Um aprendiz de Nosso Senhor
Jesus Cristo entusiasmou-se com os ensinamentos do Evangelho e decidiu
propagá-los, enquanto vivesse. Leu, atencioso, as lições do Mestre e começou a
comentá-las por toda parte, gastando dias e noites nesse mister.
Chegou, porém, o momento em
que precisou pagar as próprias despesas e foi compelido a trabalhar.
Empregou-se sob as ordens de
um orientador que lhe não agradou. Esse diretor de serviço achava-se muito
distante da fé e, por isto, contrariava-lhe as tendências religiosas.
Controlava-lhe as horas com rigor e observava-o com apontamentos acrimoniosos e
rudes.
O pregador do Crucificado
não mais se movimentava com a liberdade de outro tempo. Era obrigado a
consagrar largos dias a trabalhos difíceis que lhe consumiam todas as forças.
Prosseguia, ensinando a boa doutrina, quanto lhe era possível; porém, não mais
podia agir e falar, como queria ou quando pretendia. Tinha os minutos contados,
as oportunidades divididas, as semanas tabeladas e, porque se julgasse vítima
das ordenações de sua chefia, procurou o diretor do serviço e despediu-se.
O proprietário que o
empregara indagou do motivo que o levava a semelhante resolução.
Um tanto irônico, o rapaz
explicou-se:
— Quero ser livre para
melhor servir a Jesus. Não posso, pois, aceitar o cativeiro de sua casa.
Nesse dia de folga absoluta,
sentiu-se tão independente e tão satisfeito que discorreu, animadamente, sobre
a doutrina cristã, até depois de meia-noite, em várias casas religiosas.
Repousando, feliz, alta
madrugada sonhou que o Mestre vinha encontrá-lo.
Reparou-lhe a beleza celeste
e ajoelhou-se para beijar-lhe a túnica resplandecente.
Jesus, porém, estampava na
fisionomia dolorosa e indisfarçável tristeza.
O discípulo inquietou-se e
interrogou:
- Senhor, porque te sentes
amargurado?
O Cristo, respondeu,
melancolicamente:
— Porque desprezaste, meu
filho, a pregação que te confiei?
— Como assim, Senhor? —
replicou o jovem — ainda hoje abandonei um homem tirânico para melhor ensinar a
tua palavra. Tenho discursado em vários templos e comentado a Boa-Nova por onde
passo.
— Sim — exclamou o Mestre —,
esta é a pregação que me ofereces e que desejo continues fervorosamente;
todavia, confiei ao teu espírito a pregação fundamental da verdade a um homem
que administra os meus interesses na Terra e não soubeste executá-la.
Classificaste-o de ignorante e cruel; entretanto, olvidas que ele ignora o que
sabes. E pretendes, acaso, desconhecer que o orientador humano que te dei
somente poderia abordar-me os ensinos, nesta hora, através de teu exemplo? Tua
humildade construtiva, no
espírito de serviço,
modificar-lhe-ia o coração... Se lhe desses cinco anos consecutivos de
demonstrações evangélicas, estaria preparado a caminhar, por si mesmo, na
direção do Reino Divino!... E ele, que determina sobre o tempo de duzentos
homens, se faria melhor, mais humano e mais nobre, sem prejuízo da energia e da
eficiência... Poderás ensinar o caminho celestial a cem mil ouvidos, mas a
pregação do exemplo, que converta um só coração ao Infinito Bem, estabelece com
mais presteza a redenção do mundo!...
O aprendiz desejou perguntar
alguma coisa; entretanto, o Cristo afastou-se num turbilhão de luminosa
neblina.
Acordou, sobressaltado, e
não mais dormiu naquela noite.
De manhã, pôs-se a caminho
do estabelecimento em que trabalhara, procurou o diretor de quem se despedira e
pediu humildemente:
—Senhor, rogo-lhe desculpas
pelo meu gesto impensado e, caso seja possível, readmita-me nesta casa!
aceitarei qualquer gênero de tarefa.
O chefe, admirado, indagou:
—Quem te induziu a esta
modificação?
—Foi Jesus — respondeu o rapaz
—; não podemos servi-lo por intermédio da indisciplina ou do orgulho pessoal.
O diretor concordou sem
vacilação, exclamando:
—Entre! Estamos ao seu
dispor.
Anotou a boa vontade e o
sincero desejo de servir de que o empregado dava agora vivo testemunho e passou
a refletir na grandeza da doutrina que assim orientava os passos de um homem no
aperfeiçoamento moral. E o aprendiz do Evangelho que retomou o trabalho comum,
intensamente feliz, compreendeu, afinal, que poderia prosseguir na propaganda
verbal que desejava e na pregação básica do exemplo que Jesus esperava dele.
A pregação fundamental - Alvorada
Cristã - Francisco Cândido Xavier - Espírito Neio Lúcio
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