"No que concerne à doença da qual estais atacado, não vejo nela prova evidente da influência de maus Espíritos que vos obsidiariam. Admitamo-la, no entanto, por hipótese; não haveria aí senão uma força moral a se opor a uma força moral, e ela não pode vir senão de vós. Contra um Espírito é preciso lutar Espírito a Espírito, e é o Espírito' mais forte que o

domina. Em semelhante caso, é preciso, pois, adquirir a maior soma possível de superioridade pela vontade, a energia e as qualidades morais para ter o direito de dizer-lhe: Vade retro. Se, pois, tendes assunto com um deles, não é com vosso sabre de coronel que o vencereis, mas com a espada do anjo, quer dizer, a virtude e a prece. A espécie de temor e de angústia que sentis nesses momentos é uma espécie de fraqueza da qual o Espírito se aproveita. Superai esse medo, e com a vontade podereis ali chegar. Tomai, pois, a decisão resolutamente, como o fazeis diante do inimigo, e crede-me vosso todo devotado e afeiçoado,

"A. K".

Certas pessoas preferem, sem dúvida, uma receita mais fácil para afastar os maus Espíritos: algumas palavras a dizer ou alguns sinais afazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que se corrigir de seus defeitos. Com isso não estamos descontentes, mas não conhecemos nenhum outro procedimento mais eficaz para vencer um inimigo do que ser mais forte do que ele. Quando se está doente, é preciso se resignar a tomar um remédio, por amargo que ele seja; mas também, quando se teve a coragem de beber, como se sente bem, e quanto se é forte! É preciso, pois, se persuadir de que não há, para alcançar esse objetivo, nem palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem quaisquer sinais materiais. Os maus Espíritos disso se riem e se alegram freqüentemente em indicarem que sempre têm o cuidado de se dizer infalíveis, para melhor captar a confiança daqueles que querem enganar, porque então estes confiantes na virtude do procedimento, se entregam sem medo.

Antes de esperar domar os maus Espíritos, é preciso domar a si mesmo. De todos os meios de adquirir a força para a isso chegar, o mais eficaz é a vontade secundada pela prece, a prece de coração se entende, e não de/ palavras às quais a boca tem mais parte que o pensamento. É preciso chamar seu anjo guardião e os bons Espíritos para nos assistirem na luta; mas não basta lhes pedir para expulsarem os maus Espíritos, é preciso se lembrar desta máxima: Ajuda-te, o céu te ajudará, e pedir-lhes sobretudo a força que nos falta para vencer os maus pendores que são para nós pior que os maus Espíritos, porque são esses pendores que os atraem, como a corrupção atrai as aves de rapina. Pedindo também pelo Espírito obsessor, é retribuir-lhe o bem para o mal, e se mostrar melhor que ele, e já é uma superioridade. Com a perseverança, acaba-se, o mais freqüentemente, por levá-lo a melhores sentimentos, e de perseguidor dele fazer um devedor.

Em resumo, a prece fervorosa e os esforços sérios para se melhorar, são os únicos meios de afastar os maus Espíritos que reconhecem seus senhores naqueles que praticam o bem, ao passo que as fórmulas os fazem rir; a cólera e a impaciência os excitam. É preciso deixá-los mostrando-se mais pacientes do que eles.

Mas ocorre, algumas vezes, que a subjugação chega ao ponto de paralisar a vontade do obsidiado, e que não se pode esperar dele nenhum concurso sério. É então, sobretudo, que a intervenção de terceiros torna-se necessária, seja pela prece, seja pela ação magnética; mas o poder dessa intervenção depende também do ascendente moral que os intervenientes podem tomar sobre os Espíritos; porque, se não valem mais, sua ação é estéril. A ação magnética, nesse caso, tem por efeito penetrar o fluido do obsidiado de um fluido melhor, e de livrar o do Espírito mau; operando, o magnetizador deve ter o duplo objetivo de opor uma força moral a uma força moral, e de produzir sobre o sujeito uma espécie de reação química, para nos servir de uma comparação material, expulsando um fluido por um outro fluido. Daí, não só opera um desligamento salutar, mas dá força aos órgãos enfraquecidos por uma longa e, freqüentemente, vigorosa opressão. Compreende-se, de resto, que o poder da ação fluídica está em razão, não só da energia da vontade, mas sobretudo da qualidade do fluido introduzido e, segundo o que dissemos, essa qualidade depende da instrução e das qualidades morais do magnetizador; de onde se segue que o magnetizador comum, que agisse maquinalmente para magnetizar pura e simplesmente, produziria pouco ou nenhum efeito; é de toda necessidade um magnetizador Espírita, agindo com conhecimento de causa, com a intenção de produzir, não o sonambulismo ou uma cura orgânica, mas os efeitos que acabamos de descrever. Além disso, é evidente que uma ação magnética dirigida nesse sentido não pode ser senão muito útil no caso de obsessão comum, porque então, se o magnetizador é secundado pela vontade do obsidiado, o Espírito é combatido por dois adversários em lugar de um.

É preciso dizer também que se culpa freqüentemente os Espíritos estranhos de má ação das quais são muito inocentes; certos estados doentios e certas aberrações que se atribuem a uma causa oculta, às vezes deve-se simplesmente ao próprio indivíduo. As contrariedades, que o mais comumente concentram-se em si mesmo, os desgostos amorosos sobretudo, fizeram cometer muitos atos excêntricos que seriam erradamente levados à conta da obsessão. Freqüentemente somos nosso próprio obsessor.

Acrescentamos, enfim, que certas obsessões tenazes, sobretudo nas pessoas merecedoras, algumas vezes, fazem partes das provas às quais estão submetidas. "Ocorre mesmo algumas vezes que a obsessão, quando é "simples, é uma tarefa imposta ao obsidiado, que deve trabalhar para melhorar o obsessor, como um pai à de um filho viciado."

Enviamos, para mais detalhes, ao O Livro dos Médiuns.

Resta-nos falar da obsessão coletiva ou epidêmica, e, em particular, a de Morzine; mas isto exige considerações de uma certa extensão para mostrar, pelos fatos, sua semelhança com as obsessões individuais, e neles encontraremos a prova, seja nas próprias observações, seja nas que estão consignadas nos relatórios médicos. Além disso, nos restará, para examinar, o efeito dos meios empregados, desde a ação do exorcismo e as condições nas quais ele pode ser eficaz ou nulo. A extensão desta segunda parte nos obriga a fazer dela o objeto de um artigo especial, que se encontrará no próximo número.

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