Em tempos recuados, existiu
um rei poderoso e bom, que se fizera notado pela sabedoria.
Convidado a verificar,
solenemente, a invenção de um súdito, cuja cabeça era um prodígio na
matemática, compareceu em trajes de honra à festa em que o novo aparelho seria
apresentado.
O calculista, orgulhoso,
mostrou a obra que havia criado pacientemente.
Tratava-se de largo
tabuleiro forrado de veludo negro, cercado de pequenas cavidades, sustentando
regular coleção de bolas de madeira colorida.
Acionadas por longos tacos
de marfim, essas bolas rolavam na direção das cavidades naturais, dando ensejo
a um jogo de grande interesse pela expectação que provocava.
Revestiu-se a festa de
brilho indisfarçável.
Contendores variados
disputaram partidas de vulto.
Dia inteiro, grande massa
popular rodeou o invento, comendo e bebericando.
O próprio monarca seguiu a
alegria geral, dando mostras de evidente satisfação. Serviu-se, ao almoço,
junto às grandes bandejas de carne, pão e frutos, em companhia dos amigos, e
aplaudia, contente, quando esse ou aquele participante do novo e inocente jogo
conseguia posição invejável perante os companheiros.
À tardinha, encerrada a
curiosidade geral, o inventor aguardou o parecer do soberano, com inexcedível
orgulho. Aglomerou-se o povo, igualmente, a fim de ouvi-lo.
Não se cansava o público de
admirar o jogo efetuado, através de cálculos divertidos.
Despedindo-se, o rei
levantou-se, fêz-se visto de todos e falou ao vassalo inteligente:
— Genial matemático: a
autoridade de minha coroa determina que sua obra de raciocínio seja premiada
com cem peças de ouro que os cofres reais levarão ao seu crédito, ainda hoje,
em homenagem à sua paciência e habilidade. Essa remuneração, todavia, não lhe
visa somente o valor pessoal, mas também certos benefícios que a sua máquina
vem trazer a muitos homens e mulheres de meu reino, menos afeitos às virtudes
construtivas que todos
devemos respeitar neste
mundo. Enquanto jogarem suas bolas de madeira, possivelmente muitos indivíduos,
cujos instintos criminosos ainda se acham adormecidos, se desviarão do delito
provável e muitos caçadores ociosos deixarão em paz os animais amigos de nossas
florestas.
O monarca fêz comprida pausa
e a multidão prorrompeu em aplausos delirantes.
Via-se o inventor cercado de
abraços, quando o soberano recomeçou:
- Devo acrescentar, porém,
que a sabedoria de meu cetro ordena que o senhor seja punido com cinquenta dias
de prisão forçada, a fim de que aprenda a utilizar sua capacidade intelectual
em benefício de todos. A inteligência humana é uma luz cuja claridade deve ser
consagrada à cooperação com o Supremo Senhor, na Terra. Sua invenção não melhora
o campo, nem cria trabalho sério; não ajuda as sementes, nem ampara os animais;
não protege fontes, nem conserva estradas; não colabora com a educação, nem
serve aos ideais do bem. Além disto, arrasta centenas de pessoas, qual se
verificou neste dia, conosco, a perderem valioso tempo na expectativa inútil.
Volte aos seus abençoados afazeres mentais, mesmo no cárcere, e dedique sua
inteligência a criação de serviço e utilidades em proveito de todos, porque, se
o meu poder o recompensa, a minha experiência o corrige.
Quando o rei concluiu e
desceu da tribuna, o inventor se fizera muito pálido, o povo não bateu palmas;
entretanto, toda gente aprendeu, na decisão sábia do grande soberano, que
ninguém deve menosprezar os tesouros da inteligência e do tempo sobre a Terra.
A decisão sábia - Alvorada
Cristã - Francisco Cândido Xavier - Espírito Neio Lúcio
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